No dia 26 de agosto, aquilo que parecia um sonho acabou se realizando: o primeiro F-39 (JAS-39) Gripen E da Força Aérea Brasileira (que juntamente com o Gripen F são por vezes chamados de JAS-39 Gripen NG, Nova Geração), realizou seu primeiro voo em Linköping, Suécia, onde fica a sede da Saab. Esta mesma aeronave foi, simbolicamente, entregue à FAB numa cerimônia no dia 10 de setembro. Simbolicamente porque esta aeronave ficará na Suécia para o programa de testes. Com esta ‘entrega’, os céticos e críticos da excelente escolha da FAB perdem mais um dos argumentos, o de que a aeronave não existe. Existe sim, e até o momento vem atendendo a todas as expectativas da valorosa Força.
Ao invés de explicar a história do Gripen, recomendo a leitura do excelente artigo do Professor Luiz Reis: "O Gripen na Força Aérea Brasileira". Vale lembrar que as primeiras aeronaves serão '100% fabricadas' na Suécia, mas com a ToT
(Transferência de Tecnologia) proposta no contrato, a produção passará, gradualmente, à Embraer, de tal forma que as últimas 12 aeronaves serão '100% fabricadas' no Brasil.
O termo '100% fabricadas' merece uma explicação. Alguns componentes, como os motores (fornecidos pelos EUA), vêm de outros países, e mesmo após a nacionalização do Gripen um percentual considerável virá de outros países, como o Reino Unido.
O contrato prevê ainda que vendas do Gripen NG na América Latina, Ásia e África fiquem sob a responsabilidade da Embraer. Neste artigo o enfoque será em relação ao mercado latino-americano (México, América Central e América do Sul).
SITUAÇÃO ATUAL DAS FORÇAS AÉREAS DA AMÉRICA LATINA
A economia dos países da região, de modo geral, tem apresentado problemas, especialmente na Venezuela e alguns outros países. Devido a este fator, muitas FFAA (Forças Armadas, que no contexto deste artigo significa primordialmente Forças Aéreas) da região não devem buscar um novo caça tão cedo.
Muitos países e ou territórios da região sequer tem FFAA que comporte uma aeronave tão avançada quanto o Gripen, como Suriname, por exemplo, opera apenas 3 helicópteros bastante obsoletos. Outros países, como Cuba e Peru, são tradicionais usuários de aeronaves de origem russa; Venezuela e Bolívia começaram a seguir essa tendência em anos recentes.
A Guiana Francesa é parte da França, e como tal opera os mesmos sistemas de armas que a França opera. De modo similar, as Falklands ('Malvinas') operam os mesmos sistemas de armas do Reino Unido, e outros territórios operam os mesmos sistemas de armas de suas ‘matrizes’.
Excluindo-se estes casos, que dificilmente acabariam por comprar o Gripen NG, sobram apenas 5 países, e é nestes países que focaremos neste artigo.
MÉXICO
Apesar de o México ser o segundo maior e mais populoso país da América Latina, a FAM (Força Aérea Mexicana, vinculada ao Exército) não dispõe de caças modernos, e isso não vem de hoje.
O México é mais um dos operadores do F-5 na região mas não investiu em modernizações (como o fizeram Brasil e Chile), e tem apenas 10 F-5 (dos 12 originais) em uso. Uma eventual retirada dos F-5 do serviço ativo deixaria a FAM numa situação bastante complicada, tendo que confiar apenas em aeronaves de treinamento PC-7, PC-9 e T-6 para defender seu território.
Tentativas recentes de adquirir caças modernos como os F-16 não foram aprovados pelo Congresso Mexicano, e é evidente que tal situação de obsolescência não pode perdurar por muito tempo, especialmente considerando-se que as células são bastante antigas.
Considerando-se que a FAM adquiriu recentemente um Embraer E-99 para missões AEW (Alerta Aéreo Antecipado), o Gripen NG cairia como uma luva para a Força - como o Brasil vai integrar o E-99 com o Gripen, a FAM não precisaria gastar tempo e dinheiro no processo. Além disso, Brasil e México tem excelentes relações diplomáticas há muitos anos, e ao que parece os mexicanos estão bastante satisfeitos com os serviços da Embraer, o que aumenta ainda mais as
chances do Gripen NG.
COLÔMBIA
Após muitos anos de luta contra grupos guerrilheiros, a FAC (Força Aérea Colombiana) está começando a buscar uma reestruturação no sentido de adquirir meios para outras missões, inclusive defesa do seu território - missão esta que se torna especialmente importante no momento, já que o assédio à Amazônia e a grave crise na vizinha Venezuela impõem novos desafios.
A FAC opera 22 aeronaves israelenses Kfir (das 24 encomendadas), as quais tem sido modernizadas, mas a vida útil das células não está longe de chegar ao fim, inclusive porque muitas vieram usadas de Israel. Várias empresas ofereceram propostas à FAC, entre elas o Eurofighter Typhoon, Lockheed Martin F-16 e Saab Gripen NG.
O ótimo relacionamento entre Brasil e Colômbia, mais o fato que a Colômbia é o principal operador estrangeiro do Super Tucano (com excelentes resultados) leva a crer que o Gripen NG tem grande chance na disputa.
