A USAF é o único ramo das Forças Armadas dos EUA que opera cargueiros estratégicos, e como tal é a única a atender a demanda de transporte rápido de determinados itens. Por exemplo, um único container padrão, de 20 pés (cerca de 6 m) totalmente carregado pesa em torno de 30,5 toneladas, mas o limite de carga do C-130 é de 19 toneladas. Neste sentido, podemos considerar como estratégicos dois modelos de cargueiros, os monstruosos Lockheed C-5 Galaxy e o Boeing C-17 Globemaster III.
A USAF está no processo de modernizar os C-5 para o padrão C-5M. Sendo este um dos maiores cargueiros já construídos, e algumas cargas só podem ser deslocadas nele. Entregando uma enorme capacidade de carga, um compartimento de grandes dimensões, além da capacidade ro-ro, ou seja, permite que veículos entrem e saiam do compartimento de carga por meios próprios.
O C-17 Globemaster III, apresenta capacidades estratégicas - grande capacidade de carga em termos de pesos e dimensões, bom alcance, capacidade ro-ro, apesar de não se igualar ao C-5 nestas capacidades, o C-17 alia capacidade estratégica com capacidades táticas, pode ser operado em pistas relativamente rústicas. Comparado ao C-130, que também apresenta excelentes capacidades táticas e ro-ro, o C-17 pode lidar com cargas mais volumosas e/ou pesadas, e tem alcances muito superiores ao “Hércules”.
Ou seja, o C-5 e o C-17 se complementam muito bem nas missões estratégicas, embora nenhum deles tenha capacidade ou variantes tanker (“avião reabastecedor”). A capacidade tanker é observada através do “K” na nomenclatura, como no KC-130, conforme explicado no nosso artigo “Os desafios logísticos da USAF, do Transporte ao REVO os riscos do apagão”.
O alcance, em si, normalmente não é limitante para tais aeronaves, pois são capazes de receber combustível em voo através do REVO (reabastecimento em voo) a partir de aeronaves tankers, o que significa que tais aeronaves podem ter alcance global. Aliás, uma das missões primordiais do KC-46, mencionado no artigo supracitado, é justamente ‘matar a sede’ desses ‘monstros’, garantindo maior versatilidade e envergadura as capacidades logísticas das forças norte americanas.
PROBLEMAS À VISTA
Entretanto, conforme dito em nosso primeiro artigo sobre os desafios logísticos da USAF, nem tudo são flores. Por exemplo, o C-5 deixou de ser fabricado em 1989 e o C-17 em 2015. Ademais, o C-5 tem um triste histórico de problemas ao longo da vida operacional, mas sua enorme capacidade de carga é, por vezes, a única solução disponível. Para complicar ainda mais a situação, não há no momento, nenhuma aeronave em produção que possa substituir as capacidades militares únicas exibidas pelo binômio C-17 e C-5. E embora a produção do C-17 tenha sido encerrada recentemente, os custos para reabrir a linha de montagem são considerados muito elevados. Na prática, isso significa que não haverá nenhuma aeronave em produção nos EUA que possa substituir o C-5 ou o C-17 em suas capacidades únicas nas próximas décadas.
Linha de montagem do C-17 foi encerrada em 2015 |
Deve-se ressaltar, entretanto, que esse mesmo problema atinge outros países, especialmente Rússia e China, que tem necessidades logísticas consideráveis, além de suas ambições geopolíticas, muito semelhantes à USAF em certos aspectos.
Usar cargueiros civis para a função, através de leasing, apresenta várias limitações. Certas cargas militares, como veículos, apresentam dimensões relativamente grandes para os cargueiros civis, e só podem ser transportados em cargueiros militares. Ademais, cargueiros militares geralmente tem o piso bastante robusto, pois certas cargas militares, como munições e blindados, são muito pesadas pelo espaço que ocupam. Ou seja, são cargas ‘densas’. Como isso não é comum no meio civil, e como reforçar o piso significa em custos e pesos que fazem pouco sentido no meio civil, o piso de cargueiros civis, geralmente, tem dificuldades em lidar com certas cargas militares, ainda que sejam compatíveis com elas em termos de dimensões e pesos.
Cargueiros comerciais possuem determinadas limitações quando a necessidade é transporta meios e suprimentos militares |
Outra questão importante é que os cargueiros civis não têm os avançados sistemas de comunicação e guerra eletrônica das aeronaves militares, o que os impede de atuar em diversos cenários. Mas isso não significa que os cargueiros civis não possam ser o ponto de partida para aviões militares, como é o caso do KC-46.
ALIVIANDO OS ‘MONSTROS’
Os desafios imposto a frota de cargueiros estratégicos e a ausência de um substituto no horizonte, não impede, entretanto, que a USAF estenda as vidas úteis destes ‘monstros’, delegando muitas de suas missões a outras aeronaves com capacidades estratégicas. Isso aumentaria as chances de que os substitutos sejam desenvolvidos antes que haja um GAP (lacuna) nas capacidades atendidas hoje pelos C-5 e C-17.
Voltando ao KC-46, além da sua capacidade de transferir mais de 96 toneladas de combustível no perfil de missão REVO, ele é também uma excelente plataforma de transporte, sendo capaz de transportar quase 43 toneladas de carga a distâncias de quase 12 mil km, valores bem superiores aos do KC-135 que ele visa substituir. Como o próprio KC-46 pode ser reabastecido em voo, seu alcance é potencialmente global. Uma tabela com os dados dos transportes estratégicos se encontra ao final do artigo.
