Há
exatos 39 anos, Israel lançara o mais ousado e impensável ataque contra as
instalações nucleares do Iraque de Saddam Hussein, e você vai conhecer um pouco
sobre esta incrível operação executada no dia 7 de junho de 1981, contra a
usina nuclear de Osirak, sepultando os sonhos de Saddam em obter sua arma
nuclear, conhecida como “Operação Ópera”.
A “Operação Opera”,
também conhecida pelo seu codinome “Babilônia”, envolvendo um grande esforço de
planejamento, e o alto nível de secretismo que envolvia a operação,
representava o divisor entre o sucesso e o fracasso daquela missão.
Antes de falar do
ataque, é preciso entender o cenário que levou Israel a optar por esta solução
contra uma potencial ameaça à sua integridade. Algo que Israel assimilou após
os confrontos contra seus vizinhos nos anos 60 e 70, era que a melhor defesa
era o ataque preventivo, neutralizando as ameaças antes que as mesmas se
tornassem efetivas.
Tudo começou em
1976, quando Saddam Hussein assinou um acordo de cooperação nuclear com a
França, o que incluía a construção de um reator nuclear classe Osíris,
alegadamente para fins pacíficos, e esse acordo envolveria a venda de urânio
enriquecido ao governo de Bagdá, declarado inimigo de Israel.
Diante do cenário
complexo, Israel ainda tentou dissuadir a França à cancelar o programa de
cooperação nuclear, mas o mesmo não teve efeito. E a opção de lançar um ataque
ao reator foi colocada na mesa como uma opção em 1979. Era consenso no alto
comando israelense que uma ação deveria ser realizada antes que o reator
entrasse de fato em operação, eliminando os riscos de gerar uma catástrofe nuclear,
a qual poderia liberar uma onda de radiação que poderia se espalhar por uma
grande área, afetando milhares de pessoas e podendo atingir outros Estados, o
que poderia desencadear uma retaliação conjunta contra Israel, isso sem contar
a imagem negativa que a ação teria mundialmente.
Segundo dados de inteligência
coletados pelo Mossad, o reator deveria estar pronto para operação entre julho
e setembro de 1981. Israel se valeu de diversos meios não convencionais para
lidar com a situação, e há indícios que a morte do físico egípcio Yehia
El-Mashad, responsável pelo programa iraquiano, encontrado morto a pauladas em
Paris em junho de 1980 tenha haver com uma ação do Mossad. Além da morte do
físico egípcio, outros fatos estranhos envolvendo empresas ligadas ao programa
iraquiano ocorreram, como as explosões que danificaram as instalações de
empresas italianas e francesas suspeitas de participação no programa. Tais
ações não obtiveram sucesso, a última alternativa antes de optar pelo ataque
era uma mudança do governo francês, porém, ao assumir a presidência, em 1981,
François Mitterrand jogou uma pá de cal nas esperanças de uma solução política
para o impasse, anunciando que novas transferências de tecnologia nuclear não
seriam realizadas, mas que os contratos em curso seriam respeitados. Não havia
outra saída à Israel senão atacar a Usina de Osirak.
O ataque surpresa que
teve seu planejamento iniciado quase um ano antes de ser executado com grande precisão,
colocou tal ação na história como um dos mais ousados e eficazes ataques aéreos
já lançados, marcando o bem-sucedido emprego de uma das melhores e mais vendida
aeronave projetada no final dos anos 70, o General Dynamics F-16A Fighting
Falcon, sendo considerado seu batismo de fogo, apesar de ter abatido com seu
canhão um helicóptero Mil Mi-8 sírio dois meses antes do ataque à Osirak.
O bombardeio
cirúrgico surpreendeu o mundo, mostrando a perícia e grande capacidade da Hel
HaAvir, a Força Aérea de Israel, e seus recém incorporados F-16A, batizados
“Netz” por Israel (Falcão em hebraico). Mostrando que não havia objetivo que
Israel não pudesse atacar, nem mesmo dentro do fortemente protegido território
iraquiano.
Os Desafios da Hel
HaAvir
A operação apresentava uma série de desafios que fariam o mais sensato estrategista repensar muitas vezes seus planos, a começar pela grande distância que envolvia o "raid" israelense, eram mais de 2.000 km entre o ponto de partida e retorno à Usina de Osirak, o que envolvia ainda ter de sobrevoar território de nações hostis, como Jordânia e Arábia Saudita, sem mensurar as modernas defesas aéreas do Iraque no início dos anos 80, era a típica missão suicida.
