sábado, 30 de maio de 2020

O NORDESTE E O ‘TRAMPOLIM DA VITÓRIA” DA II GUERRA MUNDIAL



Em 1941 a Europa já estava em guerra por dois anos, sendo que no final do mesmo ano o conflito iria se tornar mundial com as entradas do Japão e dos Estados Unidos. O Brasil ainda mantinha uma posição política de neutralidade, pois a ditadura de Getúlio Vargas exercia uma posição ambígua sobre qual posicionamento iria tomar em caso de se entrar em guerra, ora oscilando para o lado do Eixo (devido a orientação de cunho fascista do regime varguista), ora para os recém-formados Aliados (pois os Estados Unidos deram prévio suporte financeiro e tecnológico para a construção da primeira siderúrgica brasileira, a CSN – Companhia Siderúrgica Nacional).

No ano seguinte, mais precisamente em agosto de 1942, com os ataques de submarinos alemães e italianos em nossa costa, com o afundamento de vários navios, Vargas tomou uma decisão e no dia 22 declarou guerra contra as forças do Eixo. A partir desse momento, iniciaram-se negociações para que o Nordeste brasileiro fosse utilizado pelos Estados Unidos como rota para o transporte de vitais suprimentos e o translado de aeronaves rumo ao Teatro de Operações europeu.

Do resultado dessas negociações, o Brasil permitiu que os Estados Unidos construíssem ou ampliassem bases aéreas e navais na costa brasileira, com uma maior intensidade no Nordeste brasileiro, onde as cidades de Fortaleza, Natal e Recife recebessem forças da então USAAF (Força Aérea do Exército dos Estados Unidos) e da USN (Marinha de Guerra dos Estados Unidos). Com esse acordo, a recém-criada FAB (Força Aérea Brasileira) passou a receber várias aeronaves de origem norte-americana, no acordo chamado de “Lend-Lease”, nos quais o Brasil recebeu mais de 330 milhões de dólares (valores da época) de equipamentos militares de vários tipos, como exemplos os treinadores Fairchild PT-19, North American AT-6, bombardeiros Douglas B-18, patrulheiros Consolidated Catalina e caças Curtiss P-36 e P-40, dentre outros.

“PARNAMIRIM FIELD”

Com esse acordo, várias bases foram construídas, sendo a maior de todas o “Parnamirim Field” (Campo Parnamirim) situado nas proximidades de Natal, no Rio Grande do Norte. Quando da época de sua construção foi a maior base norte-americana fora do seu território, só superado no final do conflito com a construção do gigantesco “North Field”, em Tinian, nas Ilhas Marianas, Oceano Pacífico, para atacar o Japão com os poderosos Boeing B-29. A base de Parnamirim era utilizada para patrulha de aeronaves da USN e USAAF no vasto Oceano Atlântico quanto como ponto de apoio de aeronaves em translado para a Europa e África.
 
A grande base de Parnamirim Field durante a Segunda Guerra Mundial (Foto: Tok de História.

Por causa do Parnamirim Field, milhares de aeronaves e toneladas de suprimentos atravessaram o Oceano Atlântico colaborando para o esforço de guerra contra o Eixo, sendo fundamental para a vitória, tanto que os norte-americanos apelidaram a base como um dos vértices de um grande triângulo unindo a Europa, o Nordeste brasileiro e a África do Norte, então recém-conquistada das força ítalo-germânicas do Marechal Erwin Rommel (Afrika Korps), esse triângulo sendo chamado por eles de “Trampolim da Vitória”.

Por causa da presença norte-americana, a cidade de Natal que contava com cerca de 40 mil habitantes, praticamente dobrou de tamanho, com cerca de 80 mil em 1945. Diversos costumes, modos, práticas e até a linguagem foram incorporados pelos natalenses até os dias de hoje. Era comum pousos e decolagens diariamente num intervalo de três minutos. Muitas aeronaves participantes de missões decisivas para os Aliados como os Boeing B-17 e os Consolidated B-24 passaram por Natal, cruzando o Nordeste a média altura e pelo interior, para evitar serem vistos por submarinos do Eixo.