C-46F seria uma opção para USAF aliviar seus gigantes |
A militarização, que é o processo de adaptar uma aeronave civil para uso militar, não é nada simples, como bem demonstram os vários problemas do KC-46, já expostos em vários artigos e matérias aqui no GBN Defense. Boa parte dos desafios da militarização depende pouco da missão da aeronave no meio militar, ou seja, a partir do momento em que uma variante está disponível, pode ser mais simples obter um derivado, especialmente se este derivado for realizar uma missão mais ‘simples’, ou seja, que exija menos modificações estruturais e/ou sistemas avançados de comunicação, guerra eletrônica...
É pensando nisso que alguns autores sugerem que a USAF deveria obter pelo menos alguns C-46, derivados do KC-46 mas sem a capacidade tanker. Como a maior parte dos problemas do “Pégasus” se referem à sua capacidade “tanker”, e como os problemas relacionados à militarização em si já foram sanados, um derivado sem capacidade “tanker” poderia ser colocado em uso quase que imediatamente, aliviando assim os C-5 e C-17 em missões que não exijam suas capacidades únicas, assim como o KC-135 faz hoje.
Entretanto, o C-46 estaria seriamente limitado em relação às dimensões das cargas, tanto pelas dimensões relativamente reduzidas do seu porão de carga (especialmente largura e altura) frente ao C-5 e ao C-17, como à falta de capacidade ro-ro e questões de robustez do piso.
O mesmo poderia ser dito de um eventual ‘C-Z’ (caso o KC-Z saia do papel antes de eventuais substitutos do C-5 e C-17), que apesar de muito mais capaz que o C-46, também teria limitações em termos de dimensões de carga, falta de capacidade ro-ro e robustez de piso.
A USAF vai converter dois Boeing 747-8I de passageiros em VC-25B ‘Air Force One’. Seria relativamente simples obter uma versão derivada, o C-25 (baseado no cargueiro 747-8F), para uso como transporte estratégico. Como o C-25 não precisaria de boa parte dos avançados sistemas de comunicações e guerra eletrônica do VC-25B, ele seria potencialmente mais barato.
Embora não tenha a mesma capacidade de transportar cargas grandes nem tenha a robustez do piso do C-5, o C-25 pode ter uma capacidade de carga superior, com alcances comparáveis ou até maiores. O 747-8F carrega cerca de 132 toneladas, e pode ser configurado com ro-ro. Não seria difícil ao C-25 ter as mesmas capacidades. E como o 747-8F deve se manter em produção por um bom tempo, e boa parte dos custos de militarização seriam amortizados através do ‘Air Force One’, que já está em andamento, poderia trazer um bom alívio aos C-5 e C-17 num prazo relativamente curto.
CONCLUSÃO
Embora a real solução para o transporte estratégico da USAF seja um programa de desenvolvimento visando conceber substitutos para as aeronaves C-5 e C-17, boa parte do trabalho deles pode ser feita por outras aeronaves, algumas das quais podem estar disponíveis num espaço de tempo relativamente curto. Resta à USAF escolher o que fazer, e logo, pois os C-5 e C-17 disponíveis não serão eternos.
A seguir, uma tabela contendo um comparativo das principais aeronaves mencionadas no texto; para efeito de comparação, vamos supor aqui que o vencedor do KC-Z seja um ‘KC-777’, derivado do Boeing 777F.
Já para o C-25, essa tabela leva em consideração um estudo de Carlo Kopp; os valores base daquele estudo levam em conta um ‘KC-33A’ baseado no Boeing 747-400SF, que é menos capaz que o 747-8F. Como ainda não há estudos para um C-25, os valores de cargas do ‘KC-33A’ foram a base, e unificados com as especificações do 747-8F. Link do estudo: KC-33A: Closing the Aerial Refuelling and Strategic Air Mobility Gaps
Tabela Comparativa das aeronaves mencionadas no texto
|
|
KC-135R |
C-5M |
C-17 |
C-46A |
787-8F |
C-777 |
Comprimento |
m |
41,53 |
75,3 |
53,0 |
48,5 |
76,3 |
63,7 |
Envergadura |
39,88 |
67,9 |
51,8 |
47,5 |
68,4 |
64,8 |
|
Altura |
12,7 |
19,8 |
16,8 |
15,5 |
19,4 |
18,6 |
|
MTOW
¹ |
ton |
146,3 |
417,3 |
265,4 |
188 |
447,7 |
347,8 |
Carga
máxima |
18,0 |
127,5 |
77,5 |
43,0 |
132,6 |
79,0 |
|
Ferry
² |
km |
17.766 |
13.000 |
11.540 |
11.830 |
15.000 |
15.843 |
Motores |
tipo |
CFM
International CFM-56 x4 |
GE
CF6-80C2 x4 |
Pratt & Whitney F117-PW-100 x4 |
Pratt
& Whitney 4062 x2 |
GE
GEnx-2B67 x4 |
GE
GE90-110B 2x |
Empuxo
unitário |
lbf |
21.634 |
51.000 |
40.440 |
62.000 |
66.500 |
115.000 |
Empuxo
total |
86.536 |
204.000 |
161.760 |
124.000 |
266.000 |
230.000 |
|
Pallets |
unidade |
6 |
36 |
18 |
18 |
>46
³ |
38
³ |
Passageiros |
80 |
270 |
102 |
200 |
>450
³ |
320
³ |
|
Pacientes |
18 |
>100
³ |
60 |
58 |
>168
³ |
156
³ |
¹ Peso máximo de decolagem, conforme recomendação do
fabricante. Este valor depende de variáveis como altitude e temperatura do
local de operação
² Alcance de travessia, ou seja, apenas ida, com combustível
máximo; para atingir tal distância a aeronave geralmente não transporta nenhuma
carga extra
³ Dados reais indisponíveis; os valores informados são
indicativos da capacidade da aeronave com base em estudos preliminares
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