Uma das mais icônicas aeronaves que atuaram durante a Operação Tempestade no Deserto, também conhecida como Guerra do Golfo, nos idos de 1991, o Fairchild A-10 Thunderbolt II, apelidado pelos pilotos e soldados aos quais ele presta CAS (apoio aéreo aproximado) como Warthog (‘javali’), Hog ou Hawg (ambas sinônimos de ‘porco selvagem’), a referência aos suínos selvagens se deve tanto a blindagem da aeronave, comparativa ao ‘couro duro’ do animal, quanto aos seus ‘dentes afiados’, com poderoso canhão GAU-8/A Avenger, cujos efeitos espetaculares se tornaram sinônimos daquele robusto avião.
Por mais robustos e bem construídos que sejam os A-10, e apesar dos diversos esforços de modernização, uma verdade é inescapável, está próximo o dia que ele terá que sair do serviço ativo, e esse dia se aproxima cada vez mais. Isso levanta alguns questionamentos, e o objetivo deste artigo é analisar algumas possíveis respostas a essas questões.
Mas antes das perguntas e análises, vamos traçar um breve histórico do A-10, que nos situará em relação a suas vantagens e limitações.
PROGRAMA A-X
Durante a Guerra Fria, um
dos maiores temores da OTAN era a ‘falha de Fulda’, referindo-se a uma região
da então Alemanha Ocidental, por onde se esperava que o Pacto de Varsóvia pudesse
atacar com suas intermináveis hordas de ‘tanques’ (carros de combate). Entre os
vários programas militares destinados a resolver esse problema, estava o
Programa A-X, que correu entre 1966 e 1973 e visava a concepção de uma aeronave
‘caça tanques’ para a USAF, cujas principais características deveriam ser:
● Simplicidade
tecnológica, tanto para reduzir os custos como para evitar que suas capacidades
fossem degradadas por sistemas EW (guerra eletrônica) do inimigo.
● Baixa
velocidade com grande agilidade, para que pudesse atacar alvos adquiridos
visualmente durante o dia (houve críticas quanto esta característica, pois as
condições climáticas da Europa frequentemente dificultam ou impedem a detecção
visual dos alvos).
● Elevada
robustez e resistência a danos por armas leves, incluindo o uso de blindagem,
pois se esperava que fosse atingido por fogo inimigo (consequência da baixa
velocidade).
● Suas
armas principais seriam um poderoso canhão e o então revolucionário ATGM
(míssil guiado anti-tanque) do tipo ‘fire and forget’ (‘dispare e esqueça’, ou
seja, capaz de se guiar até o alvo sem precisar de auxílio externo) AGM-65
Maverick.
O vencedor do Programa A-X foi a Fairchild com sua aeronave designada A-10, cujo primeiro voo ocorreu em 10 de maio de 1972. Poucos meses depois, o míssil “Maverick” estreou com a USAF no Vietnã ainda em 1972, e também foi utilizado por Israel na Guerra do Yom Kippur em 1973, obtendo excelentes resultados, com 84 dos 99 mísseis lançados atingindo seus alvos, alcançando uma taxa de sucesso de 85%, impressionante até mesmo para os padrões modernos.
O canhão GAU-8 Avenger é o mais poderoso canhão jamais montado em uma aeronave |
CENÁRIO COMPLEXO
A Guerra do Yom Kippur revelou novos e terríveis inimigos, os quais não eram conhecidos durante o desenvolvimento do Programa A-X, sendo os “novos” sistemas VSHORAD (defesa antiáerea de ponto) soviéticos do tipo FLAK (AAA, artilharia antiaérea) ZSU-23-4 Shilka e os sistemas de misseis superfície-ar (SAM) portáteis tipo MANPADS como SA-7 Grail e os montados em veículos SA-9 Gaskin. O Shilka e o Gaskin eram sistemas feitos para o nível de Regimento, e o Grail para o nível de Batalhão, o que significava que a probabilidade de se deparar com algum destes sistemas era muito elevada. Essas três armas foram responsáveis por muitas baixas da IAF (Força Aérea Israelense) naquele conflito.
Três outras novas armas se juntariam a essas três, os novos sistemas SAM móveis SA-8 Gecko e SA-6 Gainful, e o caça tático MiG-23 Flogger. Todas estas ameaças estavam em serviço, e em grandes números, antes mesmo que o A-10 fosse declarado operacional em 1977.