Além do desafiador
trajeto até o bem defendido espaço aéreo iraquiano, que contava com aeronaves
modernas como os MiG-23, Osirak era muito bem defendida, como não poderia
deixar de ser, contando com uma defesa aérea em camadas, capaz de neutralizar
alvos voando a baixas altitudes, bem como aeronaves voando aos 40 mil pés de
altitude. A defesa de Osirak era composta por baterias antiaéreas quádruplas ZSU-23-4 Shilka
de 23 mm, duas baterias compostas pelo sistema ZSU-57-2 Obyekt 500
de 57 mm e cinco SAM SA-6 com 60 mísseis. Não havia espaço para falhas,
qualquer erro poderia resultar no fracasso da missão e na perda não só de suas
aeronaves, como também na perda de experientes pilotos de combate.
Os estrategistas
da Hel HaAvir receberam muitos dados de inteligência coletados pelo
Mossad, sem os quais não teria sido possível lançar tal ataque. A definição do
pacote de ataque não foi algo simples, houve um criterioso estudo antes de se
definir os recém adquiridos F-16A “Netz” como componente da força de ataque.
A Hel HaAvir
possuía ao seu dispor um inventário que dispunha de diversas aeronaves, as
quais possuíam distintas capacidades e qualidades que poderiam ser o fiel da
balança naquela importante missão. Dentre as cartas que dispunha em suas mãos,
Israel contava com uma vasta frota de caças-bombardeiros subsônicos McDonnell
Douglas A-4 Skyhawk, além de sua variante localmente desenvolvida do Mirage
III, o “Kfir”, ainda no leque de opções figuravam o famoso McDonnell Douglas F-4E
Phanton II e o poderoso F-15 Eagle do mesmo fabricante.
Analisando as
opções disponíveis e o perfil da missão a ser executada, logo foram descartados
o emprego dos “Skyhawk” e “Kfir”, que apesar de boas características para
realizar missões de ataque ao solo, possuíam uma “perna muito curta”, sem
considerar também algumas limitações em seus aviônicos e sistemas de missão, o
que os tornaria um alvo potencial as defesas inimigas.
A dupla da
McDonnell Douglas composta pelo F-15 Eagle e o F-4E Phanton II, também
apresentavam lacunas com relação as capacidades exigidas para aquela missão em
específico. Tendo contra o F-4E Phanton II o seu alto consumo de combustível,
somado ao fato de possuir uma tripulação composta por dois pilotos, o que iria
representar o risco de perder não apenas um de seus experientes homens, mas sim
dois, um custo considerado muito alto, levando em conta que, caso uma destas
aeronaves fosse abatida sobre território hostil, uma missão de resgate seria
algo muito arriscado e as chances de sucesso seriam muito remotas. Sendo assim,
apesar de ser uma aeronave que havia recebido um extenso pacote de
modernização, o qual conferiu capacidade de empregar bombas inteligentes, e possuía
um moderno sistema de EW e aviônica moderna, o “Phanton II” foi retirado do
leque de opções.
O F-15 Eagle no início
dos anos 80, era apontado como caça mais moderno do mundo. Capaz de conferir
superioridade aérea, o “Eagle” também contava com significativa capacidade realizar
missões de ataque ao solo, equipado com radar doppler Raytheon AN/APG-63, o qual não sofria interferência do solo em voos ultrabaixos. Mas os “Eagles”
de Israel não contavam com tanques suplementares de combustível, os quais não
foram vendidos à Israel, o que seria um fator limitante, somado ao consumo de
combustível no perfil de voo que seria realizado naquela missão. Foi então que
despontou como opção o F-16A “Netz”.
O F-16A “Netz” se
mostrava uma boa alternativa, apesar de nunca ter sido empregado até então numa
missão daquela envergadura, e sendo monomotor, o “Netz” tinha a seu favor a
reduzida assinatura radar (RCS), a moderna aviônica, capacidade de bombardeio
com precisão, empregando variados tipos de bombas, desde as convencionais
(burras), até bombas inteligentes, sendo muito manobrável e ágil, apresentando
um baixo consumo em relação as demais opções, sendo a opção adotada pela Hel
HaAvir.
O “Netz” curiosamente
foi fruto de uma compra de oportunidade, originalmente encomendados pelo Irã
antes da revolução que colocou os Aiatolás
no poder, o que resultou numa abrupta mudança nas relações entre os EUA e o
Irã. Assim, os F-16A deixaram de ser entregues ao Irã, representando 75
aeronaves do tipo produzidas e que se encontravam prontas e paradas a espera de
um novo comprador.
