O GBN News teve acesso à uma série de artigos, dividida em três capítulos, onde o renomado Desembargador Reis Friede lança uma análise sobre as Forças Armadas e o Poder
Judiciário sob o prisma dos discursos presidenciais durante três distintos momentos da República, tornando possível tomarmos conhecimento e acompanhar o desenvolvimento da relação entre a presidência e estes dois importantes pilares da democracia brasileira, onde será possível verificar como se operou a
evolução do status institucional das
Forças Armadas e do Poder Judiciário durante a República Velha, a Era Vargas e o Regime Militar.
O material contém um rico conteúdo, fruto de uma profunda pesquisa realizada pelo autor, consagrado por seus excelentes artigos e vasto conhecimento histórico, Professor Emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e Professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR), sendo de grande importância para a compreensão do atual momento em que o Brasil vive. Confiram o primeiro capítulo desta série:
As Forças Armadas e o Poder Judiciário sob o Prisma dos Discursos
Presidenciais
Parte I - A República Velha
O primeiro capítulo objetiva analisar os discursos
proferidos pelos diversos Presidentes durante a denominada República Velha, de
modo a verificar como se operou a evolução do status institucional das Forças Armadas e do Poder Judiciário entre
1889 e 1930, bem como identificar como se dava o pretérito emprego das Forças
Armadas como instrumento de estabilização política.
A construção
do presente artigo partiu de uma premissa: a de que os discursos, notadamente
aqueles articulados por ocasião da assunção do mandato presidencial, abarcam, representam
e refletem parte da história nacional, o que nos inspirou a analisar os pronunciamentos de posse realizados pelos Presidentes durante a
República Velha, desde DEODORO DA FONSECA até WASHINGTON LUÍS.
Nesse sentido, FERNANDO LYRA,
então Deputado Federal, na qualidade de líder do antigo Movimento Democrático
Brasileiro (MDB), em discurso publicado no Diário do
Congresso Nacional de 2 de abril de 1975, afirmou que os discursos, como testemunhos de uma época, "integram o acervo histórico de
qualquer povo civilizado, valendo como fonte das mais originais e autênticas
para fixar o grau de desenvolvimento político". (BRASIL, 1975, p. 2)
Tendo em vista o escopo a ser
alcançado pelo texto ora introduzido, a empreitada limitou-se a identificar, fragmentar
e analisar, especificamente, o ponto de vista anunciado por cada Presidente em
relação às Forças Armadas e ao Poder Judiciário, de modo a buscar informações
que possibilitassem verificar a respectiva trajetória institucional em momentos
pretéritos.
Para tanto, foram examinados diversos discursos
presidenciais, sendo que, em alguns casos, tendo em vista a inexistência de uma
preleção de posse, outros, relativos a momentos posteriores, foram sopesados em
substituição, adotando-se, em qualquer caso, o critério cronológico.
Obviamente, como
não poderia deixar de ser, permitimo-nos, em alguns momentos, extrair certas
inferências dos fragmentos textuais transcritos, para, em seguida, consignar a
nossa própria observação acerca dos fatos, tudo historicamente relacionado com
o tema de fundo abordado no trabalho.
2. Dos Discursos dos
Presidentes da República Velha (ou Primeira República).
A República Velha
(ou Primeira República) abarca a fase compreendida entre a proclamação
da República (15 de novembro de 1889) até a Revolução de 1930, movimento que
depôs o Presidente WASHINGTON LUÍS, em 24 de outubro do mesmo ano. Trata-se,
como cediço, de um período extremamente conturbado da história nacional,
caracterizado pela ocorrência de diversas revoltas que, volta e meia, redundavam
numa intervenção militar, evidenciando, assim, o papel desempenhado pelas
Forças Armadas de então enquanto instrumento de estabilização política, bem
como a incapacidade de o Poder Judiciário atuar como mecanismo de solução de
crises, apesar de formalmente independente.
2.1. Deodoro da Fonseca.
LAURENTINO GOMES,
discorrendo sobre o período imediatamente antecedente ao 15 de novembro de
1889, traçou o seguinte quadro:
Na última eleição
parlamentar do Império, realizada em 31 de agosto de 1889, o Partido
Republicano elegeu somente dois deputados e nenhum senador. Os votos colhidos
pelos seus candidatos em todo o país não chegaram a 15% do total apurado. O
resultado era pior do que o obtido quatro anos antes, no pleito de 1885 [...].
Sem eco nas urnas, os civis encontraram nos militares o elemento de força que
lhes faltava para a mudança do regime. (GOMES, 2013, p. 19)
LAURENTINO (2013,
p. 175) menciona, como um dos antecedentes históricos ao advento da República,
ao episódio da Questão Militar, ou
seja, uma série de conflitos envolvendo o Exército e o governo imperial entre
agosto de 1886 e maio de 1887, cujos desdobramentos ocasionariam profundas
fendas nas relações hierárquicas, de modo que a Monarquia não possuía mais condições
de impor disciplina aos quartéis. Por conta desse e de outros fatores, criou-se, assim, o "caldo de
cultura" que viabilizou diversas intervenções
militares ocorridas no
Brasil, na qual as Forças Armadas figuraram como as
grandes responsáveis pela fundação da República brasileira, evidenciando,
ademais, uma certa incapacidade de a sociedade civil da ocasião em conduzir os rumos
do Estado liberal. Com efeito, o advento republicano consolidou definitivamente
a importância institucional das Forças Armadas.
Quando da proclamação da República, o Marechal DEODORO DA FONSECA (de 15
de novembro de 1889 a 23 de novembro de 1891) fez expressa referência ao
Exército e à Armada (não existia a Força Aérea, ainda, por razões óbvias):
Concidadãos – O povo, o
exército e a armada nacional,
em perfeita comunhão de sentimentos com os nossos
concidadãos residentes nas províncias, acabam de decretar a deposição da dinastia imperial e consequentemente a extinção do sistema monárquico representativo. [...].
