domingo, 17 de novembro de 2019

F-111B, um "pau pra toda obra" que "morreu na praia"


Muito se fala sobre os inúmeros problemas de orçamento e cronograma do F-35, resultante do programa JSF, e como boa parte destes problemas se deve ao fato de o programa ter como objetivo um único desenho básico para atender à USAF, USN e USMC (Força Aérea, Marinha e Fuzileiros Navais dos EUA), além da RN (Royal Navy, Marinha Real da Grã-Bretanha).


O que muitos não sabem é que o F-35 não foi a primeira tentativa de padronização. Três décadas antes dele, houve uma tentativa semelhante, e que não acabou dando certo.


As três variantes do F-35
Neste artigo vamos analisar brevemente a história do F-111B, a variante embarcada do F-111, que nasceu como caça multifunção, mas que acabou passando quase toda sua história como bombardeiro tático e ‘escort jammer’.


PRELÚDIO

Republic F-105 Thunderchief - seria substituído pelo F-6D
Na década de 1960, no auge da Guerra Fria, a USAF e a USN estavam desenvolvendo uma nova geração de aeronaves táticas supersônicas, de longo alcance e capazes de levar uma grande carga de armas. A USAF queria substituir o F-105, a USN queria uma aeronave no lugar do cancelado F-6D. Voltaremos a este ponto mais adiante.

Em 1961, Robert McNamara foi escolhido Secretário de Defesa. Como já tinha um passado de atuação na indústria civil, era um forte proponente da padronização, e tinha a firme convicção de que seria possível criar uma única aeronave base para USAF e USN, portanto direcionou os esforços de ambas as Forças, que já estavam em busca de novos caças táticos na época, no sentido de trabalharem juntas no programa TFX. A padronização deveria facilitar a logística, com benefícios tanto econômicos como estratégicos.

Como havia investimentos quase ilimitados em defesa, a tecnologia avançava num ritmo alucinante. Novidades como as asas de VG (geometria variável) e os motores turbofan, por exemplo, poderiam ser utilizados num projeto tão avançado, e na visão de McNamara, um mesmo desenho básico, com alterações relativamente limitadas, seria capaz de atender aos requisitos da época.

GD F-111A
Como resultado de sua forte interferência no processo, o design escolhido foi o da GD (General Dynamics) F-111A, um projeto muito avançado, combinando os motores turbofan TF30 e as asas VG, ambos inéditos em aeronaves operacionais. seu primeiro voo foi em 1964; a largura da fuselagem do F-111 lhe capacitaria a utilizar o avançado radar do F6D, também com os tripulantes assentados lado a lado. O F-111 da USAF teve uma longa carreira, permanecendo em serviço por mais de 30 anos.

F-111B pousando á bordo
A Grumman foi chamada para ajudar no derivado embarcado, já que a GD não tinha experiência no desenvolvimento de aeronaves embarcadas. O projeto andou relativamente rápido, e já em 1965 voou o F-111B nas cores da USN. Entretanto, o F-111B não passou dos protótipos, deixando uma lacuna que a USN só conseguiria preencher anos mais tarde com o Grumman F-14 Tomcat. Falaremos sobre isso mais tarde.

A padronização falhou miseravelmente, por um lado, e funcionou maravilhosamente bem por outro, mas não como inicialmente previsto por McNamara - o F-4 Phantom II serviu com excelência tanto à USAF como a USN, e de quebra também serviu muito bem ao USMC, que não estava nos planos do TFX.

Por que a padronização falhou no TFX, e quase levou ao cancelamento do JSF, décadas depois?

DEMANDAS CONFLITANTES

A USAF queria uma aeronave capaz de fazer incursões supersônicas e de longo alcance e a baixa altitude, lançando uma grande carga de armas nucleares ou convencionais, para substituir o Republic F-105 Thunderchief, cuja produção tinha sido encerrada recentemente. O F-105 teve uma carreira relativamente curta, mas foi bastante utilizado no Vietnã.

Já a USN queria um caça supersônico de defesa da frota de longo alcance, capaz de lançar mísseis de longo alcance capaz de preencher a lacuna deixada pelo cancelamento do Douglas F6D Missileer.

