Em junho de 1945, os alemães já tinham se rendido na Europa, mas a Segunda Guerra continuava na Ásia e no Pacífico, onde os Estados Unidos e seus aliados já tinham começado a virar o jogo contra os japoneses, com a liberação das Filipinas e as vitórias nas sangrentas batalhas de Iwo Jima e Okinawa.
Mas os japoneses não davam sinais de que estariam dispostos a se render. O presidente americano, Harry Truman, reiterava em um discurso no Congresso que não podia "haver paz no mundo enquanto o poder militar do Japão não for destruído", ao mesmo tempo em que Washington escolhia as cidades japonesas que seriam alvos das primeiras bombas atômicas.
Foi neste cenário que o cruzador americano USS Indianapolis, com quase 1,2 mil pessoas a bordo, navegava no Pacífico, quando foi atacado por um submarino japonês.
"Comecei meu turno à meia-noite", contou Cox em 2013 ao programa Witness History da BBC. Ele estava na ponte de comando do Indianapolis, nos primeiros minutos de 30 de julho de 1945, quando o navio foi atingido por um torpedo.
"Cerca de dez minutos depois foi quando fomos atingidos pelo primeiro torpedo. Booom!, a explosão sacudiu o navio e bati meu estômago contra uma mesa de aço. Quando tentei me levantar, eu vi fogo, destroços... e o convés já estava a um palmo da linha da água. Quando consegui ficar de joelhos, boooom!, veio o segundo torpedo, que quase dividiu o navio em dois pedaços."
O USS Indianapolis estava em chamas e começou a afundar, quando veio a ordem de abandonar o navio. Usando um colete salva-vidas, Cox pulou para a água.
"Nadei para longe do navio. Depois de uns 50 metros, olhei para trás, e vi que ele estava afundando na vertical. Eu podia ver as quatro hélices girando, e pessoas saltando da popa para o mar. O navio afundou em 12 minutos. Você consegue imaginar um navio de 180 metros do comprimento afundando em 12 minutos?"
O USS Indianapolis tinha deixado as Ilhas Marianas, passado pela base militar de Guam e estava a caminho de Leyte, nas Filipinas. Sua tripulação tinha acabado de completar uma missão secreta: a de levar, de San Francisco, nos Estados Unidos, até as Ilhas Marianas, urânio enriquecido e partes de equipamento para a construção de bombas atômicas na base militar americana em Tinian, de onde partiriam os bombardeios B-29 que soltaram as bombas sobre Hiroxima e Nagasaki, em 6 e 9 de agosto.
"Continuei nadando. Não vi um único bote salva-vidas, nem uma boia. Ouvi gemidos e vozes, e nadei em direção a um grupo de cerca 30 homens", recordou Cox.
Loel Dean Cox: um dos sobreviventes que conta o drama |
Ele ficou com esse grupo de homens, com a esperança de serem resgatados a qualquer momento. Mas o que ele e seus companheiros não sabiam é que os pedidos de S.O.S. enviados pelo Indianapolis não foram recebidos por nenhuma embarcação, avião ou base naval. A Marinha não sabia do ataque nem suspeitava de que algo pudesse ter acontecido com o cruzador.
'Estávamos o tempo todo apavorados'
Cerca de 300 marinheiros tinham morrido no naufrágio, e agora, outros 800 estavam à deriva no mar, separados em pequenos grupos. E com uma perigosa ameaça rondando embaixo deles.
"A primeira coisa que você pensa quando cai no mar é nos tubarões, a gente tinha muito medo deles", disse Cox.
"O navio tinha afundado à meia-noite, e a primeira vez que vi tubarões foi de manhãzinha. Eram enormes. Alguns tinham mais de 4 metros. Quando você está na água e eles estão te circulando ou nadando embaixo de você, TODOS parecem enormes. Ainda bem que a maioria deles estava comendo as pessoas mortas. Estava cheio de corpos boiando na água."
Mas não demorou muito para que os tubarões começassem a atacar os marinheiros vivos. O grupo de Cox perdia "duas ou três pessoas todo dia e toda noite" para os tubarões.
"Estávamos o tempo todo apavorados. Você sempre via as barbatanas, dúzias de barbatanas nadando em volta. Você nunca sabe quando eles vão subir e te morder, tirar um pedaço de você."
Cox disse que viu quando um tubarão enorme subiu "como um raio" e pegou o marinheiro que estava a seu lado. "Nunca mais vi ele ou o seu colete salva-vidas."