No uso das atribuições
e faculdades extraordinárias de que se acha investido para a defesa da
integridade da pátria e da ordem pública, o governo provisório, por todos os
meios a seu alcance, permite e garante a todos os habitantes do Brasil,
nacionais e estrangeiros, a segurança da vida e da propriedade, o respeito aos
direitos individuais e políticos, salvas, quanto a estes, as limitações exigidas
pelo bem da pátria e pela legítima defesa do governo proclamado pelo povo, pelo
exército, pela armada nacional. (BONFIM, 2004, p. 29-30)
Notemos a força
das palavras de DEODORO, que nenhuma dúvida deixam a respeito do status e do poder das Forças Armadas no
final do século XIX: "O povo, o exército e a armada nacional [...] acabam de decretar a deposição da dinastia imperial e consequentemente a extinção do sistema monárquico representativo".
Ademais, o
Marechal, ao mesmo tempo em que confere às Forças Armadas a denominação de
depositárias da vontade nacional, realça o compromisso de lhes assegurar o papel de principais mantenedoras da ordem e das instituições. Como
comprova a história, tal concepção quanto à missão das Forças Armadas iria se
repetir ao longo do século XX, possibilitando, como veremos nos registros
subsequentes, diversas intervenções na cena nacional, tais como as de 1937 e
1964.
2.2. Floriano Peixoto.
DEODORO, como se sabe, governou, provisoriamente, de 15 de novembro de 1889 a 25 de fevereiro de
1891. Era preciso, portanto, eleger o Presidente da
República para um mandato regular de quatro anos. Sem se afastar do governo, DEODORO
candidatou-se ao pleito, o que lhe facilitava, a toda evidência, o eventual
manejo das Forças Armadas em seu benefício, caso viesse a perder as eleições
para o candidato da oposição, PRUDENTES DE MORAES. A bem da verdade, havia um
sentimento de que DEODORO, uma vez derrotado, não entregaria o poder. Eleito indiretamente com 129 votos, contra 97
de PRUDENTE, o Marechal toma posse aos 26 de fevereiro
de 1891.
Em 3 de novembro de 1891, no episódio que restou historicamente
conhecido como o Golpe de 3 de Novembro, DEODORO DA FONSECA
dissolve o Congresso Nacional e instaura o estado de sítio, suspendendo as disposições da
Constituição Republicana referentes aos direitos individuais e políticos,
possibilitando, assim, que qualquer pessoa fosse presa sem direito a habeas corpus, o que motivou uma nova
intervenção do Exército. Por sua vez, unidades da Armada, tendo como um dos
líderes o Almirante CUSTÓDIO DE MELLO, ameaçam bombardear o Rio de Janeiro
(Distrito Federal), caso DEODORO não voltasse atrás e restaurasse as condições
políticas, acontecimento que restou conhecido como a primeira Revolta da Armada
(1891).
Pressionado devido à crise política e econômica que havia se instalado no país, causada,
notadamente, pela política do encilhamento,
DEODORO renuncia ao mandato presidencial em 23 de novembro de 1891,
assumindo o Vice FLORIANO PEIXOTO (de 23 de
novembro de 1891
a 15 de novembro de 1894), que inaugura uma fase de
governo antideodorista, na qual se constata uma coalizão político-militar, tendo em suas fileiras, por exemplo, o
Almirante CUSTÓDIO MELLO como Ministro da Armada, e RODRIGUES ALVES, do Partido
Republicano Paulista, e representante da elite cafeeira paulista, na Pasta da
Fazenda. Como não poderia deixar de ser, ao discursar, FLORIANO destacou o
papel do Exército e da Armada. Sinteticamente, afirmou o militar:
São conhecidos os fatos
que se realizaram nesta cidade [Rio de Janeiro] e no seu porto durante a noite
de 22 e na manhã do dia seguinte, precedidos de levantamento do heroico estado
do Rio Grande do Sul, e atitude francamente hostil do estado do Pará. A armada,
grande parte do exército e cidadãos de diversas classes promoveram pelas armas
o restabelecimento da Constituição e das leis suspensas pelo decreto de 3 deste
mês [novembro], que dissolveu o Congresso Nacional. A história registrará esse
feito cívico das classes armadas do País em prol da lei, que não pode ser
substituída pela força; mas ela registrará igualmente o ato de abnegação e
patriotismo do generalíssimo Manoel Deodoro da Fonseca resignando o poder a fim
de poupar a luta entre irmãos, o derramamento do sangue de brasileiros, o
choque entre os seus companheiros de armas, fatores gloriosos do imortal
movimento de 15 de novembro, destinados a defender, unidos, a honra nacional e
a integridade da pátria contra o estrangeiro e a defender e garantir a ordem e
as instituições republicanas no interior do País.
Esses acontecimentos que
não têm muitos modelos nos anais da humanidade e dos quais podemos nos gloriar,
como justamente nos gloriamos das duas revoluções pacíficas que operaram pela
República a transformação de todo nosso direito político e pela abolição do
elemento servil, a transformação do trabalho nacional atestarão aos vindouros o
amor do povo, da marinha e do exército pelas liberdades constitucionais, que
formam e enobrecem a vida das nações modernas. [...].
No governo do Estado,
que foi-me conferido pela Constituição, confio da retidão de sua consciência
para promover o bem da pátria. Da confiança do povo, do exército e da marinha
espero não desmerecer. Das forças de terra e mar conheço o valor realçado pela
disciplina e pelo respeito aos direitos da sociedade civil. Admirei e admiro os
meus bons companheiros na guerra e na paz.
A coragem e a constância
que mostraram [os militares] nos combates se
transformaram nos anos de paz, que temos fruído, no amor da Liberdade e da República,
que com o povo fundaram e com ele querem manter e consolidar. (BONFIM, 2004, p.
36-37)
Da
análise do discurso de FLORIANO PEIXOTO extrai-se, com muita evidência, o
protagonismo das Forças Armadas de outrora, cujo poder detinha as condições de apoiar ou rejeitar
o governo que se instalava, deixando patente, assim, o respeito do Presidente
em relação aos militares, por ele chamados de companheiros.