A grande importância da base foi ressaltada no dia 28 de janeiro de 1943, quando o presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt visitou a base em companhia do presidente Vargas, conhecendo suas instalações e realizando a “Conferência de Potengi”, dentre outras coisas, definindo a formação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e garantindo recursos para a consolidação da recém-inaugurada CSN.
 
O B-24D 42-40617 "Jose Carioca" passou por Natal em rota para a África do Norte, foi abatido durante a "Operação Tidal Wave" próximo a Ploiești, Romênia, no dia 01/08/1943, com a morte de toda a tripulação.

Com o fim da guerra, no ano de 1945, a base ainda permaneceu sob controle dos norte-americanos, somente sendo entregue para o governo brasileiro e para a FAB no ano seguinte. Hoje o campo forma a Base Aérea de Natal (BANT – Ala 10) da Força Aérea Brasileira (FAB), a base se situando atualmente na cidade de Paramirim-RN, que foi emancipada de Natal em 1958.

“PICI” E “COCOROTE FIELD”

A cidade de Fortaleza, capital do Ceará, também participou ativamente do esforço de guerra, com a cessão de bases para os norte-americanos operarem aeronaves de patrulha contra os submarinos inimigos. Ocasionalmente também recebiam aeronaves em translado dos Estados Unidos para a Europa. Um grande contingente de militares norte-americanos também ocupou a cidade, também modificando costumes e tradições.
 
Marinheiros da US Navy manuseando cargas de profundidade no dia 28/12/1943 em Pici Field, Fortaleza. Ao fundo um bimotor de patrulha Lockheed PV-1 Ventura. (Foto: Tok de História)

A primeira base a ser construída e ocupada pelos EUA foi chamada de “Pici Field” ou “Base do Pici”, inaugurada em março de 1942. A origem do nome “Pici” até hoje é controversa, mas provavelmente se deve ao antigo nome do sítio aonde a base foi construída (Sítio do Pecy). Essa base inicialmente apoiou os dirigíveis de observação da USN (os chamados ‘Blimps”), posteriormente sendo construída uma grande pista de pouso de aeronaves.

Posteriormente foi construída uma grande avenida (atualmente a Avenida Carneiro de Mendonça) ligando a Base do Pici a segunda base ocupada pelos norte-americanos, o “Cocorote Field” ou “Base do Cocorote” (o nome “Cocorote” é um acrônimo da expressão “Coco Route” que significa “Rota do Cocó”, hoje um parque ecológico). Atualmente a Base do Cocorote é o Aeroporto Internacional Pinto Martins, em Fortaleza.

A pista de pouso do Pici foi utilizada pelos norte-americanos até o ano de 1944, quando foi abandonada e com a expansão demográfica da cidade de Fortaleza, muitos imóveis tomaram a região, formando o bairro do Pici. Outra parte da antiga base forma um dos Campus da Universidade federal do Ceará – UFC e em outra parte foram construídas grandes avenidas, igrejas e mercados. Algumas casamatas deixadas pelos norte-americanos ainda existem e servem de moradia para algumas pessoas.

“IBURA FIELD” E A SEDE DA QUARTA FROTA

Em Recife, capital do estado de Pernambuco, a Segunda Guerra também influenciou e quebrou a rotina de uma das maiores cidades do Brasil na época, com cerca de 400 mil habitantes, pois também houve a ocupação de forças norte-americanas, que construíram e ampliaram ainda em 1942 um espaço situado próximo a praia de Boa Viagem, chamando-o de “Ibura Field” (Campo Ibura), no qual abrigou aeronaves de patrulha de longa distância como por exemplo os Consolidated PB4Y-1 Liberator, variante naval do famoso bombardeiro B-24.