Essas ameaças colocavam o
A-10 sob riscos para os quais ele não fora projetado, mas esperava-se que novos
desenvolvimentos da USAF continuariam a assegurar sua eficiência em combate.
Durante os testes, a blindagem, canhão e mísseis do A-10 funcionaram melhor que
o previsto, e suas características de voo o tornavam bastante adequado para
missões FAC (observador aéreo avançado), e os A-10 destinados a tais missões
eram designados OA-10; apesar da diferente denominação, era a mesma aeronave.
A GUERRA DO GOLFO SUSCITA QUESTÕES DIFÍCEIS
A Guerra do Golfo parecia ter sido feita para o A-10 pelas suas características: terreno aberto, excelentes condições climáticas e de visibilidade, inimigo com várias centenas de tanques e outros veículos, e que combatia quase que exclusivamente durante o dia.
Entretanto e ironicamente, o conflito revelou deficiências graves no A-10. Dois questionamentos de seus críticos, já anteriores ao conflito, foram ressaltados, e dolorosamente respondidos:
1) O A-10 é realmente tão
eficiente quanto parece ser?
2) O GAU-8 Avenger é tão
letal como pretendia ser?
Vamos às análises.
1) O A-10 é realmente tão eficiente quanto parece ser?
Embora o A-10 tenha muitos, admiradores, inclusive este articulista, a resposta a esta pergunta é não. E a fonte para tal afirmação, por irônico que possa parecer, são os dados estatísticos da própria USAF, referentes à Guerra do Golfo.
Após a Guerra do Golfo, a USAF publicou as informações concernentes ao conflito numa série de documentos de domínio público, o Gulf War Air Power Survey [1]. Vamos chamar especial atenção ao Volume V, um livro de quase 1.000 páginas que contém informações estatísticas sobre o poder aéreo naquele conflito. A Coalizão voou o impressionante total de 118.661 missões naquele conflito (Volume V, Tabela 81, páginas 316-317).
O A-10 apresentou enormes perdas entre as aeronaves da USAF, conforme demonstrado na Tabela 1 a seguir, compilada a partir das informações constantes no Volume V, Tabela 205, página 651. Seis A-10 foram perdidos para SAM com guiagem por IR (infravermelhos): Sendo um para SA-7 Grail e os demais para o SA-9 Gaskin ou sua versão melhorada SA-13 Gopher.
Tabela 1. Perdas por tipo de
aeronave da USAF na Tempestade do Deserto. Danos/1k: danos graves por 1000
missões. Perdas/1k: perdas por 1000 missões.
|
|
DANOS |
PERDAS |
||
Tipo |
Ataques |
Danificadas |
Danos/1k |
Perdidas |
Perdas/1k |
A-10 |
7.983 |
13 |
1,6 |
4 |
0,5 |
AC-130 |
101 |
1 |
9,9 |
1 |
9,9 |
B-52G |
1.741 |
5 |
2,9 |
0 |
0,0 |
EF-111 |
1.105 |
0 |
0,0 |
1 |
0,9 |
F-111F |
2.420 |
3 |
1,2 |
0 |
0,0 |
F-15C |
5.674 |
1 |
0,2 |
0 |
0,0 |
F-15E |
2.142 |
0 |
0,0 |
2 |
0,9 |
F-16 |
13.066 |
4 |
0,3 |
3 |
0,2 |
F-4G |
2.678 |
0 |
0,0 |
1 |
0,1 |
OA-10 |
657 |
1 |
1,5 |
2 |
3,0 |
TOTAL |
37.567 |
28 |
0,7 |
14 |
0,4 |
Note-se que a USAF separou as perdas dos 165 A-10 e 67 OA-10; somando-as, temos os seguintes números:
● Surtidas:
8.640 (6.365 BAI, 1.698 CAS, 455 OCA, 226 outras)
● Danos:
14
● Danos/1k:
1,6
● Perdas:
6
● Perdas/1k: 0,7
Apesar de voar apenas 23% das surtidas da USAF, os A-10 formaram metade das aeronaves danificadas (14 de 28) e quase metade das aeronaves abatidas (6 de 14) da USAF. As taxas de danos e perdas do A-10 foram, respectivamente, 2,3 vezes e 1,8 vezes maiores, que do geral da USAF. Dos 144 A-10, quase metade (70 aeronaves) sofreram algum tipo de dano em combate. Ou seja, 48,6% das aeronaves foram danificadas, 9,7% sofreram danos graves e 4,2% foram perdidas.