As
aeronaves já haviam sido pintadas no esquema de deserto, quando durante uma
visita do então comandante da Hel HaAvir, David Ivri, a Base Aérea
de Edwards, os mesmos foram oferecidos à Israel, grande aliado de Washington na
região. O F-16A impressionava por suas
qualidades e capacidades de combate, e Israel não perdeu a oportunidade de
reforçar suas capacidades com a moderna aeronave, como resultado da negociação,
em julho de 1980 chegavam os “Netz” à Israel, compondo três esquadrões.
Outro fato muito
curioso, é que, apesar de contar em seu inventário com bombas inteligentes,
para o ataque a usina de Osirak foi escolhido o emprego de bombas de queda livre
Mk 84 de 2.039 lb, tendo sido justificado seu uso como precaução, pois ainda
estavam começando a empregar as novas bombas, e ainda não possuíam confiança
suficiente para determinar seu uso naquela missão, mesmo com “Netz” tendo ampla
capacidade de empregar tais armas. Uma das alegações que justificam tal opção,
é que os pilotos estavam acostumados a empregar a Mk.84, somando a este fator a
aviônica avançada do F-16A, capaz de lançar com precisão bombas convencionais,
pois seu computador de missão era capaz de realizar em fração de segundos os
cálculos para liberar com precisão quase cirúrgica sua carga mortal.
Para missão foi
estabelecido que o pacote de ataque seria composto por oito F-16A “Netz”, cada
qual dotado de duas bombas Mk.84, o que representava 16 bombas disponíveis para
o ataque, o dobro do previsto para que a missão fosse cumprida. Os “Netz” não
estariam sozinhos, receberiam cobertura dos F-15 “Eagle”, que se encarregariam
de escoltar o elemento de ataque e eliminar qualquer oposição aérea que
hipoteticamente surgisse.
O Treinamento
Em outubro de 1980,
quando Israel optou pelo ataque à Usina de Osirak, Hel HaAvir já havia definido o perfil do ataque e os meios
que seriam empregados na ação. Os “Netz” e suas tripulações foram mobilizados
afim de ser preparados para executar a missão.
Todo processo de
preparação da missão era mantido em completo sigilo, Israel chegou a construir
em escala reduzida a Usina de Osirak para melhor preparar seus pilotos.
Diversos estudos foram realizados afim de determinar o melhor perfil de
lançamento das bombas. Segundo tais estudos, o ataque deveria ser lançado em
voo rasante, conforme já determinado, porém, a liberação das bombas Mk-84 seria
realizada em ângulos entre 30 e 40 graus, para que o impacto tivesse melhor
resultado contra a estrutura da cúpula do reator, com as espoletas programadas
para detonar após a passagem da última aeronave, evitando assim que destroços
atingissem uma das aeronaves, levando em consideração o perfil de voo
extremamente baixo no ataque.
Hora de fazer
história
Era domingo, 7 de junho
de 1981, após os últimos preparativos era dada partida nos motores dos F-16 baseados
em Etzion. Após a ignição das turbinas e o acerto nos sistemas de navegação,
houve um novo abastecimento com motores ligados para complementar os cerca de
140 litros de combustível gastos em solo, só então às 15h55 os “Netz” decolavam
rumo à Osirak, decolando com 1.100 kg acima de seu peso máximo de decolagem!
Armados com duas
bombas Mk.84 sob suas asas, o “Netz” recebeu ainda um par de AIM-9 Sidewinder para
sua defesa nos trilhos na ponta de suas asas. Além de sua reserva interna, as
aeronaves receberam um tanque suplementar de 370 galões sob cada asa e no
pilone ventral levavam mais um tanque de 300 galões, somando 1.040 galões de
combustível extra!
Sob condições
normais, o F-16A necessitava de apenas 600 metros para decolar, mas devido ao
peso extra que o “Netz” levava nesta missão, os mesmos necessitaram percorrer os
1.700 metros de extensão da pista de Etzion para alçar voo.
Após decolar, o
pacote de ataque foi dividido em dois elementos, distanciados cerca de 4km e
lateralmente 600m, a escolta era feita por seis F-15 “Eagle”, os quais voavam
em três pares, um par cobrindo cada flanco e o terceiro par na retaguarda. A
tripulação dos “Eagle” estavam atentas aos seus radares, pois a qualquer
momento poderia surgir uma ameaça, e esta teria de ser prontamente
neutralizada.
Dentre as
hipotéticas ameaças aéreas, figuravam além dos MIG-23, os temíveis F-15
sauditas. Para encobrir tal operação, a Hel
HaAvir mobilizou vários meios aéreos, monitorando as comunicações
com um de seus 707 AEW&C e um Northrop Grumman Hawkeye E-2C, além destas,
Israel mobilizou um KC-130 para manter um par de seus helicópteros Sikorsky CH-53
em alerta para necessidade de lançar uma missão de resgate caso uma de suas
aeronaves fossem abatidas.
