quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Opções de LIFT e caça leve para a Argentina

 A Argentina precisa renovar suas Aviação de Caça - mas quais são as melhores opções para o país?

Presidente da Argentina, Alberto Fernández, usando máscara com o mapa das Falklands / Malvinas durante entrevista. O gesto repercutiu mal com a Inglaterra

No dia 28 de outubro, foi anunciado que o contencioso da Argentina com a Inglaterra, em função das Ilhas Falklands / Malvinas, fez mais uma vítima: a compra dos KAI FA-50 Golden Eagle foi barrada em função dos componentes britânicos presentes no caça leve coreano [1]. Este contencioso já fez com que a Inglaterra barrasse outras vendas aos portenhos, inclusive do Gripen, em 2014 [2].

Não há indicação de que a Argentina e a Inglaterra consigam resolver o contencioso amigavelmente num futuro próximo, além da geopolítica recente argentina, o que levou alguns analistas a considerarem que a solução para os problemas da FAA (Força Aérea Argentina) e do COAN (Comando Aeronaval da Argentina) - que não tiveram praticamente renovação nenhuma depois da Guerra das Falklands de 1982 - não está no Ocidente, mas no Oriente.



ESTADO ATUAL DA FAA E DO COAN


Antes da guerra pelas Ilhas em 1982, de modo geral a FAA e o COAN eram as mais poderosas Aeronáuticas da América Latina, tanto em termos qualitativos como quantitativos.

As perdas catastróficas da guerra, mais as crises políticas e econômicas que se seguiram, fizeram com que a FAA e o COAN passassem as próximas quatro décadas sem reequipamento significativo.

O atrito normal de operação complicou ainda mais a situação, e atualmente a FAA e o COAN dispõem apenas de um punhado de A-4 e Super Etèndard que, apesar de modernizados, já sentem o peso da idade, e a disponibilidade destes meios é bastante reduzida.

Outros modelos, como os brasileiros T-27 Tucano e argentinos IA-58 Pucará, apesar de eficientes para usos contra adversários assimétricos, não são capazes de sobreviver num ambiente mais disputado, portanto não falaremos deles neste momento.

Os argentinos têm muito orgulho do seu IA-63 Pampa, um jato de treinamento avançado, cuja versão Pampa III segue em desenvolvimento [3].

Dada a situação econômica do país, é pouco provável que consigam comprar ‘caças plenos’ e se limitem a LIFT (treinador armado avançado), como o próprio FA-50 que foi barrado, e caças leves.

Neste artigo, exploraremos algumas alternativas de caças leves e LIFT para o reequipamento da FAA, e focaremos principalmente em aeronaves russas e chinesas, já que estas aeronaves não utilizam sistemas britânicos, portanto são menos passíveis de embargos.

Como o COAN não mais dispõe de NAe (navios aeródromo, 'porta aviões'), pode-se considerar que o modelo que atende à FAA também pode atender o COAN.

Voltando ao ponto das Falklands, a Argentina aprendeu que suas aeronaves táticas precisam ser capazes de ataques antinavio e de um bom raio de combate (as Ilhas ficam a cerca de 700 km do continente, com a maioria das bases argentinas ficando ainda mais longe do que isso), então tanto o alcance como a capacidade de armas do novo vetor devem atender a tais requisitos.

Embora seja improvável que a Argentina tente invadir as Ilhas novamente, é bem provável que eles pelo menos contemplem esta possibilidade, portanto é razoável pensar que as futuras aeronaves táticas tenham capacidade de atender aos requisitos de alcance e armas que mencionamos anteriormente.
Ao final do artigo há uma tabela com especificações técnicas das aeronaves discutidas.


AERONAVES LIFT


Embora os LIFT sejam atraentes em termos de custos operacionais, eles provavelmente não são capazes de carregar uma boa carga de armas até as Falklands, e até onde se sabe não há aeronaves da categoria integradas a mísseis da classe do Exocet.

Entretanto, dada a realidade orçamentária do país, pode ser que não consigam adquirir aeronaves mais capazes que LIFT.


LIFT SUBSÔNICOS

FAdeA IA-63 PAMPA III

IA-63 Pampa III durante testes

O Pampa nasceu de uma colaboração com os alemães da Dornier, e é basicamente um ‘mini Alpha Jet’; ao contrário do ‘pai’, o Pampa é monomotor, mais ou menos da mesma categoria do Leonardo M-345.

Apesar das performances modestas, o Pampa III é uma aeronave bastante moderna, com ‘glass cockpit’, HMS (mira montada no capacete) e outros recursos interessantes, além do fato de ser um produto nacional, o que estimula a indústria argentina.

Embora sua capacidade como caça e avião de ataque seja limitada, com uma carga de armas bastante reduzida, a Argentina resolveu boa parte dos contenciosos fronteiriços com o Chile, o que diminui a pressão imediata sobre a FAA, e faz com que o Pampa seja uma opção interessante. Sua velocidade máxima é de Mach 0,8.


Algumas aeronaves, como o Aero L-39, Leonardo M-345, HAL HJT-36 Sitara e Hongdu JL-8, são mais ou menos equivalentes ao Pampa (treinadores a jato subsônicos, leves, monomotores), e é improvável que sejam escolhidos ao invés do produto nacional, portanto não falaremos delas aqui.


Yakovlev Yak-130

O  Yak-130 tem uma boa capacidade de carga de armas

O Yak-130 é o resultado de um trabalho conjunto entre Rússia e Itália, que também gerou o Leonardo M-346.