Em contraste, dos 212 F-16 tiveram apenas 1,89% foram gravemente danificados e 1,42% perdidos. Os 66 F-111F tiveram apenas 4,69% de danos graves e 0% de perdas.
Tais taxas de perdas levaram a USAF rapidamente a deslocar os A-10 para regiões menos “quentes” do conflito. Em tais áreas, apesar de menos expostos a perigos, muitos A-10 ainda foram danificados ou perdidos. Atribui-se tal vulnerabilidade, principalmente, ao baixo desempenho (velocidade e aceleração) da aeronave, que a deixava exposta ao fogo inimigo por um tempo demasiadamente longo. Embora o A-10 seja uma aeronave extremamente robusta, não é capaz de resistir aos danos causados por determinadas armas.
Outro ponto são os ‘milhares’ de alvos atingidos pelos A-10. Os relatórios de missão, de fato, apontavam para cerca de 4.200 alvos atingidos pelos A-10, cerca de mil dos quais eram tanques. Mas observações posteriores indicaram que:
A) Boa parte dos alvos foi atingida mais de uma vez, ou seja muitos dos acertos foram contra carcaças.
B) boa parte dos acertos foram contra decoys (‘iscas’). Com isso, a participação efetiva do A-10 foi muito menor que o esperado em um conflito que parecia feito sob medida para ele, e a conta foi reduzida a um terço dos valores originais, ou seja, cerca de 1.400 alvos para 8 mil missões (0,17 alvos / surtida).
Outras aeronaves, como o
F-111F, foram consideravelmente mais eficientes. Apesar das 66 aeronaves terem
feito menos de um terço das missões
que os A-10, os F-111F foram responsáveis pela destruição de aproximadamente
1.500 alvos táticos, principalmente com uso das LGB (bombas guiadas a laser)
com orientação SAL (laser semi ativo) GBU-12 Paveway, bombas de 500 libras
(cerca de 250 kg) designadas pelo LST (marcador de alvos por laser) do LDP (pod
de designação de alvos por laser) Pave Tack. Mas ao contrário dos A-10, os
F-111F tinham aviônicos bastante modernos, inclusive o Pave Tack, que dispunha
de recursos para gravação dos ataques. Metade dos 1.500 alvos aparentemente
destruídos foram validados, ou seja, cerca de 750 alvos em 2,4 mil missões
(0,31 alvos / surtida), resultados muito melhores que os A-10. Tudo isso ao
custo de apenas 3 aeronaves danificadas e ZERO perdidas.
GBU-12 sob a asa de um F-111F. Os F-111 geralmente levavam 4 LGB
Por essas métricas, as conclusões são duas:
● Os
A-10 tiveram perdas consideravelmente mais elevadas que praticamente todas as
demais aeronaves da Coalizão.
● Os
A-10 destruíram relativamente poucos alvos em relação a perdas e à quantidade
de aeronaves empregadas.
Ou seja, uma das principais características do A-10, sua robustez, não evitou que sofresse baixas elevadas.
O custo de manutenção do A-10, em termos de US$/hora de voo, já foi um dos menores da USAF, mas hoje não é mais assim. Embora seja difícil estimar tais valores, tudo indica que esteja situado em torno de 6-12 mil dólares a hora voada, aproximadamente o mesmo que um F-16, que tem desempenho bastante superior.
E quanto à segunda de suas
principais características, o canhão?
2) O GAU-8 Avenger é tão letal como pretendia ser?
Mesmo antes da Guerra do Golfo, as críticas ao baixo desempenho do A-10 eram frequentes. Houve várias tentativas de substituir o A-10, primeiramente por uma versão avançada do A-7 Corsair (A-7F Strikefighter) e depois pelos F-16 (A-16, F/A-16), inclusive com POD GPU-5/A Pave Claw, que continha o canhão GAU-13, uma versão reduzida do GAU-8 com apenas 4 canos e 353 munições (ao invés dos 7 canos e 1.174 munições do A-10). Alguns F/A-16, inclusive foram enviados para a Guerra do Golfo, mas após algumas missões os pilotos perceberam que o GPU-5 não era eficiente, e não voaram mais com o POD. Entretanto, os F/A-16 demonstraram a viabilidade de sistemas óticos avançados, cobrindo todos os ângulos da aeronave. Os resultados dos testes foram depois usados nos projetos do EOTS e do DAS do F-35. Falaremos disso mais tarde.