Douglas F6D Missileer
O F6D seria um caça embarcado de defesa da Frota extremamente avançado para a época, cuja capacidade era importante devido aos avanços soviéticos em termos de bombardeiros de longo alcance e mísseis supersônicos antinavio. O radar AN/APQ-81 e os mísseis AAM-N-10 Eagle, ou versões derivadas, deveriam ser incorporados à nova aeronave.

A enorme antena do APQ-81 ditou uma fuselagem bastante larga, obrigando a um arranjo com os tripulantes lado a lado, característica mais comum em bombardeiros do que em caças. Com isso, a aeronave resultante era muito grande.

Entre as razões para o cancelamento do F6D estava o fato de que seria muito complicado alcançar a performance necessária e ainda ser capaz de carregar os pesados mísseis Eagle com os motores disponíveis à época. McNamara sabia disto, e acreditava firmemente que o TFX conseguiria cumprir a missão que o F6D não conseguiu.

RAZÕES DAS DEMANDAS CONFLITANTES

Há diversos motivos para as diferenças entre as demandas.

A primeira é que a USN já tinha o McDonnell Douglas F-4 Phantom II em andamento na época, e tudo indicava que seu alcance e carga seriam suficientes para cumprir suas missões, enquanto a USAF não tinha nada neste sentido.

A segunda razão é que as aeronaves da USN tem restrições muito sérias em relação a pesos, especialmente de pouso, devido à necessidade de operar nos NAe (Navios-Aeródromo, ‘porta aviões’). Embora a USAF também tivesse restrições quanto ao comprimento de pista (o F-105 exigia pistas muito longas), a questão dos pesos era muito menos crítica, e como o TFX selecionado tinha mais base nos requisitos da USAF do que da USN. Isso nos leva ao próximo ponto

Terceiro, a USAF tinha requisitos de alcance muito mais rígidos que a USN. Como as aeronaves da USN operam a partir de NAe, o alcance não precisa ser tão elevado, já que há poucas cidades e bases militares que estejam a mais de 1.000 km do litoral, enquanto que as aeronaves da USAF teriam que atingir alvos no território da URSS a partir de bases na Europa.

Estas discrepâncias teriam resultados evidentes a qualquer observador atento - a USAF queria uma aeronave que acabaria por ser bastante grande (para ter o combustível necessário para o alcance), e por conseguinte seria também bastante pesada. Já a USN queria uma aeronave com a fuselagem larga o bastante para acomodar um grande radar e 6 mísseis de longo alcance, resultando também em uma aeronave pesada.

Apesar das demandas bastante conflitantes, e muitas vezes contraditórias, ordens são ordens, e a GD e a Grumman trabalharam duramente no F-111B.

TESTES DO F-111B

O F-111B voou pela primeira vez em 1965, e logo começou um intenso programa de testes. Em 1968 começaram os testes no veterano USS Coral Sea (que depois seria bastante utilizado no Vietnã).


Foram construídos 7 protótipos do F-111B, que cumpriram mais de 1.000 voos até 1971. Dois foram perdidos em acidentes, e um terceiro foi seriamente danificado.

O F-111B tinha, em relação ao F-111A, uma fuselagem 2,59 m mais curta e asas com envergadura máxima (no menor ângulo de enflechamento) 1,07 m maior. O menor comprimento da fuselagem era necessário para compatibilidade com os requerimentos de espaço nos NAe, e as asas maiores aumentariam o tempo em que a aeronave poderia permanecer em patrulha.

A USN queria uma aeronave capaz de acomodar um radar com uma antena de 120 cm e MTOW (Peso máximo de decolagem) de 23 ton, mas devido aos requerimentos da USAF não foi possível atender a estes requisitos; a aeronave acabou com uma antena de 91 cm e MTOW de 24,9 ton.

Os temores dos críticos logo se tornaram realidade - o F-111B era consideravelmente mais pesado que os requerimentos. O F-111B atingindo incríveis 39,9 ton. Tamanho aumento de peso levou a uma revisão do projeto no Senado (algo parecido com uma CPI). Foi nesta audiência que surgiu a famosa frase do Vice Almirante Thomas F. Connolly, quando questionado se motores mais potentes resolveriam os problemas do F-111B: “Não há na Cristandade empuxo suficiente para que esta aeronave se torne o que queremos!”