Mas a assunção de FLORIANO ainda
provocaria outro imbróglio. O art. 42 da Constituição de 1891 previa que, no caso de vaga, por qualquer causa, da Presidência, antes de
completados dois anos do período presidencial, nova eleição deveria ser
realizada. Não obstante, FLORIANO faz
ouvidos moucos para tal regra constitucional e decide permanecer no cargo até o fim do quadriênio
para o qual DEODORO havia sido eleito, provocando uma
ferrenha oposição por parte de alguns segmentos da sociedade e dos militares. Diante
do impasse sucessório, novamente a embrionária República vê-se perante uma nova
investida militar, agora contra a permanência do florianismo.
Assim, diante
desse ambiente conturbado, em março de 1892, treze
Oficiais-Generais do Exército e da Marinha assinam um manifesto (conhecido como
o Manifesto dos 13 Generais) questionando
a legitimidade do governo de FLORIANO, bem como pleiteando a imediata
realização de eleições para Presidente da República. Em
reação, FLORIANO determina a prisão e a reforma de vários militares.
Com efeito,
enquanto a primeira sublevação da Marinha atuou contra DEODORO DA FONSECA, que pretendia
permanecer no poder e foi impedido de seu intento, o segundo levante, por seu turno, guarda relação com a questão da sucessão de
FLORIANO, tema que encontrava interpretação e solução jurídica junto ao art. 42
da Carta de 1891, o que, evidentemente, não aconteceu sob o agasalho do Poder
Judiciário daquela quadra.
Assim, em 6 de setembro de 1893, Oficiais da Força Naval, novamente
liderados por CUSTÓDIO DE MELLO, deflagram, no Rio de Janeiro, a segunda Revolta
da Armada, cujo objetivo era depor FLORIANO, cujo desejo, contrariando o Texto Constitucional,
era completar o mandato do Presidente anterior. O movimento, que contou
com o apoio do Almirante EDUARDO WANDENKOLK, Ministro da Pasta da
Marinha no governo de DEODORO, bem como do Almirante SALDANHA DA GAMA, então
Comandante da Escola Naval, ameaçava destruir a Capital,
sofrendo, então, forte oposição do Exército, fato que comprova a
falta de consenso político entre os próprios militares.
Interessante registrar
um dado histórico, qual seja, o fato da Armada não ter participado efetivamente
da Proclamação da República (1889), mas ter se envolvido, num curto lapso
temporal, e sob a liderança de CUSTÓDIO, em dois episódios (1891 e 1893). A
explicação, segundo o que próprio Almirante registrou, seria a seguinte:
Na monarquia nunca
nos filiamos a nenhum partido político, nem uma só vez exercemos o direito de
voto nos comícios eleitorais, jamais ocupamos lugar político,
e muito menos nos prestamos a manejos militares eleitorais nos cargos de
administração, inerentes ao serviço militar, que nos foram confiados. Íamos, sim, sempre que o dever militar e o desejo de gratidão o exigiam, ao
Paço Militar cumprimentar o Chefe da Nação, de quem nunca sofremos desgostos de
uma só injustiça. Mas, se é certo que nossas ideias republicanas, ainda que platônicas,
nos afastavam das lutas partidárias e do convívio dos homens políticos e dos
cortesãos, não é menos certo de que servimos a nosso país com a maior
dedicação, lealdade e patriotismo, do que nossa fé de ofício fornece inequívocos
e exuberantes provas. [...] servindo nós agora a República, principalmente
depois de termos por duas [as Revoltas da Armada, em 1891 e 1893] vezes arriscado
nossa vida para salvá-la. (MELLO, 1938, p. 25-26)
O cenário
relativo à transição e respectivos embates ocorridos à época entre deodoristas e florianistas demonstra justamente o nível de envolvimento das
Forças Armadas com a política na incipiente República brasileira, aspecto que acabava
por gerar o quadro abaixo descrito por TOBIAS MONTEIRO:
[...] nas forças militares onde penetra o vírus da política, forças que subvertem regimes, depõem autoridades e mudam situações, os legalistas e os revolucionários revezam-se na sua dupla tarefa. Muitos dos que o levaram [refere-se a FLORIANO] ao poder em nome da
Constituição depressa passaram a arrogar-se o poder de interpretá-la e
impor a decisão dos canhões; do mesmo modo, alguns dos que contra eles
o defenderam e dos mais próximos à sua pessoa, já preparavam as armas para
substituí-los e conspiravam para opor-se ao advento do governo civil.
Era em tudo o espetáculo tão constante na
vida política do Brasil, desde a Independência, de verem-se os homens caídos do
governo trocarem os
papéis com os da Oposição vencedora; as palavras e as ações passam de uns a
outros, proferidas e praticadas com a mesma falta de convicções e a mesma
paixão de interesse ferido ou satisfeito. (MONTEIRO, 2005, p. 46-47)
E essa relação
militarismo-política, como veremos durante o presente texto, se repetiria em
outras ocasiões.
2.3. Prudente de Moraes.
PRUDENTE
DE MORAES (de
15 de novembro de 1894 a 15 de novembro de 1898), um advogado, quebra a sequência de militares no
poder. Não obstante, também consagra a atuação e o apoio das Forças Armadas na
sua alçada à Presidência. Ao ser empossado e discursar, registrou:
Assumindo hoje a
Presidência da República, obedeço à resolução da
soberania nacional, solenemente enunciada pelo
escrutínio de 1º de Março. [...].
O lustro de existência,
que hoje completa a República brasileira, tem sido de lutas quase permanentes
com adversários de toda a espécie [...].
Como expressão concreta
desse período de funestas dissensões e lutas, rememoro com amargura a revolta
de 6 de Setembro do ano próximo passado.
Essa revolta, que foi o
mais violento abalo de que se podia ressentir o regime proclamado a 15 de
Novembro de 1889, iniciada sob o pretexto de defender a Constituição da República
e de libertar a Pátria do jugo de uma suposta ditadura militar, reuniu, sob a
sua bandeira, todos os elementos adversos à ordem e à paz pública, concluindo
por caracterizar-se em um movimento formidável de ataque às instituições
nacionais, arvorando o estandarte da restauração monárquica.