Quatro dos 'A-16' durante testes
Tudo indicava que o GAU-8 era realmente insubstituível. Mas o próprio A-10 demonstrou que não era bem assim. Dos cerca de 5.100 mísseis Maverick disparados no Golfo, o A-10 foi responsável pelo disparo de 4.800 (90%). E embora os A-10 também tenham disparado quase 1 milhão de munições de 30 mm, há pouca certeza de quantos alvos foram de fato destruídos pelo Avenger. O A-10 disparou também cerca de 20 mil bombas ‘burras’ e cerca de 7,7 mil bombas cluster (das quais falaremos novamente mais tarde). Ou seja, cerca de 15% das armas lançadas eram PGM, aproximadamente o dobro do geral do conflito (em torno de 7,4%).
A-10 disparando um AGM-65 Maverick
Ademais, com o “Avenger”, o A-10 tinha que se aproximar demais dos alvos, ficando perigosamente dentro do alcance letal dos VSHORAD iraquianos. Soma-se tal proximidade com as baixas velocidade e aceleração do A-10 e pode-se deduzir que boa parte das perdas e danos em combate do A-10 ocorreram durante ataques empregando o GAU-8.
Como os A-10 quase não tinham sistemas como LDP, eles só conseguiam atacar alvos com os AGM-65 a uma distância de aproximadamente 3,5 km a até 5,5 km (guiados por TV) ou 10 km (guiados por IR), consideravelmente menos que os 24 km de alcance efetivo do míssil.
Junte-se isso à maior efetividade do combo F-111/Pave Tack/GBU-12 frente ao A-10, e a conclusão foi que, apesar de terem sido menos de 10% do total de munições usadas no Golfo, as PGM eram a escolha do futuro, por diversos fatores, os quais trataremos mais adiante.
Essa tendência foi confirmada em conflitos subsequentes, como na Operação Força Aliada de 1999 (missões contra a Sérvia), as PGM foram aproximadamente 30% do total de munições usadas, total que subiu para quase 100% durante a Operação Compromisso Inerente (missões contra o Estado Islâmico) que começou em 2014.
Isso nos leva ao próximo
tópico.
A REVOLUÇÃO DAS PGM
“Mesmo pequenos grupos de combatentes, como um punhado de tropas inimigas que ocupam uma posição de morteiro, podem eventualmente ser considerados dignos de uma PGM em algumas circunstâncias.”
A frase acima, constante no documento [7], está cada vez mais próxima não apenas da realidade da USAF, mas também da IAF e outras Forças Aéreas modernas.
Embora as PGM tenham sido usadas em massa pela primeira vez já na Segunda Guerra Mundial, seus resultados começaram a ser decisivos apenas a partir da Guerra do Vietnã, atingindo grande notoriedade ante o público geral na Guerra do Golfo.
A principal arma do A-10 acabou sendo não o “Avenger”, mas o “Maverick”. Mas ao contrário do “Avenger”, o “Maverick” pode e tem sido usado a partir de outras aeronaves, com excelentes resultados.
Com as mudanças políticas Pós-Guerra Fria, o controle de vítimas colaterais ganhou enorme importância, bem como a limitação de baixas, ou, como bem explicado na referência [8]: “Em um conflito de alta intensidade, as PGM atenuam os riscos estratégicos no terreno; em um conflito de alta intensidade, as PGM atenuam os riscos estratégicos no ar”.
A evolução tecnológica das últimas décadas, juntamente com os excelentes resultados de tecnologias hoje consideradas banais como GNSS e drones, levou a uma revolução em termos de PGM. Falaremos detalhadamente sobre drones e PGM em outros artigos, mas vamos comentar sobre alguns aspectos do tema a seguir.
