Tropas argentinas em Port Stanley, 2 de abril de 1982 |
CONSEQUÊNCIAS DA INVASÃO
Após a invasão argentina às ilhas Malvinas e Geórgia do Sul, que chocou o mundo, os ingleses, logo após a conclusão das operações argentinas, receberam via rádio e telex (uma espécie de comunicação de forma impressa da época) a confirmação da presença de grandes forças argentinas nas ilhas. Isso provocou a mobilização das forças inglesas para o envio de uma grande força aeronaval para a retomada das ilhas. As operações militares britânicas na Guerra das Malvinas receberam o codinome “Operação Corporate”, e o comandante da força-tarefa era o almirante Sir John Fieldhouse.
Entrementes,
foram tentadas soluções diplomáticas envolvendo a Organização das Nações Unidas
(ONU) – que votou a Resolução 502, exigindo a imediata retirada argentina das
ilhas, sendo ignorada pelos mesmos – e tentativas de intermediação do Papa João
Paulo II, dos governos dos Estados Unidos, Cuba (que enviou um embaixador para
a Argentina e ao sobrevoar o território brasileiro sem autorização, sua
aeronave – um Illyushin Il-62 da empresa aérea Cubana de Aviación – foi interceptado
por caças Mirage IIIEBR da Força Aérea Brasileira), França e até do Brasil para
uma solução pacífica para o conflito. Como argentinos e ingleses não chegaram a
um acordo, a possibilidade de um conflito armado entre os dois países visando a
retomada das ilhas pelos ingleses era iminente.
No
dia 6 de abril, o governo britânico criou um Gabinete de Guerra, com a
liderança da então Primeira-Ministra Margaret Thatcher, para supervisionar
diariamente o desenrolar da campanha. Este foi o instrumento crítico de
gerenciamento da crise para os britânicos. O Gabinete de Guerra reuniu-se pelo
menos diariamente até ser dissolvido em 12 de agosto. Nesse gabinete todas as mais
importantes decisões sobre a condução da crise e da guerra foram tomadas.
A
OCUPAÇÃO DAS ILHAS MALVINAS
Enquanto
as indecisões pairavam no ar sobre o futuro das ilhas, no caso das Malvinas,
essa passou a viver uma ocupação militar por parte dos argentinos, que durou 74
dias, até o final da guerra. Durante essa ocupação, os argentinos mudaram alguns
elementos do dia-a-dia dos habitantes da ilha: passou a usar o espanhol como
idioma oficial da ilha em vez do inglês, mudou todos os nomes ingleses das
ruas, vilas e cidades para nomes argentinos (Port Stanley, por exemplo, tornou-se
“Puerto Argentino”), inverteu a mão das ruas, da esquerda tradicional inglesa
para a direita usada na Argentina, mudou placas do sistema imperial inglês para
o sistema métrico adotados pelos argentinos, mudou selos e códigos postais,
dentre outras modificações.
Durante
a ocupação cerca de 114 habitantes das ilhas foram presos por “desobediência civil”
e ao menos 14 foram mantidos em prisão domiciliar durante a ocupação. Um dos atos
de desobediência civil mais famosos foi o de Reg Silvey (faroleiro e rádio
amador) que transmitia mensagens de rádio clandestinas por toda a ocupação,
inclusive ajudando os ingleses estarem a par das condições dos habitantes da
ilha. Muitos habitantes foram “fichados” e outros já estavam sendo monitorados
mesmo antes da invasão por potencialmente serem considerados “perigosos”. Mesmo
assim não foram verificados abusos das tropas de ocupação nem dos policiais
argentinos designados para as ilhas.
Com
exceção de alunos de uma escola, que foi evacuada para o continente e seu
prédio transformado em quartel pelos argentinos, não houve confisco de
propriedade privada durante a ocupação, mas, se os habitantes da ilha se
recusassem a colaborar com os argentinos, os bens em questão poderiam ser
requisitados, como é normal em situações militares. No entanto, os oficiais
argentinos desapropriaram temporariamente propriedades civis para morar em Port
Stanley e Goose Green, embora punissem severamente quaisquer praças que
fizessem o mesmo.