Mas, por isso mesmo que
essa luta tremenda foi travada pela coligação de todos os inimigos, a vitória
da República foi decisiva para provar a estabilidade das novas instituições,
que tiveram para defendê-las a coragem, a pertinácia e a dedicação do
benemérito Chefe de Estado, auxiliado eficazmente pelas forças militares de
terra e mar [...].
(BONFIM, 2004, p. 44)
Como se vê, novamente um Presidente, ao ser investido no
cargo, faz alusão ao papel exercido pelas Forças Militares de Terra e Mar sobre
os denominados inimigos da República,
vitória que, segundo o transcrito pronunciamento, possibilitou a estabilidade
republicana. No entanto, ao
longo de seu governo, PRUDENTE
DE MORAIS realizou cortes no orçamento militar, o
que acarretou problemas quanto ao ensino e à formação da oficialidade militar, impedindo, ainda, a modernização das instituições
castrenses.
2.4. Campos Salles.
O
Presidente CAMPOS SALLES (de 15 de novembro de 1898 a 15 de novembro de 1902), ao discorrer
por ocasião de sua posse, não se referiu às Forças Militares. Em nenhum momento
citou termos semelhantes aos proferidos por DEODORO, FLORIANO e PRUDENTE.
Tratou, principalmente, de aspectos pertinentes à economia, tendo em vista que,
ao assumir, herdou uma grave crise econômica. De importante para o
presente estudo, cabe registrar que o discurso de 15 de novembro de 1898, de
certo modo, teceu considerações a respeito da harmonia que deve existir entre
os poderes republicanos, embora tenha conferido uma função extremamente
acanhada ao Poder Judiciário, reveladora mesmo de uma independência
institucional meramente formal:
Desde que, sob a
influência de funestas tendências e dominado por mal entendida aspiração de
supremacia, algum dos poderes tentar levar a sua ação além das fronteiras
demarcadas, em manifesto detrimento das prerrogativas de outro, estará nesse
momento substancialmente transformada e invertida a ordem constitucional e
aberto o mais perigoso conflito do qual poderá surgir uma crise cujos
perniciosos efeitos venham afetar o próprio organismo nacional.
Este perigo é mais para
temer-se nas urbanizações novas, sobretudo nas fases que precedem às
experiências definitivas, quando ainda não se tem alcançado, por um longo
processo de aplicação, estabelecer no próprio terreno, isto é, praticamente, as
linhas que separam as respectivas esferas de competência. Isto indica bem o
cuidado, o zelo patriótico, a sincera solicitude, a isenção de ânimo e o
sentimento de justiça que, em cada um dos órgãos da soberania nacional, devem
presidir o exame e assinalamento das funções respectivas.
Não ceder nem usurpar.
Fora daí, em vez de
poderes coordenados, não teremos senão forças rivais, em perpétua hostilidade,
produzindo a perturbação, a desordem e a anarquia nas próprias regiões em que
paira o poder público para vigiar pela tranquilidade e pela segurança da
comunhão nacional e garantir a eficácia de todos os direitos.
Defendendo
intransigentemente e com o mais apurado zelo as prerrogativas conferidas ao
poder que vou exercer em nome do sufrágio direto da Nação, afirmo aqui, desde já,
o meu mais profundo respeito ante a conduta dos demais poderes, na órbita de
sua soberania. Esta atitude, que será rigorosamente observada, dará forças ao
depositário do Executivo para, de seu lado, opor obstinada resistência a todas
as tentativas invasoras.
O papel do Judiciário no
jogo das funções constitucionais torna mais remotas as suas relações com os
outros poderes. É um poder que não luta; não ataca; não se defende: julga. Sem
a iniciativa que aos outros cabe, a sua ação não se manifesta senão quando
provocada. Fora desta região de paz e pureza, a única em que reina a justiça, o
seu prestígio moral desfaz-se ao sopro das paixões.
São mais diretas e mais
frequentes as relações entre o Executivo e o Legislativo. Estes são os poderes
que colaboram em estreita aliança na dupla esfera do governo e da
administração; a eles, pois, compete manter, no desdobramento de sua comum
atividade, uma contínua e harmônica convergência de esforços a bem da República. (BONFIM, 2004, p.
58-59)
Cumpre destacar quão palidamente CAMPOS SALLES concebia o
status do Poder Judiciário, cuja
posição de isolamento, segundo o governante, tornava remota a sua relação com
os outros poderes.
2.5. Rodrigues Alves.
RODRIGUES ALVES (de 15 de novembro de
1902 a 15 de novembro de 1906) foi o próximo Presidente da República.
Diferentemente de seu antecessor, referiu-se às Forças Militares. De relevante
para a nossa pesquisa, destaca-se, outrossim, ter feito menção ao princípio da
separação dos poderes:
Não permitem as nossas
condições financeiras grandes promessas, que não poderiam aliás ser
satisfeitas. Espero, todavia, poder dedicar especial atenção aos interesses das
classes armadas, de terra e mar, procurando acudir às suas mais urgentes
necessidades e promovendo os melhoramentos que forem compatíveis com os nossos
recursos. [...].
Adstrito aos encargos
que lhe incumbe e bem disposto a não abrir mão dos direitos e atribuições que
lhe são assegurados pela Constituição de 24 de fevereiro, o Governo há de
respeitar como lhe cumpre, a esfera da ação em que tiverem a girar os demais
poderes da República.
A ação do Governo,
estou certo, não há de ser embaraçada por tendências perturbadoras de qualquer
natureza. O período das agitações passou. Todos se acham convencidos de que a
ordem e a tranquilidade geral são indispensáveis para a marcha normal dos
negócios públicos e para o aproveitamento regular dos grandes recursos do país.