Tabela 2. Missões e munições para assegurar a destruição de um alvo do tamanho de um hangar.
|
Aeronaves |
Orientação |
Surtidas |
Munições |
Toneladas |
Alvos |
Segunda
Guerra, 1944 |
B-17 |
Não |
1000 |
9000 |
1000 |
1 |
Guerra
do Vietnã, 1970 |
F-4 |
Não |
30 |
176 |
40 |
1 |
Guerra
do Golfo, 1991 |
F-117 |
Laser |
1 |
2 |
2 |
1 |
Guerra
do Iraque, 2003 |
B-2 |
EGI |
1 |
16 |
16 |
16 |
Atualmente |
F-15E |
EGI
+ outros |
1 |
20 |
3 |
10 |
Embora o B-2 seja uma exclusividade dos EUA, até mesmo uma aeronave leve como o Gripen pode facilmente transportar várias PGM.
Um exemplo é a GBU-39 SDB (bomba de pequeno diâmetro), que pode ser carregada em ‘quad packs’ (pacotes de 4 armas). A SDB é derivada das JDAM (munição conjunta de ataque direto); ambas são guiadas por EGI (navegação inercial melhorada por GPS). A SDB foi especificamente desenhada para ser compatível com os pequenos espaços do paiol de armas do F-22. Ela tem 180 mm de diâmetro, 1,8 m de comprimento e peso de 113 kg; a GBU-12, que era a menor LGB da família Paveway usadas na Guerra do Golfo, tem 270 mm de diâmetro, 3,3 m de comprimento e 277 kg de peso.
O Gripen com dois ‘quad packs’ ao lado dos Meteor, mais dois mísseis IRIS-T nas pontas das asas e um LDP Litening |
A GBU-53 SDB2 Stormbreaker,
tem dimensões e pesos parecidos com a SDB. Para orientação, além de EGI, tem um
sensor triplo (combinando SAL, IIR e radar milimétrico), e ao contrário das
JDAM e SDB, pode ser usada contra alvos móveis.
Raytheon GBU-53 SDB2 ‘Stormbreaker’ |
A SPEAR 3 é um míssil
britânico de médio alcance com dimensões e pesos parecidos com as SDB, e podem
ser disparados dos mesmos 'quad packs'; ainda está em desenvolvimento. O
alcance cinemático do SPEAR 3 deve ser superior a 140 km.
Outras armas podem ser carregadas em quantidades ainda maiores. Isso significa que mesmo um pequeno esquadrão de aeronaves táticas, ou até mesmo drones, pode atacar dezenas de alvos. [11]
E aqui está uma das principais explicações para o sucesso do F-111 - mais de 80% das missões foram efetuadas com PGM.
Por fim, o uso de armas como
a Stormbreaker permite que aeronaves furtivas tenham considerável poder de fogo
sem ter que usar armas externamente - o F-35 pode facilmente transportar 8
bombas no seu paiol interno.
Concepção
artística do F-35 demonstrando que um par de 'quad packs' de SPEAR 3 podem ser
transportados no paiol interno de armas, sem prejudicar a capacidade de levar
um par de mísseis AMRAAM ou Meteor
A IMPORTÂNCIA DA FURTIVIDADE
Nenhuma aeronave teve maior impacto na Guerra do Golfo que os F-117, a primeira aeronave VLO (stealth, ‘furtiva’) a ser usada em combate.
Os EUA enviaram uma pequena frota de 42 F-117, que realizaram 1.296 surtidas, ou 2,4% do total, contra 1.777 alvos (ou seja, média de 1,37 alvos por surtida). Apesar de poucos, foram responsáveis pela destruição de 40% dos alvos estratégicos. [1,6,12,13]
Com a evolução das defesas aéreas, a furtividade tornou-se cada vez mais importante, especialmente contra inimigos de alto nível.
O F-35 combina furtividade, velocidade supersônica, grande aceleração, alcance elevado e um conjunto de sensores excepcionalmente avançados. Deverá ser o caça numericamente mais importante dos EUA e muitos aliados.
Voltaremos a esse tópico mais adiante.