Embora a princípio a USN tenha sido prejudicada pela redução no tamanho da antena do radar, tal redução tornou possível uma aeronave mais estreita, que ao invés dos assentos lado a lado poderia usar o tradicional arranjo de um tripulante atrás do outro. O APQ-81 acabou cancelado, mas foi a base para o desenvolvimento do Hughes AN/AWG-9. Os mísseis Eagle também acabaram cancelados, mas foram a base para o desenvolvimento do Hughes AIM-54 Phoenix. Falaremos novamente sobre isso em breve.

Com peso bastante acima dos requerimentos, a USN não teve escolha senão cancelar o projeto em 1968, com os testes prosseguindo até 1971.

E O QUE VEIO DEPOIS?

O cancelamento do F-111B gerou ainda mais atrasos no programa de caça de longo alcance da USN, mas nem tudo foi perdido.

Logo após o cancelamento do F-111B a USN começou o processo VFX para defesa de longo alcance da frota. O projeto vencedor foi o Grumman F-14 Tomcat, que acabou por aproveitar do seu antecessor o radar, os mísseis, o motor e o conceito de asas de geometria variável. O F-14 voou pela primeira vez já em 1970, e finalmente entrou em serviço em 1974, voando com a USN por 32 anos. Ele era grande demais para os NAe menores do USMC, que não adotou o Tomcat.

A tentativa de utilizar no F-14 os motores avançados PW (Pratt & Whitney) F401, derivados dos PW F100 que estavam sendo desenvolvidos para o FX da USAF (que se tornaria o F-15, que voou pela primeira vez em 1972) acabou fracassando, e levaria ainda muitos anos para que o F-14 ganhasse um novo motor que seria utilizado também no F-15 e no F-16, o GE (General Electric F110), o que aconteceu em 1987.

Pouco depois do F-14, entraram em serviço o McDonnell Douglas F-15 Eagle (1976) e o GD F-16 (1978) com a USAF. Tentou-se padronizar novamente o caça entre as forças, mas novamente os requisitos conflitantes impediram a padronização, e o F-14 não voou com a USAF nem o F-15 nem o F-16 voaram com a USN. Alguns anos mais tarde a USN e o USMC adotaram o McDonnell Douglas F/A-18 Hornet (1984).

ENTÃO PADRONIZAR É IMPOSSÍVEL?

Uma pergunta é inevitável - por que o F111B falhou, e o F-35 quase foi cancelado?

A resposta é relativamente simples - porque foi dada mais atenção aos requisitos da Força Aérea do que os da Marinha.

Aeronaves embarcadas tem, obrigatoriamente, que obedecer a critérios bastante restritivos em relação não somente ao peso, mas vários outros relativos à vida a bordo, como resistência a corrosão e aos poderosos pulsos eletromagnéticos dos radares navais, que operam bastante próximos das aeronaves (radares terrestres não ficam tão próximos das aeronaves, mas espaço é um luxo que os NAe não tem). Uma aeronave que consiga cumprir com estes exigentes critérios pode ser adaptada, com relativa facilidade, para uso em terra, potencialmente se tornando mais barata e/ou leve no processo.

O "Phanton II" e suas variantes nas três armas dos EUA
Um exemplo claro é o F-4 Phantom, que mesmo sem ter sido feito com padronização em mente acabou por se tornar o caça padrão da USAF, USN e USMC, um feito que só o F-35 conseguiu igualar, meio século depois, com grande dificuldade. O F-4 foi ainda a única aeronave, até o momento, utilizada tanto pelos Thunderbirds quanto dos Blue Angels, os esquadrões de demonstrações aéreas da USAF e da USN, respectivamente.

Uma aeronave embarcada também pode ser usada mais ou menos como é, sem mudanças, como diversas Forças Aéreas ao redor do mundo fizeram com caças como o F-4 e o F/A-18.

Observe-se, por exemplo, a padronização que a França fez com o Dassault Rafale - a primeira versão a ser desenvolvida foi a embarcada, e este foi um dos motivos que permitiu que o programa avançasse relativamente bem.

A USN já declarou que não tem interesse em seguir o caminho da padronização para sua próxima aeronave, mostrando que teve que reaprender, do jeito difícil, as penosas lições do F-111B.


Por: Renato Henrique Marçal de Oliveira - Químico, trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel), estreante no GBN Defense.


GBN Defense - A informação começa aqui




REFERÊNCIAS




Share this article :

0 comentários:

Postar um comentário

 

GBN Defense - A informação começa aqui Copyright © 2012 Template Designed by BTDesigner · Powered by Blogger