Esperando ser um
Governo justo, confio na disciplina dos espíritos, no espírito de ordem dos
meus concidadãos, na ação legal das forças armadas e no seu nunca desmentido
patriotismo. (BONFIM, 2004, p. 81-82)
Ao afirmar que pretendia
"dedicar especial atenção aos interesses das classes armadas",
RODRIGUES ALVES preocupa-se em demonstrar, desde logo, alguma deferência pelas
Forças de Terra e Mar. Da mesma forma, ao dizer de sua confiança na "ação
legal das forças armadas e no seu nunca desmentido patriotismo", demonstra
o mandatário empossado quão frequente era o emprego das instituições castrenses
em matéria de sustentação do poder político.
2.6. Affonso Penna.
Em seguida, AFFONSO PENNA (de 15 de novembro de 1906 a 14 de junho de 1909) alcança a Presidência da República, tomando posse em sessão solene no
Congresso Nacional. Da mesma forma, cita as Forças Armadas em seu discurso:
Por nossa parte, temos mantido tradicionalmente uma política de
paz e de concórdia, conseguindo dirimir, na calma dos gabinetes ou dos
tribunais, questões herdadas dos tempos coloniais.
A conservação do mesmo quadro das forças de mar e terra, durante
longos anos, apesar do grande aumento da nossa população e do incremento que
tem tido o nosso comércio interno e externo, dá testemunho eloquentes dos
intuitos pacíficos que nos animam.
Não quer isto dizer, entretanto, que devemos descurar de colocar
as nossas forças militares, de tradições tão ricas de bravura e patriotismo, em
condições de bem desempenharem a sua nobre e elevada missão de defensoras da
honra nacional e guardas vigilantes da Constituição e das leis. A perda de
valiosas unidades de combate sofrida pela nossa marinha, de anos a esta parte,
justifica de sobejo o ato do Governo brasileiro procurando substituí-las de
acordo com as exigências dos modernos ensinamentos da arte naval. Da mesma
forma, melhorar a organização militar e renovar o material de guerra, dentro
dos limites impostos pela situação financeira, é dever comezinho do nosso como
de todo Governo cônscio de suas responsabilidades, sem que se possa atribuir ao
seu cumprimento propósito de ameaça ou intuito de agressão a povo algum, pois
que a nossa preocupação foi e sempre será angariar e estreitar relações com
todas as nações.
No regime presidencial, mais que em outro qualquer, o Poder
Executivo deve dar exemplo de respeito e cordialidade em suas relações com os
outros Poderes que a Constituição criou, independentes e harmônicos.
Assim praticarei, convencido da sabedoria desta norma consagrada
em todas as legislações e que se impõe de modo iniludível a qualquer espírito
atento à historia política dos povos cultos.
A Justiça Federal, pairando na esfera serena e garantidora dos
direitos e guarda da Constituição, vai firmando em sábios arestos alguns pontos
duvidosos desta, mal compreendidos no início de sua execução. É a prova mais
eloquente de que não é prudente promover reformas antes de pedir à experiência
e à aplicação leal da Constituição indicações seguras sobre o alcance dos
dispositivos, que se afiguram imperfeitos ou deficientes. A alta cultura
jurídica dos nossos juízes deve inspirar a mais completa segurança de que o Supremo
Tribunal, colocando na cúpula da organização judiciária, pode desempenhar com
lustre o brilhante papel representado na União Americana pelo Instituto que
serviu de modelo ao nosso legislador constituinte. (BONFIM, 2004, p. 100-101)
A transcrição supra
possibilita observar alguns pontos interessantes do discurso de AFFONSO PENNA, o qual, num momento, destacou
a missão outrora consagrada às Forças de Terra e Mar, ou seja, a de "defensoras
da honra nacional e guardas vigilantes da Constituição e das leis". Em
seguida, afirma que a "Justiça Federal, pairando na esfera serena e
garantidora dos direitos e guarda da Constituição, vai firmando em sábios
arestos alguns pontos duvidosos desta, mal compreendidos no início de sua
execução".
Vê-se, portanto,
que a mesma missão (guarda da Constituição) foi atribuída simultaneamente às
Forças Militares e ao Poder Judiciário, o que, a nosso ver, ao mesmo tempo em
que reflete o antigo protagonismo daquelas, traduz o incipiente status institucional deste.
2.7. Nilo Peçanha.
Com a morte de AFFONSO PENNA, ocorrida em 14
de junho de 1909, assume o Vice-Presidente NILO PEÇANHA (de 14 de junho
de 1909 a 15 de novembro de 1910), que
não realiza discurso de posse, muito provavelmente por conta do momento de luto
nacional.
2.8. Hermes da Fonseca.
Posteriormente,
de 15 de novembro de 1910 a 15 de novembro de 1914, o militar HERMES DA
FONSECA, que havia sido Ministro da Guerra durante o governo de AFFONSO PENNA,
é eleito para o cargo de Presidente da República, tendo tomado posse em sessão solene do Congresso Nacional. Sua condição marcial foi devidamente registrada numa das passagens de seu
discurso, mormente ao dizer, em tom de esclarecimento, que sua origem castrense
não o afastaria dos "princípios republicanos e dos reais
interesse da nação":
A minha qualidade de
soldado, assim como não influiu
para que os elementos civis do país me julgassem
digno de presidir aos destinos da República, também, afirmo-o sob a fé de todo o meu passado, não será causa para que me divorcie, levando
por estreito sentimento de
classe, dos verdadeiros princípios republicanos
e dos reais interesse da nação. Comigo não
surgirá o sol do cesarismo; mas, sob a égide de um soldado, o país há de ver firmar-se de vez a mais civil das repúblicas, pela abrogação das
práticas e dos hábitos
contrários ao regime e de tudo que tem servido para deturpar o espírito e a inteligência da Constituição de 24 de Fevereiro. [...].