É um LIFT bimotor subsônico (velocidade máxima Mach 0,8), consideravelmente maior e mais capaz que o Pampa. Tem ótimas capacidades de ataque, aviônicos avançados e capacidade de armas muito maiores que as do Pampa.


LIFT SUPERSÔNICOS

Hongdu JL-10 / L-15 Falcon

Maquete do Hongdu JL-10 / L-15 Falcon

O Hongdu JL-10, também conhecido como L-15 Falcon, é um LIFT chinês com características parecidas às dos ocidentais KAI FA-50, Leonardo M-346 (os quais não serão tratados aqui por serem equipamentos ocidentais) e Yakovlev Yak-130 (do qual falamos há pouco).

Assim como o FA-50, é amplamente supersônico (velocidade máxima de Mach 1,4), e pode ser equipado com sistemas complexos como radares PESA (varredura eletrônica passiva) e AESA (varredura eletrônica ativa) e mísseis BVR (além do alcance visual), tecnologias mais avançadas que as disponíveis na FAA e no COAN hoje.

Pesa contra o Falcon o fato de ainda ser um projeto imaturo, que mal passou da fase de protótipo, mas isso também abre a possibilidade de a FAdeA participar da sua produção.


Guizhou JL-9 / FTC-2000 Mountain Eagle
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FTC-2000G e algumas das armas compatíveis

O Guizhou JL-9 (conhecido como FTC-2000 Mountain Eagle) é um derivado do J-7, que por sua vez é derivado do icônico MiG-21. Já foi exportado para o Sudão e mais um país asiático, cuja identidade ainda não foi revelada.

Comparado ao JL-10, o JL-9 é mais barato mas também menos capaz, embora também seja amplamente supersônico (velocidade máxima de Mach 1,5) e conta com radar interno, além da capacidade de 2 ton de armas.


CAÇAS LEVES


A realidade orçamentária da FAA é bastante complicada, portanto é pouco provável que sejam capazes de manter em uso um número razoável de aeronaves relativamente pesadas como aquelas das famílias do Mig-35 e Su-35.

Excluindo-se caças ocidentais desta categoria, sobram duas opções, ambos supersônicos, que podem ser muito interessantes à FAA, inclusive em termos de alcance e carga para ameaçar seriamente as Ilhas.



CAC / PAC JF-17 Thunder

O JF-17 Thunder é capaz de levar uma ótima carga de armas, incluindo mísseis antinavio

O JF-17 Thunder é um caça leve desenvolvido em conjunto pela China e pelo Paquistão, já testado em combate, e alegadamente abateu caças indianos.

É um 'bichinho feroz', pois apesar de relativamente pequeno é capaz de carregar várias armas chinesas e paquistanesas, inclusive mísseis antinavio, mísseis de cruzeiro e mísseis BVR, e é capaz de atingir tranquilamente as Ilhas. Seus aviônicos, inclusive o radar, são bastante modernos, o que aumenta ainda mais as capacidades do avião.

Além do Paquistão, já foi exportado para Myanmar e Nigéria, e se encaixa perfeitamente às necessidades da FAA e/ou COAN a um custo bastante acessível.


Chengdu J-10 Vigorous Dragon / F-10 Vanguard

O J-10 é maior e mais capaz que o JF-17

O J-10 é um caça chinês desenvolvido a partir dos anos 1980, e sua última versão, o J-10C, apresenta uma série de melhorias, inclusive destinadas a reduzir a RCS (seção reta radar), radar AESA e mísseis BVR.

Comparado ao JF-17, o J-10 é maior, carrega mais armas, mais veloz e com maior alcance, mas também é mais caro de adquirir e manter.

O J-10 não foi exportado, e não está claro se está disponível para exportações, mas caso positivo seria uma excelente opção para a FAA e/ou COAN.


CONCLUSÃO

Caso a FAA e/ou o COAN se interessem pelas aeronaves deste artigo, será necessário estudar, cuidadosamente, o que atende melhor a seus interesses - um número menor de aeronaves mais capazes (J-10), um número maior de aeronaves menos capazes (JF-17), algum LIFT (neste caso aceitando que quaisquer possibilidades de ameaçar as Ilhas é descartada). A conveniência de se adotar mais de um tipo de aeronave também deve ser analisada cuidadosamente.

Outro ponto a ser considerado é a qualidade das armas chinesas. A Argentina já teve problemas com armas chinesas, o que levanta a questão de que talvez eles não queiram que sua aviação de caça dependa de aeronaves chinesas. [4]

Além da Aviação de Caça, a Argentina também precisa renovar / adquirir outras capacidades, tais como REVO (reabastecimento em voo) e AEW (alerta aéreo antecipado), mesmo se 'retomar as Ilhas' não esteja nos planos argentinos a curto e médio prazo.

Embora a mudança de paradigma de operação - Ocidente vs Oriente - seja muito mais complexa do que 'apenas' adquirir as aeronaves, a triste realidade é que os atuais meios argentinos estão muito perto do final da vida útil, o que significa que este é o melhor momento para tal mudança, já que praticamente tudo (incluindo ferramental) terá que ser renovado de qualquer forma.


ESPECIFICAÇÕES


Legenda:
Comp - comprimento
Env - envergadura
Alt - altura
PMD - peso máximo de decolagem
PC - pós-combustor
Trav - alcance de travessia (ferry range)
Comb - raio de combate (combat radius)
Observação: as especificações, especialmente o alcance, mudam conforme a fonte, versão da aeronave e conjunto de fatores (altitude, rota utilizada, velocidade, carga de armas...)


REFERÊNCIAS







Renato Henrique Marçal de Oliveira é químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel).

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