ARGENTINA
A FAA (Força Aérea Argentina) já foi uma das mais poderosas, se não a mais poderosa, da América Latina, mas seus dias de glória já estão num passado muito distante. Apenas 7 aeronaves A-4 modernizadas, conhecidas como A-4AR Fightinghawk, estão disponíveis. A estas somam-se umas 10 aeronaves Super Étendard em condições de serviço pela ARA (Armada da República da Argentina). Além de poucas, as condições destas aeronaves vão de mal a pior, com muitas das células mais antigas sendo ‘canibalizadas’ para fornecimento de peças às remanescentes.
A situação econômica da Argentina deixa poucas esperanças quanto a uma substituição breve destas aeronaves, mas é certo que, em algum momento nos próximos anos, estas aeronaves chegarão ao fim da vida útil e precisarão ser substituídas.
O Gripen NG seria uma boa pedida para nossos vizinhos, mas é provável que o Reino Unido coloque empecilhos na venda, tal como fez no passado com os A-1 AMX, devido à disputa pelas Ilhas Falklands.
As partes provenientes do Reino Unido podem chegar a 30% do total da aeronave, uma fração bastante expressiva, e achar substitutas para tais partes exigiria um redesenho completo, o que é inviável.
CHILE
A FACh (Força Aérea Chilena) é uma das melhor equipadas da América Latina. O Chile é o maior operador de F-16 da região, contando com 10 F-16 Block 50 (uma das últimas versões) e 36 F-16 MLU (antigos mas que estão sendo atualizados para o mesmo nível do Block 50), além de 18 F-5 Tiger III Plus (equivalentes aos F-5 modernizados da FAB).
foto: Angelo Nicolaci - GBN Defense |
O Chile tem buscado informações no sentido de repor seus F-5, que logo chegarão ao fim da vida útil das células. Além de parceiro no programa KC-390, o Chile tem boas relações com o Brasil, mas relações tensas com seus vizinhos (especialmente Peru e Bolívia), o que leva a supor que vão trocá-los em breve.
O Gripen NG aparece novamente como um forte candidato e, dado o cuidado do Chile com sua defesa, este pode ser o primeiro país da região, depois do Brasil, a comprar o caça.
EQUADOR
Assim como a FACh, a FAE (Força Aérea do Equador) já teve problemas com o Peru diversas vezes. O Equador opera, atualmente, 11 Denel Cheetah e 9 IAI Kfir (externamente parecidas), mas as 20 aeronaves já tem bastante tempo de uso - os Cheetah chegaram apenas em 2012 mas vieram usados da África do Sul, bem como os Kfir que vieram de Israel.
As tensões com o Peru seguem altas, e já houve combates aéreos entre os países, com os Kfir chegando a abater um A-37 peruano. Some-se a isto a idade das aeronaves atualmente no inventário, e pode-se estimar que a FAE deve buscar um novo caça em breve.
Assim como nos outros casos, as relações com o Brasil são muito boas, e o Gripen tem boas chances. Entretanto, os EUA já vetaram vendas de Kfir no passado, e podem vetar vendas de Gripen NG no futuro (em ambos os casos os motores são americanos) por temerem uma escalada no conflito Equador vs Peru.
CONCLUSÃO
As Forças Aéreas da América Latina, com poucas exceções, operam poucas aeronaves modernas, o que a princípio poderia envolver grandes vendas de Gripen NG. Entretanto, a economia de muitos países está bastante comprometida, e mesmo compras necessárias tem sido canceladas ou postergadas.
Dos mais de 20 países da região, o Brasil já adquiriu a aeronave, e mais 5 são candidatos a adquirir. Destes países, dois podem ter as vendas bloqueadas por países que fazem partes do Gripen (Argentina pelo Reino Unido, Equador pelos EUA). Chile e Colômbia são, provavelmente, os maiores candidatos, devido a tensões com os vizinhos. O México pode vir a se interessar pelo Gripen, mas dado o histórico do país a compra de aeronaves usadas não está fora de cogitação.
Agora é torcer pra Embraer conseguir fechar as vendas em todos eles, ou pelo menos nos 3 com maiores chances. É sempre bom lembrar que, quanto mais Gripen NG estiverem em operação, mais os custos são diluídos, o que beneficia a todos.
Por: Renato Henrique Marçal de Oliveira - Químico, trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel), articulista e colaborador no GBN Defense News.
GBN Defense News - A informação começa aqui
REFERÊNCIAS:
https://www.ainonline.com/aviation-news/defense/2019-08-27/brazils-first-gripen-e-takes-flight
https://saab.com/gripen/our-fighters/evolution/saab-presents-first-gripen-e-to-brazil/
https://www.infodefensa.com/latam/2018/09/10/opinion-fuerza-aerea-mexicana.php
https://www.aereo.jor.br/2019/09/20/as-chances-do-gripen-ao-redor-do-planeta/
https://es.wikipedia.org/wiki/Fuerza_A%C3%A9rea_Colombiana
https://es.wikipedia.org/wiki/Fuerza_A%C3%A9rea_Argentina
https://es.wikipedia.org/wiki/Aviaci%C3%B3n_Naval_(Argentina)
https://es.wikipedia.org/wiki/Fuerza_A%C3%A9rea_Mexicana
https://es.wikipedia.org/wiki/Fuerza_A%C3%A9rea_de_Chile
https://es.wikipedia.org/wiki/Fuerza_A%C3%A9rea_Ecuatoriana
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