E ser-me-á fácil a tarefa porque, soldado, só tenho uma aspiração
– o cumprimento inflexível da lei; cidadão, só tenho um ideal – a estabilidade
do regime e a felicidade da pátria. (BONFIM, 2004, p. 113; 119)
Sobre a
importância das Forças Armadas, dando especial destaque à missão de defesa
nacional e ao respectivo orçamento militar, disse HERMES DA FONSECA:
Mas, o fato de haver sido sempre de paz e de fraternidade a
política internacional do Brasil e o propósito formal de prosseguir em tão
sabia política, não significam, nem impõem que nos descuremos dos legítimos
meios de defesa do país.
Na medida dos recursos financeiros da República, cumpre persistir
no aparelhamento da nossa marinha, não só pela inteira execução do plano
adotado, como pelo preparo intensivo do pessoal incumbido, para isto, as
escolas técnicas de eletricidade, maquinistas
e marujos.
Não basta, porém, a aquisição de navios de guerra, que largos
sacrifícios custam à nação, é necessário, para que se conservem em condições de
desempenhar o papel a que podem ser chamados um dia, que a esquadra, apesar das
despesas que isso acarreta, esteja em constante movimento, pois, é no
incessante labutar em alto mar, no permanente funcionamento das máquinas e nos
exercícios de toda a espécie que os oficiais e tripulação se habilitarão para o perfeito desempenho de suas funções.
No que diz respeito às forças de terra, estou ainda convencido de
que, executado integralmente o plano de organização delineado na última
reforma, poderemos preparar, em pouco tempo, um exército em condições de
enfrentar com o mais forte e mais disciplinado adversário.
A lei do sorteio, com a criação das linhas de tiro, que muito se
tem desenvolvido, preparará, dentro em pouco, numerosa e excelente reserva para
o Exército.
Estou certo de que, no limite das dotações orçamentárias,
estabelecendo-se verbas parceladas e convenientes, poderemos, em poucos anos,
pelo desenvolvimento paulatino de arsenais e fábricas, aquisição de armamentos
e material bélico, constituídas as unidades táticas que pela reforma foram
criadas, formar uma nação militarmente forte, sem que haja necessidade de se
manterem os nossos quartéis repletos de soldados, pois que, pelos processos
adotados, cada um dos nossos patrícios se transformará em cidadão-soldado. (BONFIM, 2004, p. 117-118).
Cumpre notar que
o discurso de HERMES DA FONSECA enaltece o clássico papel institucional de
defesa nacional. Pelo menos no que se refere aos discursos de posse, pode-se
dizer que, de todos os Presidentes da República, HERMES DA FONSECA é o primeiro
a abordar de modo tão claro a missão das Forças Armadas em matéria de defesa
nacional. Cabe destacar, inclusive, que HERMES DA FONSECA, mesmo antes de se tornar Presidente da República,
quando ocupava a Pasta da Guerra no governo AFONSO PENNA, dedicou-se a um
projeto de modernização do Exército, o qual, no início do século XX,
segundo a maioria da oficialidade, encontrava-se militarmente atrasado. À época, entre outras medidas postas
em prática, um grupo de oficiais foi enviado para estagiar junto ao Exército
alemão. Retornando ao Brasil, esses oficiais deflagraram uma campanha pelo
aperfeiçoamento profissional da Instituição. Conforme explica CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADA LUNA:
Devido ao afã modernizador, o grupo foi
pejorativamente apelidado de "jovens turcos" por uma parcela de
militares e civis que se opunham às suas ideias. O apodo fazia alusão a
oficiais turcos que haviam estagiado no Exército alemão e, que, ao retornar à
Turquia, se engajaram em um partido nacionalista e reformista, oficialmente conhecido
como Comitê de União e Progresso, mas informalmente conhecido como Jovens
Turcos, por ser formado por estudantes universitários e jovens oficiais
progressistas. Na Turquia, os Jovens Turcos participaram de uma rebelião contra
o sultanato e de um processo de transformações que acabou por resultar, em
1923, na proclamação da República sob a liderança de Mustafá Kemal, após o
Império Otomano ter sido extinto pela derrota na Primeira Guerra Mundial, em
1918.
Contudo, o apelido que surgiu de forma
pejorativa passou a ser visto como um símbolo de abnegação e patriotismo, conforme
destacou Estevão Leitão de Carvalho em sua autobiografia intitulada Memórias de um soldado legalista.
Em relação ao pensamento dos jovens
turcos, é importante notar que o grupo considerava o Brasil uma nação
incipiente, desprovida de nacionalidade e de instituições verdadeiramente
nacionais. O referencial para suas conclusões eram a nação e o Estado-Nação tal
como se desenvolveram nos países da Europa Ocidental e nos Estados Unidos.
Dessa forma, os jovens turcos não se preocupavam apenas com o Exército, mas
também com a compleição física do brasileiro e sua educação; com o estágio
agrário da economia nacional e com a dependência e o atraso do país em relação
às grandes potências e a países da América Latina como Chile e Argentina, cujos
exércitos já contavam com o auxílio de missões estrangeiras.
Sendo assim, os jovens turcos acabaram
desenvolvendo uma nova concepção a respeito da atuação política do militar, à
medida que recusaram a intervenção individual do militar na política, mas
consideraram válida a intervenção do Exército, como corporação, na política
nacional. Tal concepção foi explicitada pelo primeiro editorial de A Defesa Nacional, quando seus
fundadores afirmaram que "nas nacionalidades nascentes como a nossa, em
que os elementos mais variados se fundem apressadamente para a formação de um
povo, o Exército, única força verdadeiramente organizada, no seio de uma
tumultuosa massa efervescente, vai às vezes um pouco além dos seus deveres
profissionais para tornar-se, em dados momentos, um fator decisivo de
transformação política ou de estabilização social".
O
trecho destacado pela autora acima revela um dado interessante já naquela
ocasião: malgrado o profissionalismo que se despertava no seio castrense, o
sentimento de que as Forças Armadas deveriam atuar como instrumento de "transformação política ou de estabilização social" não havia
cessado, afirmação comprovada através das
diversas intervenções militares ocorridas desde então, tais como o Tenentismo da década de 1920 e o movimento
de 1964.