DRONES & OUTRAS AERONAVES LEVES
Embora o primeiro uso em larga escala de ‘drones’ (mais tecnicamente UAV ou ARP) tenha ocorrido na Guerra do Vietnã, foi depois do 911 (ataques ao World Trade Center em 11/09/2001) e a subsequente GWOT (guerra mundial contra o terrorismo) que os drones, especialmente os ‘drones de combate’ (mais tecnicamente UCAV) ganharam notoriedade na mídia e importância crescente no campo de batalha. Falaremos disso em mais detalhes em outro artigo, mas por hora vamos comentar algumas coisas sobre o assunto.
As aeronaves táticas foram muito beneficiadas com a ‘revolução’ das PGM, mas foi a ‘onda’ dos UCAV que impulsionou outra revolução, a das ‘mini PGM’, cujo primeiro exemplar também alcançou destaque na Guerra do Golfo, o AGM-114 Hellfire, que foi disparado, principalmente, a partir dos AH-64 Apache.
O Hellfire surgiu na década de 1970 como um substituto do BGM-71 TOW. Inicialmente, a ideia era substituir o TOW com sua guiagem MITL (homem no comando) por uma guiagem ‘fire and forget’. Entretanto, dificuldades técnicas obrigaram a que fosse usado um sistema SAL, de modo similar às LGB Paveway.
Quando os EUA procuravam amas para seus UCAV, até mesmo as GBU-12 se mostraram grandes e pesadas demais. A solução foi o Hellfire, que tem as mesmas dimensões da SDB (180 mm de diâmetro, 1,8 m de comprimento) mas apenas ¼ do peso (45 kg). Mesmo o MQ-1 Predator, que não conseguia levar a GBU-12, era capaz de levar 2 Hellfire. Drones posteriores levam ainda mais.
As ‘mini PGM’ não estão restritas a drones; aeronaves táticas também podem se beneficiar do seu pequeno peso e tamanho, aumentando assim seu poder de fogo.
Até mesmo aeronaves bastante leves, como o nosso querido Super Tucano, podem lançar PGM, uma combinação que era impensável na época em que o A-10 foi projetado.
Super Tucano lançando uma GBU-12 durante testes |
Outra vantagem de drones e aeronaves leves como o Super Tucano está no baixo custo de hora de voo. Estima-se que tais aeronaves tenham um custo entre 1-2 mil dólares a hora voada, ou seja, potencialmente até 10x mais baratos que o A-10, tornando-os muito atraentes para uso em ambientes com ameaças pouco sofisticadas, como as operações antiterrorismo.
Embora tais missões pareçam
pouco importantes, boa parte das missões de combate da USAF nos últimos 20 anos
foi contra tais inimigos.
VERSATILIDADE
O A-10 foi desenhado como uma aeronave especializada em CAS. Mas quase ao mesmo tempo que ele, surgiu uma nova geração de aeronaves, os ‘Teen Fighters’ (F-14, F-15, F-16 e F-18), com excelente capacidade multifuncional, ou seja, são altamente eficientes para realizar tanto missões ar-ar, como ar-superfície, ao contrário das aeronaves mais antigas, que eram limitadas a uma das arenas. Após os ‘Teen Fighters’, surgiram também os ‘Eurocanards’ (Gripen, Rafale, Eurofighter), que também são excelentes aeronaves multifuncionais.
Exemplos da importância de tal necessidade ocorreu também na Guerra do Golfo. Na primeira noite do conflito, 17 de janeiro de 1991, uma ala de F-18 Hornet seguiam em uma missão de ataque, carregados com quatro bombas Mk 84 (bombas não guiadas de 907 kg), quando foram alertados da aproximação de um elemento (duas aeronaves) composto por aeronaves MiG-21. Na Guerra do Vietnã, tal situação resultaria nos atacantes ejetando suas bombas, o que efetivamente resultaria em ‘mission kill’, ou seja, a missão de ataque seria abortada. Entretanto, o F-18 é um caça verdadeiramente multifuncional, e com o simples ativar de uma chave os pilotos preparam seus caças para o combate aéreo. Poucos segundos depois, os dois MiGs foram abatidos, e os F-18 voltaram novamente ao modo ar-superfície, cumprindo com sucesso sua missão de ataque. Naquela mesma noite, um F-18 foi abatido por um MiG-25. Isso mostra que, apesar do amplo domínio americano em guerra eletrônica e aeronaves de vigilância e caça, aeronaves de ataque ainda podem precisar engajar caças inimigos.
