segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Dirigíveis no século 21

O homem sempre quis voar, e as primeiras máquinas voadoras eram “aeronaves mais leves que o ar” (LTA), primeiramente balões e depois os dirigíveis - vulgarmente conhecidos como zepelins ou blimps, que dominaram os céus desde o final do século 18 até mais ou menos o final da Primeira Guerra Mundial em 1918.

O avanço das “aeronaves mais pesadas que o ar”, como aviões e helicópteros, relegou as LTA à obsolescência, restritos a usos como turismo, ao invés de serem os principais veículos de transporte de cargas e passageiros que foram nos primórdios da aviação.

Entretanto, o avanço tecnológico, além de questões como impacto ambiental, podem levar ao renascimento dos blimps.


Concepção artística de um dirigível da Lockheed Martin


QUESTÕES TÉCNICAS

A referência [1] traz algumas considerações sobre o uso de blimps, inclusive com cálculos de eficiência e custos. É um artigo extenso e de leitura complexa para aqueles não acostumados à engenharia aeronáutica, portanto vamos simplificar ao máximo para nossos leitores.

O ar, assim como a água, é um fluido. As LTA funcionam com base no princípio de Arquimedes, em que o volume e a massa de fluido deslocado determinam a massa (“peso”) que pode flutuar neste fluido. A flutuabilidade dos navios e de submarinos também se baseia no princípio de Arquimedes.

Com base nesse princípio, apenas dois gases têm as propriedades físicas adequadas para permitir que a LTA seja considerada viável para transporte de cargas e/ou pessoas.

Aquele que apresenta as melhores propriedades físicas é o hidrogênio, que tem ainda a vantagem do custo relativamente baixo. Entretanto, o hidrogênio é extremamente inflamável, com acidentes como o trágico incêndio do Hindenburg tendo sido causados justamente pelo hidrogênio.

O Hindenburg, um dos maiores blimps de transporte de passageiros da História, perdeu-se num incêndio em 06/05/1937, causando a morte de 36 pessoas

A segunda melhor opção é o hélio, que além de mais caro de obter, tem ainda, por suas características físicas, a tendência de vazar dos recipientes que o contém, além de permitir uma capacidade menor de carga que o hidrogênio (considerando-se blimps das mesmas dimensões). Ademais, a disponibilidade do gás é dependente do mercado internacional, e limitada, o que pode complicar a situação caso haja um pico na demanda. A grande vantagem do hélio é sua natureza quimicamente inerte, portanto não sofre o risco de incêndio do hidrogênio.

As referências [1-5] trazem considerações técnicas mais aprofundadas, mas para os fins deste trabalho, vamos considerar o uso de blimps preenchidos com hélio.


POR QUÊ BLIMPS NO SÉCULO 21?

Chamamos a atenção para o seguinte gráfico da referência [1], modificado por nós. Observe-se o retângulo vermelho.


Este gráfico relaciona a eficiência teórica para cada faixa de velocidade; quanto mais próximo da linha azul, mais eficiente o meio de transporte, o que representa custos menores.
O "Zeppelin NT" é um blimp teórico proposto na referência [1], e a linha verde representa outros blimps teóricos, levando-se em consideração tanto critérios teórico-técnicos como de ordem prática.

Pode-se observar que, dependendo das características, os blimps podem ser quase tão eficientes como caminhões, e segundo alguns analistas, podem ser tão eficientes como navios.

Em termos de custos, em centavos de dólar por tonelada por milha, os valores da referência [5] são os seguintes, junto às velocidades de cruzeiro aproximadas (em km/h):


Comparando-se o blimp a outros meios de transporte...

  • Comparado ao avião, o blimp tem custos menores, e não exige um aeroporto, apenas uma área grande para operar
  • Comparado ao caminhão, o blimp pode cruzar oceanos, além de ser muito mais rápido e poder chegar mesmo a lugares onde não há estradas disponíveis
  • Comparado ao trem, o blimp é mais rápido, atravessa oceanos e chega mesmo em lugares aonde não há trilhos
  • Comparado ao navio, o blimp é muito mais rápido, pode chegar a lugares muito longe dos portos, e não depende de corpos de água para se deslocar

Ou seja, para certas classes de materiais, o blimp é mais eficiente que os meios atualmente em uso.

Outra vantagem dos blimps é que podem permanecer em voo por período praticamente indefinido, caso pilotado remotamente, o que o torna atraente para uso como plataforma ISR (inteligência, vigilância, reconhecimento), como destacado pela referência [2].

Em termos de capacidade de carga, não há propriamente um limite teórico, e pode ser possível produzir blimps para 1.000 ton de cargas; um blimp com tal capacidade, teoricamente, ofereceria custos de transporte equivalentes aos de um navio [5; 6; 7].

Outro ponto a favor dos blimps é o menor consumo de combustível, o que pode ser interessante do ponto de vista ambiental.


USO MILITAR DE BLIMPS

Por incrível que pareça, os blimps foram muito usados na Segunda Guerra Mundial, e seguem em uso até hoje.