Por ocasião do discurso de posse, agora em relação ao Judiciário, HERMES
DA FONSECA afirma que:
Uma das maiores
preocupações dos países policiados deve ser a boa e pronta distribuição da
justiça [...].
[...] é necessário: elevar cada vez mais o nível intelectual e moral da
magistratura, melhorando não só as condições de independência dos juízes, como
o critério para a sua investidura e promoção, do qual resulte o preenchimento
efetivo dos requisitos de competência moral e profissional; facilitar a justiça
colocando-a mais ao alcance dos jurisdicionados, sobretudo pela diminuição dos
ônus que lhes são impostos; torná-la mais rápida, principalmente, nos
julgamentos definitivos das causas; dar-lhe, no Distrito Federal, instalação condigna em edifício que satisfaça às mais
rigorosas exigências e onde funcionem todos os serviços subordinados aos
tribunais; dispor sobre a uniformização da jurisprudência, para que a igualdade
judiciária perante a lei atinja ao seu fim, segundo a essência do princípio
constitucional que se não restringe à inadmissibilidade de privilégios
pessoais, mas, é extensivo ao reconhecimento igual do direito sempre que for idêntico o fenômeno jurídico sujeito à decisão judiciária. (BONFIM, 2004, p.
113-114)
O retrato institucional
exposto no trecho em destaque indica que alguns dos problemas que afligem o
Judiciário brasileiro já eram preocupação desde o início do século passado,
tais como: investidura na magistratura, capacitação da carreira, independência,
acesso à Justiça, celeridade, segurança quanto às decisões judiciais, etc.
Registre-se, ademais, que nenhum discurso de posse presidencial havia tratado
de tão importantes questões.
2.9. Wenceslau Braz.
WENCESLAU BRAZ, um advogado, preside
o país de 15 de novembro de 1914 a 15 de novembro de 1918. De seu discurso de
posse extraem-se, em especial, os seguintes fragmentos:
Pela minha parte me
comprometo a, mantendo as
relações constitucionais com os outros poderes,
não concorrer para a diminuição de qualquer deles, salvas, está entendido, as prerrogativas do Poder Executivo. Assegurado o respeito
mútuo entre os poderes públicos
e agindo todos eles livre e desapaixonadamente
dentro da órbita constitucional, levaremos
definitivamente ao espírito popular a convicção
da eficácia do regime em que vivemos. O
que se deve querer, e eu quero, é um Poder Executivo súdito da lei; um Poder Legislativo
desassombrado fiscalizador do
Executivo; e um Poder Judiciário verdadeira
garantia de todos os direitos: poderes harmônicos
e independentes, sem concessões nem usurpações. [...].
Não terminarei sem
fazer uma referência especial a
um dos mais sérios problemas no nosso país. Refiro-me às nossas forças armadas, quer de terra, quer de mar, de tradições tão cheias de
bravura e de patriotismo no
desempenho da incumbência constitucional
da defesa da Pátria no exterior e da manutenção
das leis no interior. "Se for eleito,
dedicarei a esse assunto o melhor dos meus esforços, iniciando desde logo um
estudo minucioso de suas condições e de suas necessidades, para poder agir com segurança de êxito". (BONFIM, 2004, p. 130-131; p. 139)
Os dois destaques
anteriores versam sobre o princípio da separação dos poderes e as condições das
Forças Militares, cuja atribuições constitucionais, segundo o discurso de WENCESLAU BRAZ, seriam a defesa da
Pátria (no exterior) e a manutenção das leis (no interior), discurso que
reflete bem aquele momento, quando o mundo se encontrava em plena Primeira
Guerra, conflito que ensejou uma revisão do conceito de beligerância, trazendo
consequências ímpares para as Forças Armadas, notadamente por acentuar o debate
quanto à necessidade de se modernizá-las, nisso residindo, como veremos, a
importância da denominada Missão Francesa,
enviada ao Brasil pelo Governo francês, em 1920, com o escopo de analisar e
estudar as necessidades de modernização do Exército brasileiro, estendendo-se
até 1940.
2.10. Epitácio Pessoa.
RODRIGUES ALVES é
eleito para um segundo mandato (de 15 de novembro de 1918 a 15 de novembro de
1922), mas falece antes mesmo de assumi-lo. Até que fossem convocadas novas
eleições, DELFIM MOREIRA, Vice-Presidente
eleito, assume provisoriamente a Presidência (de 15 de novembro de 1918 a 28 de
julho de 1919).
Em seguida,
EPITÁCIO PESSOA (de 28 de julho de 1919 a 15 de novembro de 1922) sucede DELFIM
MOREIRA, que, como visto, havia assumido a Presidência interinamente.
Ressalte-se que EPITÁCIO PESSOA concorreu ao pleito eleitoral mesmo estando
fora do Brasil, uma vez que representava o país na Conferência de Versalhes, em
Paris, França, realizada em 1919 por ocasião do fim da Primeira Guerra Mundial.
De sua Mensagem ao Congresso Nacional, datada de 3 de setembro de 1919, e
permeada por medidas de austeridade, destaca-se, no que concerne às Forças
Militares, o seguinte:
Devemos fugir de agravar
os nossos compromissos com despesas que não sejam reclamadas pela necessidade
de assegurar a integridade da Nação, e desenvolver as suas fontes de riqueza,
como sejam o aparelhamento da nossa defesa militar [...]. A estas despesas devemos
acudir ainda com sacrifício, porque [...] são a garantia da nossa própria existência [...]. (BONFIM, 2004, p. 161)
Nota-se o valor
atribuído pelo Presidente EPITÁCIO PESSOA à questão da defesa nacional (e, por via de consequência, às Forças
Militares), cujas despesas, ainda que realizadas com sacrifício, não poderiam
ser evitadas. Seguramente, esse trecho do discurso guarda relação com a
ocorrência da Primeira Guerra Mundial, que definitivamente inseriu o assunto defesa nacional na pauta estatal,
quando, então, o governo despertou e começou a dar maior atenção à necessidade
de modernização das nossas instituições militares.