Os países desenvolvidos estão com problemas em termos de efetivos, tanto de pessoal como de aeronaves de combate, o que exige que cada aeronave seja capaz de executar muitas funções. É quase certo que o sucessor do A-10, pelo menos em teatros de alta intensidade, será uma aeronave multifuncional, o que é outro modo de dizer que o A-10 provavelmente será a última aeronave tática projetada para uma missão especializada de ataque.
QUAL SERÁ O SUBSTITUTO DO A-10?
E agora, finalmente, chegamos à pergunta que dá nome a este artigo.
Ao longo do texto, vimos
algumas coisas…
● Embora o A-10 seja robusto, ele não consegue sobreviver em um ambiente de alta intensidade.
- Embora o GAU-8 Avenger seja impressionante, as PGM, especialmente ‘mini PGM’, podem ser usadas nas mesmas situações e com eficiência equivalente ou até superior.
● É importante ser stealth em ambientes de alta intensidade.
- Drones ou aeronaves leves podem realizar muitas de suas missões a um custo consideravelmente menor.
● Aeronaves
especializadas são uma espécie extinta.
Desta forma, embora ainda não seja possível afirmar qual aeronave vai substituir o A-10, é quase certo dizer que terá pouco ou nada em comum com o Hawg, e certamente não terá um canhão como o “Avenger”.
O advento das PGM, e especialmente das 'mini PGM', permite que uma única aeronave tão pequena como o Super Tucano ou o Reaper, tenham poder de fogo e capacidade de atacar tantos alvos que, apenas há 30 anos atrás, exigiriam 2 F-111, ou até mais.
Ademais, enquanto um Super Tucano seja vulnerável demais para uso em conflitos de alta intensidade, o F-35 foi desenhado para combater em tais ambientes. E quando a capacidade stealth não for mais essencial, o F-35 pode carregar uma enorme carga de armas a longas distâncias, a velocidades e altitudes impensáveis para o A-10.
A situação é tão ampla que a própria USAF ainda não se decidiu totalmente. Um programa de testes que poderiam colocar o Super Tucano como substituto do A-10 em determinadas missões, foi cancelado sem escolher nenhuma aeronave, e ainda não foi dado início ao programa que deve enfim definir tal substituto.
De modo geral, o substituto deverá ser o F-35, mas tudo indica que a USAF deverá escolher outra aeronave para missões em ambientes de menor intensidade e ameaças menos complexas.
GLOSSÁRIO
AAA - artilharia antiaérea. O mesmo que flak. Refere-se a armas de tubo
(canhões, metralhadoras) utilizadas contra aeronaves.
ARP - aeronave remotamente pilotada (nomenclatura brasileira). O mesmo que
UAV.
ATGM - míssil guiado anti-tanque. Refere-se a PGM cuja alvo principal é o
MBT.
BAI - interdição aérea do campo de batalha. Refere-se a ataques contra
elementos em solo do poder terrestre do inimigo sem que estejam em contato
(combate direto) com tropas aliadas.
CAS - apoio aéreo próximo. Refere-se a ataques contra elementos em solo do
poder terrestre do inimigo que estejam em contato (combate direto) com tropas
aliadas.
CC - carro de combate (nomenclatura brasileira). Geralmente conhecido como
‘tanque’
EGI - INS melhorado com GPS. Base dos sistemas de navegação e guiagem que
se utilizam de GPS para melhorar a
eficiência do INS, combinação essa que é mais barata e robusta que um INS com precisão equivalente.
EOTS - sistema de pontaria eletro-óptico. Sistema interno do F-35 que
combina IRST e LST.
EW - guerra eletrônica. Refere-se a ações que visem degradar a eficiência
dos sistemas eletrônicos do inimigo, inclusive sistemas de guiagem de PGM.
FAC - controlador aéreo avançado. Refere-se a indivíduos que tem a missão
de melhorar a coordenação entre elementos aéreos e de superfície.
GNSS - sistema de satélites para auxílio à navegação global. Refere-se a
sistemas de posicionamento e navegação baseados em satélites.
GPS - GNSS baseado nos satélites NavStar, do sistema de defesa dos EUA.
Tornou-se sinônimo de GNSS, assim como ‘Gilette’ é sinônimo de lâminas de
barbear.
IAF - Força Aérea de Israel
IIR - imagens IR. Sistemas semelhantes a câmeras de TV mas que operam no IR
ao invés da luz visível.
