O McDonnell Aircraft Corporation (MDAC) F-4 Phantom II, com certeza é um dos mais icônicos aviões de combate do século XX, porém, teve um começo curioso.
Em 1953, através de estudos internos, a MDAC (depois McDonnell Douglas, absorvida pela Boeing), identificou que os diversos ramos das forças armadas americanas necessitavam de um novo vetor, a USN (US Navy) seria a primeira a buscar uma nova aeronave de ataque. A empresa começou, por conta própria, a desenhar aeronaves que fossem melhores que o seu F3H Demon, que já estava no serviço ativo. Vários modelos monomotor, bimotor, monoplace e biplace foram desenhados durante esse processo.
Tais esforços acabariam por resultar em 1955, na assinatura do contrato para desenvolver uma aeronave de defesa da frota todo tempo (All Weather), missão bastante diferente da original, destinada a ataque. Para esta função a MDAC utilizou o conceito biplace-bimotor, dotado com um par do poderoso motor GE (General Electric) J79, contando com segundo tripulante responsável por operar o complexo sistema de armas e o radar AN-APQ-50.
Protótipo do "Phantom" |
Os testes em túnel de vento levaram a modificações que depois se tornaram sua marca registrada, a saber a seção externa das asas em diedro (inclinadas para cima) e os profundores em anedro (inclinados para baixo). Após o primeiro voo do protótipo XF4H1 em 1958, uma nova mudança no design foi feita, a inclusão de milhares de pequenos orifícios na tomada de ar para melhorar o controle da camada limite.
Vought XF8U-3 Crusader III |
O XF4H-1 disputou o contrato com o Vought XF8U-3 Crusader III, um derivado do F-8 Crusader I (que já estava em serviço com a USN). Entretanto, o Crusader III era monoplace, e a USN decidiu que a grande carga de trabalho exigiria um segundo tripulante, com o XF4H-1 sendo declarado vencedor ainda no ano de 1958.
Assim como outros caças da época, e ao contrário do F-8, o F4H-1 não usaria canhões, confiando apenas nos mísseis Sparrow para abater seus alvos.
F-4N da US Navy |
Aliás, cabe aqui um parêntese, muito se critica a falta de canhões nas aeronaves da época, e do impacto negativo em combates aéreos. A verdade é que os canhões representaram apenas cerca de 10% dos abates contabilizados pelo F-4, e também de outros caças com canhões, como o F-8 Crusader.
Conforme explicado no artigo F-111B, um "pau pra toda obra" que "morreu na praia", o Secretário de Defesa norte americano, Robert McNamara, tentava a todo custo fazer com que os diferentes ramos das Forças Armadas dos EUA padronizassem seus sistemas e nomenclaturas, e foi durante 1961 que o F4H foi avaliado durante um teste comparativo contra o F-106 Delta Dart, então o caça mais avançado da USAF. Os bons resultados obtidos naquele "embate" levaram à adoção do caça pela USAF, assumindo papel de caça-bombardeiro, explorando ainda mais a versatilidade do design obtido pela McDonnell.
Embora seu nome oficial fosse, por um curto período de tempo, F4H Phantom II na US Navy e F-110 Spectre na USAF, com a adoção da nomenclatura comum, aprovada em 1962 por McNamara, ambas forças passaram a chamar o novo caça de F-4 Phantom II; os primeiros F-4B entraram em serviço na USN em 1962 e os primeiros F-4C entraram em serviço com a USAF em 1963.
SERVIÇO ATIVO
O F-4A teve um brevemente período de serviço na USN, tendo sido mais empregado para testes e treinamentos, e não operou na linha de frente. A USN e o USMC operaram o F-4B e RF-4B. Operaram também a variante F-4J, versão melhorada com o poderoso radar AN/AWG-10, o primeiro do mundo com capacidade ‘look down / shoot down’ (olhar e disparar para baixo), começando a ser entregue em 1966. Outra variante do "Phantom", o F-4S, era uma evolução do F-4J, com célula reforçada e melhorada, adotando o sistema Honeywell AN/AVG-8 VTAS (Visual Target Acquisition Set, sistema visual de aquisição de alvos), o primeiro sistema HMS (mira montada no capacete) do mundo. A variante F-4N era uma versão reforçada e aperfeiçoada do F-4B.