A
FORÇA-TAREFA BRITÂNICA E A PREPARAÇÃO PARA A RETOMADA DAS ILHAS
O trajeto da Força-Tarefa britânica durante a Campanha das Malvinas |
O
governo britânico não tinha um plano de contingência para uma invasão das
ilhas, e a força-tarefa foi rapidamente reunida a partir de qualquer embarcação
disponível da frota inglesa. O submarino nuclear HMS Conqueror partiu da França
no dia 4 de abril, enquanto os dois porta-aviões HMS Invincible (que estava pra
ser vendido para a Austrália) e HMS Hermes (que tinha sido vendido para a Índia
e estava para ser entregue), na companhia de embarcações de escolta, deixaram
Portsmouth apenas um dia depois. O transatlântico SS Canberra foi requisitado e
partiu no dia 9 de abril com a 3ª Brigada de Comandos a bordo. O transatlântico
SS Queen Elizabeth 2 também foi requisitado e deixou Southampton em 12 de maio
com a 5ª Brigada de Infantaria a bordo. Toda a força-tarefa acabou por
compreender 127 navios: 43 navios da Marinha Real, 22 navios auxiliares da
Frota Real e 62 navios mercantes requisitados para a missão.
A
retomada das Ilhas Malvinas era considerada extremamente difícil, sendo
considerada impossível por muitos analistas da época. Em primeiro lugar, os
britânicos estavam teoricamente inferiorizados pela disparidade no tamanho de
suas frotas aéreas implantadas na região. Os britânicos tinham apenas 42
aeronaves (28 Sea Harriers e 14 Harrier GR.3, aeronaves V/STOL que nunca havia
sido testadas em combate) disponíveis para operações de combate aéreo, contra
aproximadamente 122 caças a jato (que mesmo enfraquecidos com o embargo imposto
à Argentina desde 1977, ainda consistia uma poderosa força), dos quais cerca de
50 eram caças supersônicos de superioridade aérea (Mirage III e Dagger) e o
restante como aviões de ataque (A-4 Skyhawk e Super Étendard – esse capaz de
levar o poderoso míssil antinavio Exocet), das Forças Aéreas da Argentina (FAA
e COAN) durante a guerra. Fundamentalmente, os britânicos careciam de aeronaves
de alerta e controle aéreo (AEW). O planejamento também considerou a frota de
superfície argentina e a ameaça representada por navios da Marinha Argentina equipados
com Exocet ou pelos então dois modernos submarinos Tipo 209.
Em
meados de abril, a Royal Air Force (RAF) montou a base aérea “RAF Ascension
Island”, situada no mesmo local do Aeroporto de Wideawake no território
ultramarino britânico da Ilha da Ascensão, no meio do Oceano Atlântico, a cerca
de 2.200 km do litoral de Pernambuco, Brasil e a mais de 6.000 km das Malvinas,
incluindo uma força considerável dos bombardeiros Avro Vulcan B Mk 2, os aviões
de reabastecimento Handley Page Victor K Mk 2 e os caças McDonnell Douglas
Phantom FGR Mk 2 para protegê-los. Enquanto isso, a principal força-tarefa
naval britânica chegou à Ascensão para se preparar para o serviço ativo. Uma
pequena força já havia sido enviada para o sul para recuperar a Geórgia do Sul.
Os
encontros começaram em abril; a Força-Tarefa Britânica foi acompanhada por
aeronaves Boeing 707 de reconhecimento da Força Aérea Argentina durante sua
viagem ao sul. Vários desses voos foram interceptados pelos Sea Harriers fora da
zona de exclusão imposta pelos britânicos (de 320 km em torno das ilhas); os
707 estavam desarmados não foram atacados porque ainda estavam em andamento
movimentos diplomáticos e o Reino Unido ainda não havia decidido se comprometer
com a força armada. No dia 23 de abril, uma aeronave comercial Douglas DC-10 da
então companhia área brasileira VARIG a caminho da África do Sul foi
interceptado pelos britânicos Harriers que identificaram visualmente o avião
civil.
A
OPERAÇÃO PARAQUET: A RETOMADA DAS ILHAS GEÓRGIA DO SUL
A
retomada das Ilhas Geórgia do Sul, a “Operação Paraquet”, foi realizada sob o
comando do major Guy Sheridan, dos Royal Marines (RN), foi composta de soldados
do RN de 42 Commando, operadores do Serviço Aéreo Especial (SAS) e do Serviço
Especial de Botes (SBS) que foram enviadas como forças de reconhecimento apoiando
o ataque principal dos Royal Marines. Todos foram embarcados na RFA Tidespring.
O primeiro a chegar foi o submarino “HMS Conqueror”, no 19 de abril, e a ilha
foi sobrevoada por um Handley Page Victor, que efetuou missão ELINT, no dia 20
de abril.
