No
ano de 1936 eclodiu a Guerra Civil Espanhola, um sangrento conflito no qual a urbana
e progressista Segunda República Espanhola lutou contra os carlistas, aristocráticos
e conservadores Nacionalistas (ou Falangistas), muitos de orientação fascista,
liderados pelo general Francisco Franco, que venceu o conflito no início de
1939 e governou o país com mão de ferro até sua morte, em novembro de 1975.
A
esmagadora vitória dos Nacionalistas só foi possível por causa da fundamental
ajuda da Alemanha Nazista e da Itália Fascista, que colaboraram com armas, suprimentos
e tropas, destacando a “Legião Condor” da Luftwaffe (Força Aérea Alemã) e o “Corpo
Truppe Volontarie” (Corpo de Tropas Voluntárias) italiana, forças altamente
treinadas e preparadas para lutar contra as tropas Republicanas, muitas delas
formadas de voluntários.
Logo
após o fim da Guerra Civil, teve início a Segunda Guerra Mundial, onde
inicialmente Alemanha e Itália inicialmente lutaram contra Inglaterra e França,
tornando-se mundial com a entrada do Japão e dos Estados Unidos em 1941. Nesse
mesmo ano a Alemanha viola um tratado de não-agressão contra a União Soviética
e invade a mesma no dia 22 de agosto.
Como
uma forma de “recompensar” a ajuda dada pela Alemanha para a vitória dos
Nacionalistas, o general Franco permitiu que um grupo de voluntários se
incorporassem ao Exército Alemão, enviando uma proposta diretamente a Adolf Hitler.
Hitler aprovou a proposta no dia 24 de junho e determinou que os voluntários espanhóis
fossem enviados para o Teatro de Operações soviético, que nesse momento dava
início a Operação Barbarossa.
FORMAÇÃO DA
DIVISÃO
Inicialmente
a proposta era de se enviar cerca de quatro mil soldados, mas devido ao grande
número de pessoas que se voluntariaram nos primeiros dias o governo espanhol percebeu
que poderia ser formada uma divisão reforçada, com mais de 18 mil homens, com cerca
de dois mil oficiais e o restante praças e soldados. Mais da metade dos
voluntários eram militares de carreira do Exército Espanhol, complementado com falangistas
veteranos da Guerra Civil e estudantes das diversas universidades espanholas.
O Brasão da "Divisão Azul" |
Como
os soldados não podiam utilizar o uniforme do exército espanhol, porque oficialmente
a Espanha havia declarado uma posição de neutralidade no conflito, foi adotado
um uniforme que abrangia as boinas vermelhas dos carlistas, as calças de cor
caqui usadas na época da Guerra Civil e as camisas azuis dos falangistas, por esse
motivo a tropa foi apelidada de “Divisão Azul”. Este singular uniforme foi
utilizado apenas durante o treinamento na Espanha; na Rússia os soldados usaram
o uniforme verde-cinza padrão do Exército Alemão (Heer), ligeiramente
modificado para mostrar na parte superior da manga direita a palavra “España” e
as cores nacionais espanholas.
Um
pequeno contingente de aviadores falangistas também se voluntariou e formaram a
“Esquadrilha Azul” (15. Spanische Staffel, incorporada inicialmente ao JG 27 e
depois ao JG 51), a qual, a bordo de aeronaves Messerschmitt Bf 109 e Focke-Wulf
Fw 190 foi creditada com 156 vitórias contra aviões soviéticos.
Caça Messerschmitt Bf 109F-2 da "Esquadrilha Azul", 15.(span.)/Jagdgeschwader 51, durante o inverno de 1942/1943. |
O general Augustin Muñoz Grandes |
Franco
designou para o comando da divisão o general Agustín Muñoz Grandes, um de seus
mais fiéis aliados e que na década de 1960 viria a se tornar Vice-Presidente do
Governo Espanhol.
DESLOCAMENTO PARA
A RÚSSIA E INÍCIO DAS OPERAÇÕES
Em
13 de julho de 1941 saiu de Madri para Grafenwöhr na Baviera, Alemanha, o
primeiro trem de voluntários para passar cinco semanas de instrução. O corpo
formado por estes voluntários ganhou a denominação de “250. Einheit Spanischer
Freiwilliger” (250ª Unidade de Voluntários Espanhóis, em tradução livre), Divisão
de Infantaria, e foi dividido inicialmente em quatro regimentos, como era
padrão no exército espanhol. Para se adequar à organização padrão do exército
alemão, um dos regimentos foi eliminado, e seus efetivos foram distribuídos nos
três restantes.