A USAF operou inicialmente a variante F-4C e o RF-4C (versão de reconhecimento), a qual recebeu inúmeras melhorias, a exemplo do que ocorreu com as versões operadas na USN e USMC, dando origem a variante F-4D (que teve grandes melhorias nos aviônicos) e o F-4E. Além das melhorias nos aviônicos e o sensor TISEO, o F-4E incorporou um canhão interno, face ao aprendizado obtido na Guerra do Vietnã. Incorporar o M61 Vulcan (canhão padrão da USAF), requereu um grande esforço de engenharia, que envolveu o redesenho quase completo do nariz da aeronave.
F-4G "Wild Weasel", note o AGM-88 HARM |
Outra versão operada pela USAF que merece um destaque especial, é a variante F-4G, sendo a versão definitiva do F-4 para missões SEAD / DEAD (Supressão / Destruição das Defesas Aéreas do Inimigo). A variante F-4G não foi exportado, e foi a primeira aeronave da USAF a utilizar o míssil AGM-88 HARM.
Um total de 5.195 "Phantoms" foram produzidos (5.057 pela McDonnell Douglas e 138 sob licença pela japonesa Mitsubishi) e operados por outros 11 países: Alemanha, Austrália, Coreia do Sul, Egito, Espanha, Grécia, Irã, Israel, Japão, Reino Unido e Turquia. Apesar da idade, ainda é possível encontrar esta fantástica aeronave em serviço ativo na Coreia do Sul, Egito, Irã, Japão e Turquia, onde na maioria dos casos estão em processo de substituição por vetores mais modernos de gerações mais avançadas. Assim como a USAF, estes países operaram aeronaves das variantes F-4C, F-4D (versão do F-4C com aviônicos aperfeiçoados) e F-4E. A versão de reconhecimento RF-4E foi adquirida por quatro nações: Alemanha, Grécia, Israel e Turquia. As variantes desenvolvidas especificamente para atender aos requisitos de seus operadores, foram: F-4EJ (Japão); F-4F (Alemanha); F-4K e F-4M (Reino Unido).
F-4F "Phantom II" alemão |
Além do radar com capacidade "‘look down’ / shoot down’" e o HMS, o F-4 também foi o primeiro caça a utilizar operacionalmente armas como o AGM-88 HARM e as bombas guiadas a laser da família "Paveway".
Uma curiosidade: o F-4 foi a primeira aeronave a servir, simultaneamente, na USAF, USN, USMC e nos esquadrões de demonstração aérea "Thunderbirds" (USAF) e "Blue Angels" (USN). A moderna aeronave de 5ª geração, F-35 Lightning II, tem grandes chances de repetir o feito dos "Phantoms", mais de meio século depois do "Fantasma".
USO EM COMBATE
Os F-4 tem uma extensa ficha de combate nas mãos dos EUA, Irã e Israel. Além destes países, o F-4 viu poucas ações de combate com os britânicos e turcos.
F-4K Britânico |
Apesar de não entrarem em combate, os F-4 britânicos realizaram missões para proteger as bases na Ilha de Ascensão, de onde partiram os famosos ataques Black Buck, conforme explica o artigo publicado pelo nosso grande Prof Luiz Reis: "Levar a guerra o mais distante possível: as Operações Black Buck".
Alguns RF-4 turcos foram abatidos e/ou caíram em missões sobre a Síria, com a Síria se desculpando pelos abates, mas afirmando que as aeronaves turcas tinham invadido seu espaço aéreo.
EUA
O "Phantom" mostrou toda versatilidade no Vietnã |
Com os EUA, os "Phantoms" foram empregados no Vietnã, substituindo o combalido F-105 "Thunderchief", e se tornou o ‘cavalo de batalha’ da USAF naquele conflito. Embora os números ainda sejam objeto de muita controvérsia, com diversos abates por SAM sendo contabilizados como abates por caças pela VPAF (Força Aérea Popular do Vietnã), bem como drones abatidos sendo contado como caças. Segundo os números oficiais dos EUA, os F-4 obtiveram 150,5 abates contra 42 perdas, um resultado em torno de 3,5:1. Embora muitos apontem a falta dos canhões, apenas 11,5 dos 107,5 kills da USAF foram com canhões, menos de 11%, e isso apesar dos mísseis da época serem muito pouco confiáveis.