Blimps no Dia D

Na Segunda Guerra, os blimps eram usados como defesa contra voos rasantes do inimigo - os grossos cabos de aço que os seguravam poderiam danificar ou derrubar um avião que tentasse passar por baixo deles, ou então o blimp cairia sobre a aeronave e a derrubaria. Caso o inimigo tentasse atacar por cima, boa parte dos disparos acabariam atingindo os blimps, o que reduziria a eficiência do ataque.

Devido à curvatura da Terra, é muito comum o uso de torres para aumentar o alcance dos sensores e de antenas de comunicações; os blimps são usados primordialmente como "torres super altas" para sensores, em missões ISTAR (inteligência, vigilância, aquisição de alvos, reconhecimento) ou como retransmissor de telecomunicações. 

Para efeito de comparação, uma torre de 36 pés (~11 m) aumenta o horizonte visual dos 4 km a nível do solo para 12 km, enquanto que com uma torre de 96 pés (~29 m) o horizonte visual aumenta para 22 km. [8] Um blimp voando a 1500 m aumenta este horizonte para 160 km, [9] o que possibilita um ganho tremendo em capacidades ISTAR ou em área coberta na retransmissão de telecomunicações. Outra vantagem é que um blimp pode ficar no ar por vários dias, a custos bem menores que aeronaves mais pesadas que o ar, como drones.

Os Aliados usaram blimps extensivamente no Afeganistão, onde o terreno montanhoso dificulta bastante a transmissão de comunicações de rádio.

Outra possibilidade, que interessa tanto aos militares quando a missões de resgate em casos de catástrofes naturais, é a possibilidade de chegar a praticamente qualquer lugar, sem depender de muita infraestrutura, e carregando muita coisa no processo, já que é relativamente simples criar blimps gigantescos. [10; 11] Entretanto, tais projetos ainda não passaram da fase de protótipos.

Comparação de tamanho entre o Hindenburg, um dos maiores blimps já feitos, com um Boeing 747


E O BRASIL?

O Brasil tem, como bem se sabe, muitas áreas de difícil acesso. Outras, mesmo com acesso relativamente fácil, contam com cobertura de telecomunicações reduzida ou inexistente.

Blimps podem ser vantajosos em tais situações, mas os problemas supracitados - dificuldade na obtenção do hélio, baixa velocidade, baixa capacidade de carga - permanecem.

Ademais, o Brasil não investe em pesquisas do ramo como deveria, o que significa que estamos ainda mais atrasados que outros países neste sentido.

Isso não quer dizer que o Brasil não faça tais pesquisas. Além do uso para ISTAR ambiental sobre a Amazônia [12], também há trabalhos para uso deles como cargueiros na Zona Franca de Manaus [13; 14]. Entretanto, assim como em outros lugares do mundo, os blimps brasileiros ainda não passaram da fase de protótipos.

Noamay (“cuidar e proteger” na língua indígena yanomami), blimp de monitoramento ambiental sobre a Amazônia


CONCLUSÃO

Embora, no presente, os blimps ainda não sejam usados para transporte pesado - o modelo da Lockheed Martin na imagem abertura do artigo ainda não foi construído - o que bem ilustra as dificuldades técnicas até que os dirigíveis conquistem os céus como fizeram no passado.

Mas isso não impede seu uso, imediatamente, como plataforma ISTAR, como vários países já estão fazendo. [15]

Blimp americano em Kabul

O Brasil, cujo enorme território tem grandes áreas bastante isoladas, poderia se beneficiar bastante, e imediatamente, com o uso de dirigíveis, ainda que apenas na missão ISTAR.


REFERÊNCIAS:

[1] https://link.springer.com/article/10.1007/s13272-016-0188-1

[2] https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-91462016000300249

[3] http://journals.oregondigital.org/index.php/trforum/article/view/806/701

[4] https://www.scielo.br/pdf/jatm/v8n3/1984-9648-jatm-8-3-0249.pdf

[5] http://journals.oregondigital.org/index.php/trforum/article/download/806/701

[6] https://www2.slideshare.net/PowerLift/michael-goodisman-ruslan-international-28476416?from_action=save

[7] https://www.bts.gov/sites/bts.dot.gov/files/table_03_21_012220.xlsx 

[8] http://aeroscraft.com/download/i/mark_dl/u/4011780344/4625444649/TacticalTower.pdf

[9] http://aeroscraft.com/download/i/mark_dl/u/4011780344/4624271699/3200%20brochure-10.9.15.pdf

[10] http://aeroscraft.com/capabilities-copy/4580476906

[11] http://aeroscraft.com/communities/4/004/011/780/344/images/4596115269_960x2880.jpg

[12] https://revistapesquisa.fapesp.br/dirigivel-sobre-a-floresta/

[13] https://www.bloglogistica.com.br/mercado/amazonia-tera-dirigiveis-no-transporte-de-carga/

[14] https://amazonasatual.com.br/dirigivel-sera-usado-para-transporte-de-cargas-do-polo-industrial-de-manaus/

[15] https://www.nytimes.com/2012/05/13/world/asia/in-afghanistan-spy-balloons-now-part-of-landscape.html


Renato Henrique Marçal de Oliveira é químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel).

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