2.11. Arthur Bernardes.
Em seguida, a sucessão presidencial leva ARTHUR BERNARDES (de 15
de novembro de 1922 a 15 de novembro de 1926) ao poder. Em seu discurso de
posse não há qualquer referência expressa às instituições militares, embora a
preleção de BERNARDES tenha destacado a importância da Justiça, do Direito e da
Ordem, o que, de certa forma, não deixa de ser uma alusão, ainda que implícita,
ao Judiciário e à instituições militares, envolvidas que estão com os temas em
questão:
No meio dessas delicadas
obrigações, que tornam hoje tão difícil a tarefa de
governar [...], uma existe que sobreleva bastante às outras, e vem a ser a de garantir o edifício social atual nos seus fundamentos jurídicos próprios. A estrutura política vigente, para ser melhorada, não carece aderir a ideias subversivas, que importam na destruição total da lei. A obra da civilização só se acelera com eficácia dentro da ordem. Fora daí, tudo é incerteza e predomínio das paixões violentas, contra as quais o mundo inteiro precisa estar em guarda, para salvar, com liberdade, a Justiça e o Direito, isto é a porção mais valiosa do patrimônio destes vinte séculos da cultura da humanidade. (BONFIM, 2004, p.
176)
2.12. Washington Luís.
WASHINGTON
LUÍS, o último Presidente da República
Velha, toma posse em 15 de novembro de 1926. Alçado ao poder por meio de eleição
direta, é deposto, em 24 de outubro de 1930, por forças militares comandadas
por VARGAS. Analisando o teor de sua Mensagem Presidencial, encaminhada ao
Congresso Nacional em 3 de maio de 1927, por ocasião da abertura da 1ª Sessão
da 13ª Legislatura, verifica-se, novamente, a preocupação de um mandatário quanto
ao acesso à Justiça e à prestação jurisdicional:
Reclama a atenção solícita do Congresso
a organização da justiça para os pequenos. A nossa organização judiciária,
pesada, lenta e dispendiosa, só dá justiça aos que possam contratar advogado e
que, sobretudo, tenham recursos para esperar.
É bem de ver-se que, nessas condições,
só interesses de certo vulto poderão valer-se de juízes e tribunais, e que,
portanto, só uma restrita, mas muito restrita, parte dos brasileiros, poderá
fazer respeitar os seus direitos.
A grande maioria, a multidão dos
humildes, esses que sofrem as injustiças diárias [...], não tem entre nós, na
ordem judicial, por falta de meios, a proteção das leis.
Só contam com a proteção dos patronos
que assim formam clientela, diminuindo o valor moral da nossa gente.
Todas as nações civilizadas tiveram e
têm, e terão sempre, para os pequenos e para as pequenas causas justiça rápida
e barata, sem delongas processuais, sem artifícios dos saberes, dadas pelos iguais
quando os iguais pedem.
É a justiça do Vir probus que, na França, ainda hoje se faz com o Conseil des Prudhommes, e que os nossos Homens Bons distribuíam, nos tempos coloniais.
Feita semelhante organização para o Distrito
Federal, servirá ela de exemplo para os Estados, que a quiserem adotar. (BRASIL, 1927, p. 50-51)
WASHINGTON LUÍS,
no trecho anterior, discorre sobre questões relativas ao acesso ao Judiciário e
à celeridade da prestação jurisdicional, problemas que, segundo ele, impedia
que a grande maioria da população ("a
multidão dos humildes") tivesse a "proteção das leis". Ademais,
impressiona como o retrato acima ainda é encontrado em discursos mais
contemporâneos.
Outrossim, na
mesma data, WASHINGTON LUÍS dedicou atenção às Forças Armadas:
É desejo do Governo colocar
as forças armadas no pé que, pelo nosso código fundamental, lhes compete.
Nesse sentido, e com
esse fim, posso afirmar-vos que já se trabalha com fundadas esperanças.
Com a França vai ser
renovado o contrato para permanência da Missão Militar do exército francês
[...]; como também com os Estados Unidos da América do Norte foi prorrogado o
contrato para a Missão Naval da marinha de guerra norte-americana [...].
Com esses elementos, e
com a nação, poderemos contar, dentro de alguns anos, com forças armadas dignas
do destino que a nossa Constituição Política, em proposição lapidar, lhes
traçou, fazendo-as instituições nacionais permanentes para defesa da pátria no
exterior e para manutenção das leis no interior. (BRASIL, 1927, p. 59)
Novamente, as
atribuições constitucionais das Forças Armadas (defesa
da Pátria, no exterior; manutenção das leis, no interior) são mencionadas num
discurso presidencial.
Conclusão
De tudo o que foi
dito a respeito da participação das Forças Armadas na vida política brasileira
no decorrer da República Velha, espera-se, sinceramente, que o frequente
emprego das mesmas enquanto instrumento de estabilização tenha se exaurido,
restando definitivamente sepultado nos anais da história. Diante da moldura do
atual Estado Democrático de Direito, cremos que as Forças Armadas devem
permanecer absolutamente subordinadas aos poderes constitucionais, somente
atuando nos exatos termos da Lei Maior, cuja exegese final há de ser extraída
não pelo homem político, mas pelo Supremo Tribunal Federal, restando impossível,
hodiernamente, que elas sejam "convidadas", como acontecia em épocas
passadas, a executar tarefas destinadas à tomada (e respectiva entrega) do
poder a determinados atores políticos.
Numa verdadeira
democracia, cumpre à sociedade, pelo mecanismo do sagrado direito de voto, e
jamais através das armas de militares, decidir a respeito de quem deve ocupar
legitimamente os Poderes Executivo e Legislativo, residindo, neste aspecto, a
importância capital do Poder Judiciário.
As urnas, elas
sim, são a força e as baionetas da
democracia e da mudança. Usemos, então, a nossa força para provocar as
transformações e a alternância do poder que se fazem necessárias.
Por: Reis Friede é Desembargador Federal, Professor Emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e Professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR). Site: https://reisfriede.wordpress.com/. Correio eletrônico: [email protected]
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