Os
primeiros desembarques das tropas da SAS ocorreram no dia 21 de abril, mas o
tempo estava tão ruim (principal característica das operações terrestres da
Guerra da Malvinas – o mau tempo) que a operação foi abortada depois que dois
helicópteros caíram no nevoeiro numa geleira no sul das ilhas. No dia 23 de
abril o RFA Tidespring recebeu um alerta de um possível submarino argentino na
região, tendo que se afastar das ilhas. No dia seguinte, 24 de abril, as forças
britânicas se reagruparam e foram novamente tentar atacar as ilhas.
Um dos helicópteros Westland Wessex caídos durante a operação. Ao fundo, operadores SAS saíndo de outro Wessex, |
No
dia 25 de abril, após cumprir missão de reabastecimento da guarnição argentina
no nas ilhas, o submarino ARA Santa Fe foi avistado na superfície por um
helicóptero Westland Wessex HAS Mk 3 do HMS Antrim, que atacou o submarino
argentino com cargas de profundidade. O HMS
Plymouth lançou um helicóptero Westland Wasp HAS.Mk.1 e o HMS Brilliant lançou
um Westland Lynx HAS Mk 2. O Lynx lançou um torpedo e atingiu o submarino com sua
metralhadora; o Wessex também disparou contra Santa Fe com sua GPMG. O Wasp do
HMS Plymouth e outros dois Wasps lançados pelo HMS Endurance dispararam mísseis
antinavio AS-12 ASM no submarino, acertando-o em cheio, mesmo não ativando
totalmente suas espoletas. O Santa Fe também foi danificado por torpedos e
tornou-se inoperante. A tripulação abandonou o submarino no cais em King Edward
Point.
Com
o RFA Tidespring agora no mar, e as forças argentinas aumentadas pela
tripulação do submarino, o major Sheridan decidiu reunir os 76 homens que ele
tinha e fazer um ataque direto naquele dia. Após uma curta marcha forçada pelas
tropas britânicas e uma salva de bombardeio naval por dois navios da Marinha
Real (HMS Antrim e HMS Plymouth), as forças argentinas se renderam sem
resistência.
Na
manhã do dia 26, o comandante da guarnição argentina nas ilhas, tenente-comandante
Luis Lagos (que decidira não lutar contra forças tão poderosas) firmava a
rendição na base do British Antarctic Survey em King Edwards Point. O infame
tenente-comandante Alfredo Astiz, responsável pelos quinze comandos mergulhadores
táticos não aceitou, a princípio, este fato. Porém, diante do que se tinha
acima, pela tarde firmaria também a rendição a bordo do HMS Plymouth, copiando
desnecessariamente o ato de Lagos. Incapaz de resistir ao ataque britânico,
Alfredo Astiz se rendeu a uma pequena força de comando britânica e assinou o
documento de rendição incondicional sem disparar um único tiro, o que violaria
o código militar argentino, que poderia lhe dar até três anos de prisão. A
imagem de Astiz assinando o documento de rendição deu a volta ao mundo.
Astiz
era acusado de ter participado do assassinato de vários militantes de esquerda durante
a “Guerra Suja” na Argentina na década de 1970, inclusive, quando foi capturado
pelos ingleses, foi requisitado para extradição pelo governo francês para ser
julgado na França pelo desaparecimento de duas freiras francesas na Argentina. Como ele
foi capturado como Prisioneiro de Guerra, ele não poderia ser extraditado para
a França, então com o fim da Guerra das Malvinas, ele pôde retornar para a
Argentina, juntamente com os outros capturados.
A
mensagem enviada pela força naval da Geórgia do Sul para Londres foi: “Tenha o
prazer de informar Sua Majestade que a Bandeira Branca tremulava ao lado do
Union Jack (a bandeira britânica) na Geórgia do Sul. Deus salve a rainha”. A
primeira-ministra, Margaret Thatcher, deu a notícia à mídia, dizendo-lhes: “Apenas
se alegrem com essa notícia e parabenizam nossas forças e os Royal Marines!”
Na
terceira parte desse artigo, as operações terrestres inglesas para a retomada
das Ilhas Malvinas.
______________________________
Por Luiz Reis, Professor de História da Rede Oficial de Ensino do Estado do Ceará e da Prefeitura de Fortaleza, Historiador Militar, entusiasta da Aviação Civil e Militar, fotógrafo amador. Brasiliense com alma paulista, reside em Fortaleza-CE. Luiz colaborou com o Canal Arte da Guerra e o Blog Velho General e atua esporadicamente nos blogs da Trilogia Forças de Defesa, também fazendo parte da equipe de articulistas do GBN Defense. Presta consultoria sobre História da Aviação, Aviação Militar e Comercial. Contato: [email protected]
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