Campo do Ibura (Ibura Field). À esquerda da pista 15/33 a Base da FAB. À direita da Pista 15/33 a Base da USN e USAAF. Ao fundo, a praia de Boa Viagem. Data: 03/05/1943. (Reprodução Facebook)

Além disso, Recife também sediou a Quarta Frota da Marinha dos Estados Unidos, onde durante a guerra a USN coordenava a luta antissubmarina e aeronaval na região. O prédio da Quarta Frota situava-se no centro da cidade, com alguns outros escritórios na região do Cais do Porto. Também foram construídos hospitais de campanha para apoiar os feridos do front africano, centro de treinamentos e estruturação da defesa antiaérea por toda a costa, fato também ocorrido em Natal e Fortaleza. Para estruturar a defesa em caso de uma possível invasão do Eixo na região, foi criada uma rádio, a Rádio Pina, que foi mantida no ar pela Marinha do Brasil até 1992.

Após o final da guerra, os norte-americanos entregaram aos brasileiros o campo Ibura, que foi reestruturado e transformado no que hoje é o Aeroporto Internacional dos Guararapes. Os prédios que a USN ocupou ainda existem e hoje são sedes de vários escritórios dos governos estadual e federal. Assim como Natal e Fortaleza, a presença dos militares dos EUA mudou e revolucionou diversos costumes, vestuários, tradições e até o vocabulário dos habitantes.

O “TRAMPOLIM” HOJE E SEMPRE

Atualmente, após 75 anos do final da Segunda Guerra Mundial, poucas lembranças restam da passagem desses militares norte-americanos em solo nordestino. Outras cidades do Nordeste e também do Norte do Brasil receberam militares norte-americanos, como em Salvador-BA e Belém-PA, mas as mudanças e os efeitos foram bem maiores em Natal, Fortaleza e Recife do que nas demais.

O principal legado que essa presença deixou foi de demonstrar uma maior liberdade às pessoas, ainda presas a um tradicionalismo com resquícios de costumes ainda do século 19. As mulheres passaram a viver uma maior liberdade de expressão e até mesmo sexual (como o caso das “Garotas Coca-Cola”, nos quais mulheres saíam com os norte-americanos em troca da vil bebida, e de outras coisas, como chicletes e chocolates), uma forma de antecipar as benéficas mudanças que viriam para elas nos anos seguintes.
 
Reprodução do álbum de um marinheiro que passou por Natal durante a Segunda Guerra Mundial mostrando seu dia-a-dia na cidade, longe de parecer que estava a serviço de uma guerra. (Foto: Augusto Maranhão/G1)

Precisamos preservar o que ainda existe, como a bela e exuberante Base Aérea de Fortaleza, com arquitetura única e hoje a mercê de um futuro nebuloso, já que a mesma está praticamente desativada. Temos que relembrar esse louco período que o mundo viveu como um período em que o mundo mudou e até hoje vivemos determinadas consequências dessas mudanças, tanto no cunho político quanto no cunho social e econômico.

FOTO DE CAPA: Os Presidentes Franklin Delano Roosevelt e Getúlio Vargas (ao fundo) em Natal, em janeiro de 1943, durante a "Conferência do Potengi". (Foto: Acervo Fundação Rampa)

Com informações retiradas dos sites "Fortaleza Nobre", "Tok de História" e da Wikipedia.


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Por Luiz Reis, Professor de História da Rede Oficial de Ensino do Estado do Ceará e da Prefeitura de Fortaleza, Historiador Militar, entusiasta da Aviação Civil e Militar, fotógrafo amador. Brasiliense com alma paulista, reside em Fortaleza-CE. Luiz colaborou com o Canal Arte da Guerra e o Blog Velho General e atua esporadicamente nos blogs da Trilogia Forças de Defesa, também fazendo parte da equipe de articulistas do GBN Defense. Presta consultoria sobre História da Aviação, Aviação Militar e Comercial. Contato: [email protected]



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1 comentários:

  1. Na guerra o combatente tbem tem a sua hora de laser. Na sua folga ele está livre e pode se divertir para aliviar o extress do dia, dia.

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