Afim de distrair
as defesas sauditas, um F-15B fora empregado como piquete radar, atraindo a
atenção das defesas sauditas para outro setor, o que foi realizado com sucesso,
com pacote de ataque passando pelo território saudita sem ser detectado.
O
plano de ataque foi traçado levando em consideração as elevações do terreno, uma
forma de evitar que fossem detectados pelos radares jordanianos e sauditas. Os
israelenses consideraram muitos fatores e situações que poderia ocorrer durante
a missão, o que levou a estabelecer uma série de protocolos que deveriam ser
seguidos a risca no caso de uma contingência ocorrer, dentre estas hipóteses,
foi considerada a possibilidade de uma falha nos motores, assim, os pilotos envolvidos
na operação tinham como opção para não comprometer o pacote de ataque e toda
operação, realizar uma subida brusca até 150 metros para realizar a ejeção de
forma segura. Isso diminuiria a chance de perda do elemento surpresa, uma vez
que se a aeronave em pane fosse captada neste momento pelos radares antes de
cair, a mesma iria aparecer apenas uma vez nas telas e consequentemente seria
interpretado apenas como um eco.
O
silêncio de rádio era completo. O grupo se reagrupou pouco antes de entrar em
território saudita, seguindo a 90 metros do solo até o Golfo de Ácaba. O
trajeto incluiu voar por 40 quilômetros de desfiladeiros, realizando uma grande
perícia dos pilotos, um perigoso trajeto de aproximadamente sete minutos até
chegarem ao deserto. Neste momento a grande ameaça eram os F-15 “Eagle”
sauditas baseados em Tabuk.
Ao
cruzar a fronteira do Iraque, o coronel Ze’ev Raz emitiu o código: “Zebra”. O
grupo de ataque passava pelas referências até seu objetivo, os “Netz” que até
então voavam em baixa velocidade afim de economizar combustível, deram potência
em suas manetes e elevaram sua velocidade rumo ao alvo, seus radares foram
acionados e os “Netz” agora se agrupavam em quatro elementos.
Os
F-15 que escoltavam o grupo de ataque acionam seus pós-combustores, e mudam seu
perfil de voo, ascendendo para 6.600 metros passando a adotar um perfil de voo
CAP (Combat Air Patrol – Patrulha Aérea de Combate), passando a acompanhar as
atividades nas bases aéreas iraquianas.
Os
“Netz” estão prontos para o ataque, voando aproximadamente 20km do alvo, às 18h35
avistam o domo de concreto da Usina de Osirak, é chegada a hora da verdade, os pilotos
em seus F-16 acionam os pós-combustores, e iniciam uma subida vertiginosa até
alcançar os 2.100m. Agora a potência é reduziu no manete, e o “Netz” mergulha com
ângulo de 35 graus a cerca de 1.100km/h, o domo do reator de Osirak está
travado na mira. Chegando a cerca de 1.100m de altitude o ataque é realizado
com lançamento de suas bombas Mk.84, o intervalo é de cinco segundos entre cada
bomba.
O
tempo de resposta da defesa aérea foi muito grande, e apenas alguns disparos
foram feitos durante a passagem do último elemento, o ataque pegou os
iraquianos desprevenidos e não houve tempo para reação, os temíveis SAM SA-6 não
tiveram como reagir, muito menos os MiG-23 de receber o alerta em tempo hábil
para decolar e interceptar a força atacante.
O
ataque preciso levou menos de dois minutos para pôr fim aos planos de Saddam
Hussein. Foram despejadas dezesseis bombas, das quais, oito atingiram com
sucesso a cúpula do reator, as demais atingiram o pátio e instalações próximas.
A
após o bem-sucedido ataque, todas aeronaves retornaram inteiras para “casa”, ao
chegar a Base Aérea de Etzion, os pilotos foram recebidos com muita comemoração
pelo sucesso da ousada missão. Os “Netz” pousaram com muito pouco combustível,
e entraram para história com uma das mais ousadas missões de ataque já
realizadas. Após a “Operação Ópera”, nunca mais o Iraque retomou seus esforços
nucleares.
Por Angelo Nicolaci - Jornalista, editor do GBN News, graduando em Relações Internacionais pela UCAM, especialista em geopolítica do oriente médio, leste europeu e América Latina, especialista em assuntos de defesa e segurança, membro da Associação de Veteranos do Corpo de Fuzileiros Navais (AVCFN), Sociedade de Amigos da Marinha (SOAMAR), Clube de Veículos Militares Antigos do Rio de Janeiro (CVMARJ) e Associação de Amigos do Museu Aeroespacial (AMAERO).
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