Os
regimentos tomaram o nome das três cidades espanholas de onde procedia a
maioria dos voluntários: Barcelona, Valência e Sevilha. Cada regimento tinha
três batalhões, formados por quatro companhias cada um, assim como um regimento
de artilharia dotado de três baterias de 150 mm e de uma bateria reserva pesada
como reforço. Além disso, canhões antitanque reforçavam o fogo da artilharia.
Seguindo
ordens dadas pessoalmente por Hitler, a nova divisão foi incorporada ao 16º
Exército Alemão, integrante do poderoso Grupo de Exércitos Centro, formado por cinco
exércitos e 42 divisões, com a missão de tomar a capital da União Soviética, Moscou.
Em 20 de agosto, após fazer o juramento (que foi modificado especialmente para
mencionar a luta contra o comunismo), a Divisão Azul foi enviada à frente
russa. Foi transportada por trem a Suwalki, na Polônia, de onde tiveram de
continuar a pé. Depois de avançar até Smolensk, se dispersou no Cerco de Leningrado
(hoje São Petersburgo) e iniciou as ações contra o Exército russo.
Soldados da "Divisão Azul em combate durante o rigoroso inverno russo de 1942/1943. (Reprodução Internet) |
A
Divisão Azul sofreu pesadas perdas na batalha em Leningrado, devido tanto ao
combate quanto à ação do rigoroso inverno russo, com temperaturas entre -30 a -50ºC.
A partir de maio de 1942 começaram a chegar da Espanha mais tropas para cobrir
as baixas e substituir os feridos. Um total de 45.482 voluntários serviram na
Frente Oriental, muitos deles condecorados por bravura tanto pelo exército
espanhol quanto pelo alemão, inclusive o próprio Adolf Hitler criou, em janeiro
de 1944, uma medalha exclusiva para os combatentes da Divisão Azul, a “Medalha
da Divisão Azul”, entregue aos homens que se dedicaram na luta contra o
Exército Vermelho.
“KRASNY BOR”, DISSOLUÇÃO,
“LEGIÃO AZUL” E A “SS 101”
Entre
os dias 10 e 13 de fevereiro de 1943 cerca de 6 mil espanhóis equipados com
armamento leve enfrentaram quatro divisões soviéticas, com cerca de 45 mil
soldados, apoiados por artilharia pesada e cerca de 100 tanques, na “Batalha de
Krasny Bor”, na região sul de Leningrado. O Exército Vermelho estava disposto a
destruir os espanhóis através de um grande ataque em forma de pinça, mas
encontraram uma forte defesa da Divisão Azul, que suportou o pesado fogo
soviético de sete ataques, e a despeito de ter sofrido mais de 4 mil baixas, repeliu
as forças russas que perderam entre 11.000 e 14.000 homens, que encerraram a
ofensiva no setor.
Plano soviético para a Operação "Polyarnaya Zvezda" ("Estrela Polar") que culminou na Batalha de Krasny Bor, vencida pelos espanhóis. (Reprodução Wikipedia) |
Após
a Batalha de Krasny Bor a divisão permaneceu guarnecendo sua posição, mas as
pesadas baixas forçaram os alemães a mandarem suas próprias tropas para substituírem
os espanhóis, tal fato coincidindo com a mudança no comando da divisão, que foi
designada ao general Emilio Esteban Infantes, pois o general Agustín Muñoz
Grandes era contrário à retirada. Eventualmente os Aliados e a Igreja Católica começaram
a exercer pressão sobre Franco para que retirasse as tropas voluntárias. As
negociações iniciadas por ele, no fim de 1943, foram concluídas com uma ordem
de repatriação gradual em 10 de outubro.
Alguns
soldados espanhóis se recusaram a retornar, pois queriam continuar na luta
contra os soviéticos e o comunismo, então Franco permitiu não-oficialmente que
um pequeno grupo de cerca de 3.000 homens permanecessem, formando a “Legião
Azul”, ainda integrada ao Exército Alemão, que lutou até março de 1944, quando Franco
ordenou o retorno de todos.
Todavia
alguns membros (cerca de 140 homens) não obedeceram a ordem de Franco e foram
incorporados a diversas unidades da Waffen-SS (as tropas de combate diretamente
ligadas a Hitler e ao Partido Nazista), destacando-se a “SS 101. Spanische
Freiwilligen Kompanie” (101ª Companhia de Voluntários Espanhóis), alguns membros,
como parte da 11ª Divisão voluntária Nordland dos SS Panzergrenadier e sob o
comando do SS-Haupsturmführer Miguel Ezquerra, lutaram até o final da guerra,
na Batalha de Berlim, em 1945.
