Na manhã desta segunda-feira (8), me chamou atenção um artigo publicado no site Defense News, o qual estava intitulado "China pode perder 95% dos mísseis balísticos de cruzeiro sob pacto de controle estratégico de armas, diz nova análise", o qual traz uma análise sobre um hipotético tratado entre China e EUA, tendo como objeto as capacidades de dissuasão.
Segundo a análise publicada no referido site, tal tratado poderia levar a China a perder quase todo seu arsenal de mísseis balísticos e de cruzeiro, conforme essa avaliação, o que ao meu ver torna inviável qualquer chance de se tornar real um novo tratado estratégico de controle de armas.
A análise sob a qual se debruça o artigo, é intitulada "O fim do Tratado das Forças Nucleares de Alcance Intermediário: Implicações para a Ásia", é um dos capítulos da avaliação anual de segurança regional da Ásia-Pacífico publicada pelo think tank do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos. O relatório do IISS foi divulgado no último dia 5 de junho e aborda tópicos de segurança regional, como relações sino-americanas, Coreia do Norte e política japonesa.
De acordo com as informações dispostas na análise publicada, caso a China assinasse um tratado nos moldes do Tratado das Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF) assinado entre EUA e União Soviética nos anos 80, poderia perder 95% de seu arsenal de mísseis balísticos e de cruzeiro, de acordo com os co-autores do capítulo Douglas Barrie, um membro sênior focado no poder aéreo militar; Michael Elleman, diretor do Programa de Não Proliferação e Política Nuclear; e Meia Nouwens, pesquisador focado na política de defesa chinesa e na modernização militar.
Gorbachev e Reagan assinaram em 1987 o Tratado INF |
O tratado firmado entre os Estados Unidos e a União Soviética em 1987, proibiu todos os sistemas de mísseis balísticos e de cruzeiro lançados no solo com alcance entre 500 e 5.500 quilômetros (310 a 3.420 milhas). Os EUA se retirou do Tratado INF que era mantido junto a Rússia, herdeira do poderio soviético, em agosto de 2019, alegando violações russas do acordo, como desenvolvimento e a implantação do míssil 9M279, embora tal violação seja negada pela Rússia, que aponta que o alcance do míssil não viola as restrições de alcance previstas no INF.
O desenvolvimento do míssil de cruzeiro 9M279 pela Rússia é a justificativa dos EUA para ter abandonado o INF |
Porém, conforme já sugerimos em alguns debates acerca da saída norte-americana do Tratado INF, nossa posição é confirmada pelo relatório do IISS, o qual na mesma linha de análise que o GBN Defense tem apresentado, a decisão dos EUA de abandonar o Tratado, tem mais haver com o aumento das capacidades chinesa na faixa de alcance que o INF limita as capacidades de proliferação do arsenal norte-americano, o que claramente coloca os EUA em uma posição bastante incomoda e estrategicamente desvantajosa, com a China sendo detentora do maior estoque mundial de mísseis balísticos de curto e médio alcance. Os números do IISS estimam que a China possui mais de 2.200 mísseis que estariam sujeitos às restrições do Tratado INF.
Esses mísseis de curto e médio alcance são importantes na política chinesa de manter pressão sobre Taiwan, que é vista como uma província "rebelde" pelo governo chinês. Tal arsenal apesar de ser descrito como dissuasório com fins defensivos, apresenta grande potencial ofensivo, o que coloca a China numa posição vantajosa no cenário regional. O alcance dessas armas, influência diretamente no equilíbrio de forças na Ásia, além de representar uma grande ameaça aos interesses dos EUA na região, vendo sua hegemonia ameaçada pelo avanço chinês.
Por sua vez, Washington não assiste de braços cruzados o avanço chinês que começa a confrontar a posição hegemônica dos EUA na região da Ásia-Pacífico. Como resposta aos intentos chineses, os EUA já começaram o desenvolvimento e testes com mísseis que possuem alcance e características antes proibidos pelo tratado INF, os quais devem ser implantados na região em resposta ao avanço chinês, sendo uma forma reequilibrar o tabuleiro geoestratégico na Ásia-Pacífico.
O relatório divulgado ainda alerta que há um risco duplo de enviar essas armas para a Ásia-Pacífico. A principal delas é aumentar as tensões com a China, elevando as preocupações chinesas com relação aos objetivos de se implantar tais mísseis na região, sendo encarados como uma postura agressiva, uma vez que são interpretados como sendo posicionados contra a China, aumentando o potencial de uma resposta da China que possa levar a um "ciclo de ação-reação no desenvolvimento e implantação de novas armas" e um contínuo aumento na instabilidade regional.
Os EUA tem que avaliar outro importante ponto, onde seria implantado tais armas, uma vez que o apoio de parceiros regionais a iniciativa, cedendo seu território para implantação do sistema de mísseis dos EUA, resultaria em uma reposta política e econômica de Pequim, a qual poderia trazer grande prejuízo á economia do país, além de tornar o mesmo um potencial alvo diante de uma remota e hipotética resposta militar chinesa no caso de uma crise ou conflito futuro com os EUA, cenário muito remoto e descartado por muitos especialistas e análises, inclusive a nossa. Quanto ao território norte-americano de Guam, os mísseis teriam limitada utilidade devido às distâncias envolvidas.
O relatório do IISS também levantou questões sobre se a posição adotada pelos EUA de desenvolver e implantar armas anteriormente proibidas pelo Tratado INF levarão ou não a China à mesa de negociação para se estabelecer um tratado de controle de armas. No entanto, acredito que a China dificilmente se voltaria para possibilidade de assinar qualquer acordo ou tratado que venha a frear seu avanço na disputa pela hegemonia regional, e os intentos de posicionar o país como um player que possa contestar de igual para igual a posição norte americana no cenário mundial.
Por Angelo Nicolaci - A análise aqui publicada conta com informações e dados fornecidos pelo site Defense News, os quais se mostram dentro do escopo das análises e estudos realizadas ao longo de anos de trabalho e pesquisa à frente do GBN Defense no que se refere ao cenário que se desenvolve na Ásia-Pacífico.
GBN Defense - A informação começa aqui
0 comentários:
Postar um comentário