"Eu ouvia gritos, de pessoas sendo mordidas, mas não havia o que fazer a não ser rezar para não ser o próximo. Alguns homens tentavam afugentar tubarões dando socos na água, gritando ou chutando. Mas acho que nossa melhor defesa foi permanecer juntos, em grupo, acho que isso confundia os tubarões."
Os animais, entretanto, não eram o perigo mais mortífero. Havia a sede, o sol e a água salgada. Muitos morreram de desidratação, hipotermia ou se afogavam, porque, exaustos e com os coletes cheios d'água, não conseguiam mais se manter por cima da água.
"Por causa do colete salva-vidas, eu tinha bolhas em cima de bolhas no ombro", disse Cox. "Era sempre sol a pino, um calor de rachar. De dia, a gente rezava pela chegada da noite por causa do calor. À noite, a gente rezava pela chegada do dia por causa do frio."
Desesperados por água, apavorados por causa dos tubarões, muitos começaram a ter alucinações.
"Havia um cara ao meu lado que achava que gente ainda estava no navio, ele disse que havia água fresca no 'andar de baixo', largou o colete e mergulhou. Depois, apareceu de volta, dizendo que a 'água fresca estava uma delícia'. Ele tinha bebido água salgada, e morreu (provavelmente, de desidratação) pouco depois."
'O dia mais feliz da minha vida'
No quarto dia, pouco antes de anoitecer, os marinheiros do grupo de Cox ouviram um avião.
"Acenamos, gritamos, fizemos de tudo para chamar a atenção da aeronave, mas ela simplesmente foi em frente. Cerca de 20 minutos depois, vimos outro avião de outra direção, que, de novo, passou batido. E quando já estava quase anoitecendo vimos um terceiro avião, que seguia em um trajeto mais ao sul, mas que, de repente, mudou o rumo e veio em nossa direção. Aí vimos alguém na porta desse avião acenando pra gente. Foi aí que as lágrimas vieram, é que finalmente soubemos que seriamos resgatados. Foi o dia mais feliz da minha vida."
Finalmente a par do naufrágio do USS Indianapolis, a marinha americana enviou vários navios para recolher os sobreviventes espalhados pela região. Dos cerca de 800 marinheiros que tinham sobrevivido inicialmente ao naufrágio, pouco mais de 300 foram recolhidos com vida.
Loel Dean Cox passou semanas em um hospital na base militar da ilha de Guam, ao sul das Marianas. Seus cabelos e unhas das mãos e pés tinham caído pela ação do sol e da água salgada.
Até sua morte, em 2015, ele participava, todo ano, da reunião dos últimos sobreviventes do USS Indianapolis.
Cox também fez parte do grupo de marinheiros engajado em uma campanha para limpar o nome do capitão do USS Indianapolis, Charles B. McVay III. Ele também sobreviveu ao naufrágio e foi levado à corte marcial, acusado de não ter dado a ordem de abandonar o navio e de ter colocado a embarcação em perigo.
No julgamento, em novembro de 1945, ele foi inocentado da primeira acusação, mas condenado pela segunda, apesar de várias evidências de que o cruzador fora colocado em risco por ação da própria Marinha — que, por exemplo, tinha deixado de informar o capitão de que um submarino japonês estaria operando na rota entre Guam e Leyte.
Pouco depois, a Marinha revogou a sentença e McVay voltou à ativa. Mas ele passou anos recebendo cartas de parentes de marinheiros mortos responsabilizando-o pela morte de seus entes, e cometeu suicídio em 1968.
Ele foi finalmente inocentado em 2000, pelo presidente Bill Clinton, após uma investigação do Congresso americano, instaurada graças a um trabalho de escola de um garoto de 12 anos.
O garoto, Hunter Scott, que vivia na Flórida, se interessou pelo tema justamente quando assistiu ao filme Tubarão, em 1996. Ele entrevistou mais de uma centena de sobreviventes e estudou cerca de 800 documentos ligados ao assunto, e concluiu, no projeto escolar para o Dia Nacional da História, que o capitão McVay era inocente.
Graças ao apoio de um deputado da Flórida, Scott e a organização de sobreviventes do Indianapolis foram ouvidos no Congresso, que aprovou a resolução assinada por Clinton, exonerando o capitão da culpa.
Fonte: BBC Brasil
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