Além de muito importantes como caças, os F-4 também formaram o grosso das missões de ataque e reconhecimento da USAF, e uma parte importante das missões de ataque e reconhecimento da USN e do USMC, lançando milhares de toneladas de bombas sobre o Vietnã. Variantes F-4C e F-4E adaptadas para cumprir a missão Wild Weasel (SEAD da USAF) e Iron Hand (SEAD da USN) foram essenciais no combate à IADS (Rede Integrada de Defesa Aérea) do Vietnã.
Depois disso, os F-4G viram combate na Guerra do Golfo em 1991, onde eram as únicas aeronaves SEAD da USAF. Sendo o "canto dos cisnes" dos "Phantoms" as missões sobre o Iraque, onde os americanos executaram suas últimas missões de combate com os icônicos F-4.
A USN e o USMC substituíram o F-4 pelos F-14 e F-18, enquanto a USAF substituiu o F-4 pelo F-15 e F-16.
IRÃ
O Irã comprou um grande número de aeronaves F-4 antes da Revolução Islâmica de 1979. Os quais foram usados intensamente na Guerra Irã-Iraque, principalmente em missões de ataque.
Dois F-4 iranianos foram abatidos em espaço aéreo saudita por caças F-15 sauditas em 1984.
Atualmente, os F-4 iranianos realizam missões de ataque contra o ISIS (Estado Islâmico no Iraque e Síria).
ISRAEL
Embora Israel não tenha conseguido comprar os F-4 a tempo de empregá-los na Guerra dos Seis Dias, a IAF (Força Aérea Israelense) conseguiu adquirir o caça em 1968. A partir daí, o F-4 foi utilizado em diversas missões de combate, especialmente na Guerra de Atrito (1967-1970), que foi uma série de pequenas ações agressivas entre árabes e israelenses, e na Guerra do "Yom Kippur" em 1973, onde formava a espinha dorsal da IAF, tanto no combate aéreo como no ataque ao solo.
Com a elevada taxa de perdas frente aos SAM (Mísseis Superfície-Ar) egípcios em 1973, tiveram que ser ressupridos com alguns F-4 enviados diretamente dos EUA; não houve sequer tempo de repintar as aeronaves, e o uso de tais aeronaves com as cores da USAF deu origem ao mito, até hoje ouvido em alguns lugares, de que a USAF lutou ao lado de Israel naquela guerra.
Os F-4 ainda seriam decisivos na "Operação Paz na Galileia" de 1982, principalmente na "Operação Mole Cricket 19" e na Guerra do Líbano de 1986.
Assim como na USAF, os "Phantoms" da IAF foram substituidos pelos F-15 e F-16.
CONCLUSÃO
Embora fosse um avião grande, quase tão longo e pesado como um bombardeiro Boeing B-17 da Segunda Guerra, era uma aeronave muito veloz, tendo estabelecido diversos recordes de altitude e velocidade. Seu enorme empuxo lhe garantia uma excelente aceleração, e era muito eficiente principalmente no plano vertical, o que se tornou evidente após o programa TopGun, já ao final da Guerra do Vietnã.
A produção total foi de 4.498 aeronaves de caça e 697 aeronaves de reconhecimento. Um total de 545 aeronaves foram convertidos pela USN (todos os F-4N e F-4S, convertidos a partir dos F-4B e E-4J, respectivamente), além de 116 F-4G (convertidos a partir de F-4E). Após mais de seis décadas de seu primeiro voo, a aeronave ainda está em operação até hoje, tendo se tornado um ícone da história da aviação de combate.
Com uma vida operacional tão longa, foi inevitável que surgissem pacotes MLU (atualizações de meia vida), como o ICE (Alemanha); Kurnass 2000 (Israel); Kai (Japão); Terminator 2020 e Simsek (Turquia).
Com tais atualizações, o Phantom tem grandes chances de permanecer em serviço além dos anos 2030 e 2040, e é bem provável que ainda esteja em uso 100 anos depois da entrada em serviço.
Finalizando, não deixa de ser irônico que o F-111B, que literalmente foi desenhado pra servir aos 3 ramos das Forças Armadas americanas falhou, onde o F-4, que foi desenhado para uma missão muito específica, acabou por se tornar uma das mais versáteis aeronaves da história, equipando as três forças norte americanas, reforçando o que foi dito no artigo sobre o F-111B, "uma aeronave desenvolvida para uso embarcado geralmente é muito mais fácil de adaptar para uso em terra do que o inverso."
Por: Renato Henrique Marçal de Oliveira - Químico, trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel), estreante no GBN Defense.
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REFERÊNCIAS
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