O
número de perdas da Divisão Azul contabiliza 4.954 mortos e 8.700 feridos. Além
disso, as forças russas fizeram 372 prisioneiros dessa divisão, da Legião Azul
ou dos voluntários da SS 101. Desses, 286 foram mantidos em cativeiro até 1954,
quando voltaram para a Espanha no dia 02 de abril de 1954.
OS PORTUGUESES DA
DIVISÃO AZUL
Nem
todos os integrantes da Divisão Azul eram espanhóis. Um grupo de cerca de 150 a
200 voluntários portugueses (algumas fontes falam em até mil homens!) foram
autorizados pelo Presidente de Portugal, Antônio de Oliveira Salazar a se
juntarem a Divisão Azul, também com o mesmo objetivo de lutar contra o comunismo.
Portugal, assim como a Espanha, também se declarou neutro com o início do
conflito, mesmo o governo português tendo uma aliança história com a
Inglaterra.
Os
portugueses lutaram ao lado dos espanhóis no Teatro de Operações russo e muitos
não retornaram, mortos ou capturados. Alguns homens, quando da ordem de retorno
da divisão à Espanha, continuaram nas fileiras da Wehrmacht, mas o número exato
é desconhecido, pois existem poucos relatos precisos sobre a participação dos
portugueses na guerra.
O LEGADO DA DIVISÃO
AZUL
Apesar
da Divisão Azul ter lutado apoiando um regime totalitário e brutal como foi o
Nazismo, os seus 46 mil membros totais cumpriram o seu dever com honra e bravura,
dada a complexidade da missão, das péssimas condições climáticas e do terreno,
além da força e do tamanho do Exército russo, que praticamente engoliu a
Wermacht, que deu marcha a ré até Berlim.
"Medalha da Divisão Azul", concedida pessoalmente por Adolf Hitler aos membros da divisão que lutaram na Rússia. (Reprodução Wikipedia) |
Mesmo
assim é de ressaltar que mais de 75 anos depois de sua missão nas estepes russas,
ainda há de se destacar a valorosa participação de espanhóis e portugueses, que
lutara, a despeito de muitas adversidades, contra um poderoso inimigo e, como
no caso da Batalha de Krasny Bor, onde membros da divisão lutaram contra um
inimigo quase dez vezes maior, que conseguiram sobreviver e defenderem a sua
honra e valor.
Monumento aos membros da "Divisão Azul" mortos na Campanha da Rússia, em Madri. (Reprodução Wikipedia) |
ORDEM DE BATALHA
DA DIVISÃO AZUL (250º DIVISÃO DE INFANTARIA)
Julho de 1941:
262º,
263º e 269º Regimento de Infantaria (Granadeiros)
250º
Regimento de Artilharia (04 batalhões + 01 reforço)
250º
Batalhão “Panzerjäger” (Caça-Tanques)
250º
Batalhão de Reconhecimento
250º
Batalhão “Feldersatz” (Substitutos)
250º
Batalhão de Engenharia
250º
Batalhão de Sinaleiros
Esquadrão
de Suprimento
Setembro de 1943:
262º,
263º e 269º Regimento de Infantaria (Granadeiros)
250º
Regimento de Artilharia (04 batalhões + 01 reforço)
250º
Batalhão “Panzerjäger” (Caça-Tanques)
250º
Batalhão de Reconhecimento
250º
Batalhão de Engenharia
250º
Batalhão de Sinaleiros
Esquadrão
de Suprimento
*
O Lema da Divisão Azul. Original em espanhol: “Sin relevo posible, hasta la extinción.”
FOTO DE CAPA: Pintura retratado a "Divisão Azul" em combate próximo a Krasny Bór, em 1943.(Reprodução Internet)
Com informações retiradas da Wikipedia.
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Por Luiz Reis, Professor de História da Rede Oficial de Ensino do Estado do Ceará e da Prefeitura de Fortaleza, Historiador Militar, entusiasta da Aviação Civil e Militar, fotógrafo amador. Brasiliense com alma paulista, reside em Fortaleza-CE. Luiz colaborou com o Canal Arte da Guerra e o Blog Velho General e atua esporadicamente nos blogs da Trilogia Forças de Defesa, também fazendo parte da equipe de articulistas do GBN Defense. Presta consultoria sobre História da Aviação, Aviação Militar e Comercial. Contato: [email protected]
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