INS - sistema de navegação inercial. Sistema de navegação e guiagem que, a
partir do momento em que é alimentado com a posição atual do sistema, mede as
mudanças de movimento e posição. Altamente preciso e imune a EW, mas de custo
potencialmente elevado.
IR - infravermelho. Refere-se ao comprimento de ondas entre 0,75 a 12 µm.
IRST - sistema de busca e pontaria por IR. Sistema de pontaria / designação
de alvos que usa um sensor IIR para busca e rastreio de alvos.
LDP - pod de designação de alvos a laser. LST contido em um pod (‘casulo’)
montado externamente.
LST - sistema de pontaria a laser. Sistemas de pontaria e/ou rastreio que
dependem de um designador laser.
MANPADS - sistema portátil de defesa aérea. Geralmente se refere a SAM cujas
dimensões e pesos são compatíveis com operação por soldados a pé.
MBT - tanque principal de combate. CC pesado.
MITL - homem no comando. Sistema de guiagem em que um operador humano tem o
controle da arma em todo ou a maior parte do tempo.
OCA – contra ofensiva do ar. Missões de ataque contra elementos em solo do
poder aéreo do inimigo, como defesas aéreas, bases e outras
OTAN - Organização dos Tratados do Atlântico Norte. Aliança militar fundada
em 1949.
PD - defesa de ponto. Outro nome para VSHORAD.
PGM - munições guiadas de precisão, ou ‘armas inteligentes’. Refere-se às
armas que dispõem de sistemas de guiagem para correção de curso após o disparo.
RPA - aeronave remotamente pilotada. O mesmo que UAV
RPM - disparos por minuto. Refere-se à quantidade teórica de disparos que
uma arma automática seria capaz de manter caso não houvesse restrições em
termos de quantidade de munição, aquecimento de cano e outras.
SAL - laser semi ativo. Sistema de guiagem em que a cabeça de busca procura
o reflexo gerado por um LST. Não é ‘fire and forget’ pois exige que o alvo seja
‘iluminado’ pelo menos no momento do impacto.
SAM - sistemas de mísseis antiaéreos. Refere-se a mísseis cujos alvos são
aeronaves.
SDB - bomba de diâmetro reduzido. Bomba de apenas 180 mm de diâmetro e 113
kg, contra os 273 mm e 277 kg da GBU-12, uma das menores PGM da Guerra do
Golfo.
SOAD - stand off contra defesas de área. Armas com alcance suficiente para
atacar alvos protegidos por defesas de área (alcance superior a 30 km).
SOPD - stand off contra defesas de área. Armas com alcance suficiente para
atacar alvos protegidos por defesas de ponto (alcance até 5 km).
UAV - veículo aéreo não-tripulado. Também conhecido como drone. Refere-se a
aeronaves em que o piloto não está localizado na aeronave, mas sim em uma
estação remota.
UCAV - UAV armado.
USAF - Força Aérea dos EUA.
VSHORAD - sistema de defesa aérea de ponto. Geralmente se refere a MANPADS, AAA
e SAM de alcance bastante curto (geralmente inferior a 5 km).
REFERÊNCIAS
[2] https://www.globalsecurity.org/military/systems/aircraft/f-111-pgw.htm
[3] https://www.rand.org/pubs/monograph_reports/MR357.html
[4] https://foxtrotalpha.jalopnik.com/the-f-16-gun-pod-that-tried-to-shoot-down-the-a-10-wart-1597577525
[5] http://www.f-16.net/f-16_versions_article18.html
[6] https://www.csis.org/programs/burke-chair-strategy/lessons-war/gulf-war
[7] https://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/monographs/2006/RAND_MG166-1.pdf
[8] https://leadingedgeairpower.com/2016/02/24/smart-bombs-smart-management/
[9] https://csbaonline.org/uploads/documents/2015-06-23-PGM-Report-Roll-Out-FINAL-No-Notes.pdf
[12] https://www.gao.gov/archive/1997/ns97134.pdf
[13] https://foxtrotalpha.jalopnik.com/how-stealth-was-baptized-by-fire-in-desert-storm-25-yea-1753796745
[16]https://taskandpurpose.com/military-tech/air-force-to-retire-44-a10-warthogs
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