domingo, 7 de junho de 2020

O que virá após o USS Gerald Ford? Os desafios da US Navy



Nos últimos 100 anos, o Navio Aeródromo (NAe), ou “porta aviões”, como é popularmente conhecido, tem sido o ponto focal do poder da US Navy (Marinha dos EUA) e dos USMC (Comando de Fuzileiros Navais da Marinha dos EUA) , ambos partes do Departamento da Marinha (DoN), algo como o antigo Ministério da Marinha no Brasil, que por sua vez estão subordinados ao Departamento de Defesa (DoD), que em certa ponto se equivale ao Ministério da Defesa no Brasil.

Neste período, o NAe evoluiu e cresceu bastante, desde o USS Langley lançado em 1922, deslocando 11,500 mil toneladas, medindo 165 m, capaz de operar 36 pequenas aeronaves nos primórdios da aviação naval, chegando hoje aos monstruosos navios da classe USS Gerald R. Ford, deslocando 90 mil toneladas, com impressionantes 333 m, capazes de operar um destacamento aéreo (DAE) composto por 90 aeronaves como os F/A-18E Super Hornet.

Enquanto parecia que a tendência de aumento no tamanho e/ou poder de fogo não teria fim, a realidade é que o mundo hoje é bem diferente do mundo na época em que o primeiro dos “super carriers”, como o USS Forrestal, foram lançados ao mar em meados da década de 50.


NOVOS TEMPOS, NOVAS REALIDADES

A Guerra Mundial ao Terror (GWOT), que começou logo após os ataques terroristas ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001, chega ao fim da forma que a conhecemos em 2020, após a assinatura do acordo de paz entre os EUA e o Talebã em 29 de fevereiro deste ano. Conforme será explanado em artigo futuro, os EUA não vão abandonar o Oriente Médio, mas sua presença diminuirá drasticamente.

O provável fim da GWOT no momento em que o orçamento do DoD, embora ainda gigantesco, começa a sofrer sucessivos cortes e reduções em seus programas, os quais podem diminuir nos próximos anos - inclusive, a barreira na fronteira entre EUA e México sugou 3,8 bilhões de dólares destinados ao orçamento militar, sem aviso prévio, o que levou o DoD a reavaliar e reestruturar vários de seus programas e objetivos.

Ao mesmo tempo em que o orçamento militar enfrenta restrições, o USMC começa a revisar, profundamente, seu CONOPS (conceito de operações, que inclui doutrina e estratégia), o que certamente causará mudanças na ORBAT (ordem de batalha, ou seja, os meios com os quais o CONOPS deve ser cumprido), a US Navy estuda mudanças na doutrina de emprego dos seus Navios Aeródromos, e talvez até opte pelo emprego de “lightning carriers” (“NAe leves” para o padrão dos EUA), mais próximos do USS América (LHA 6), deslocando suas 45 mil t, ao invés dos “super carriers”.

O USS America (LHA-6), é um porta-helicópteros de assalto anfíbio de alta capacidade, o primeiro da Classe América. Note que, além dos helicópteros AH-1Z Viper e tilt rotors MV-22B Osprey, ele também opera aeronaves STOVL, F-35B Lightning II

Com o Oriente Médio, e as guerras assimétricas, assumindo uma importância mais baixa na lista de prioridades do DoD, o próximo alvo é bem evidente para todos, a China. Com crescimento do poder chinês nas esferas geopolítica, econômica e militar, em nível qualitativo e quantitativo, já preocupa os EUA faz algum tempo, e com as dificuldades econômicas recentes, o DoD tem um grande desafio, como enfrentar uma China cujo poder não para de crescer com um orçamento cada vez mais restrito?

O DoN, em particular, tem sido criticado pelos enormes custos (e atrasos) dos novos NAe da Classe Gerald Ford, além de outros projetos muito caros que não tem apresentado resultados práticos, como o bilionário programa da classe Zumwalt. Outro fato que foi duramente criticado é que os NAe da Classe Gerald Ford, ainda não estão prontos para operar com F-35C. O fato de metade dos “super carriers” estarem nos estaleiros, simultaneamente, para reparos, também levantou críticas. Finalmente, as ondas de cortes de gastos acabaram por comprometer os planos para os novos destroyers da US Navy, inclusive com cancelamento da extensão na vida útil dos meios atualmente em serviço.


NOVOS CAMINHOS PARA O DoN?

Um dos principais pontos das críticas do DoD, com o Secretário da Defesa, Mark Esper, anunciando publicamente a revisão dos planos do DoN, é que os NAe são um alvo atraente demais, pois concentram, numa única embarcação, 4900 tripulantes e 90 aeronaves. Junte-se isso ao desejo do DoD que o DoN possua 355 belonaves de linha de frente, e os planos de reestruturação do USMC, chega-se a algumas conclusões principais:

  1. Os dias de monstros como o Gerald Ford estão contados
  2. “NAe leve” como o LHA 6 ou, mais realisticamente, como o HMS Queen Elizabeth (65 mil toneladas), deverão ser o foco do DoN
  3. A “distância” entre USMC e a US Navy, com cada um adquirindo meios diferentes, cumprindo missões distintas, deve reduzir cada vez mais, o que deve gerar economias de escala

Chama a atenção que, pelos planos, o USMC deverá de certa forma, emular as “ilhas artificiais chinesas”. As forças do DoN e USAF deverão se espalhar por várias bases relativamente pequenas, permitindo que um força naval baseada em “NAe leve” cumpra boa parte das funções que hoje são cumpridas por “super carriers”.

Além da mudança na doutrina de emprego dos meios mais pesados, o USMC deve mudar bastante sua forma tática de operar, inclusive cancelando pedidos dos seus tradicionais navios anfíbios, vistos hoje como vulneráveis demais em regiões contestadas. Nas palavras de Chris Brose, ex-diretor do Comitê das Forças Armadas do Senado, “tem sangue de vacas sagradas em cada página do documento”.

Claro que, além da inércia institucional, há muito trabalho pela frente. Um exemplo é a dificuldade de navios da classe USS Wasp em lidar com o ruído e outros impactos operacionais dos F-35B. Outro ponto é o constante atraso na entrada em serviço do F-35C, e do futuro caça da US Navy, que talvez nem venha a ser operado a partir de NAe, o que faz bastante sentido ao se pensar nas “bases dispersas” do USMC.

O uso de UCAV (“drones de combate”) deve se intensificar cada vez mais, conforme explanaremos no artigo que se seguirá a esse, tornando as “bases dispersas” ainda mais interessantes, e diminuindo a necessidade de “super carriers”. Isso não impediu a US Navy de iniciar estudos visando um novo caça e de investir metade de seus 380 bilhões de dólares dos próximos 30 anos em novos caças.


CONCLUSÃO

Ao que tudo indica, os “Lightning Carrier Groups” tem grandes chances de assumir boa parte das funções atualmente cumpridas pelos monstruosos “super carrier groups”

Com isso, podemos esperar que o DoN no futuro tenha uma doutrina de emprego bastante diferente da que faz uso atualmente. Resta-nos saber como os potenciais inimigos, como China e Rússia, vão reagir e isso.


Por Renato Marçal


Referências:


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