quarta-feira, 7 de novembro de 2018

O que é CAv? O GBN News foi ao CAAML


Hoje é imprescindível para o sucesso do emprego do poder naval o pleno domínio técnico e a presteza das suas tripulações, o que envolve muito treinamento e doutrinas que são fundamentais no cenário marítimo. Mas há determinados pontos inseridos em toda doutrina e preparação de nossas tripulações que são pouco conhecidas por nosso público em geral, sendo o Controle de Avarias (CAv) um fator de grande relevância no treinamento daqueles homens e mulheres que irão se fazer ao mar em defesa dos interesses nacionais. Não basta ter os meios, tem que possuir o material humano bem adestrado para fazer frente a toda e qualquer situação que possa surgir durante uma faina (trabalho), seja em paz ou principalmente na guerra, o preparo é fundamental para que qualquer operação seja bem sucedida.

Nosso editor, Angelo Nicolaci, esteve no dia 23 de outubro acompanhando um pouco do treinamento ministrado pela Marinha do Brasil aos seus tripulantes, sendo o Centro de Adestramento Almirante Marques de Leão (CAAML) uma referência nesse quesito, onde além de ministrar os cursos teóricos, o centro conta com diversos simuladores que buscam replicar algumas das situações de risco que esses tripulantes podem vir a enfrentar no Mar.

“Logo pela manhã cheguei a unidade que fica localizada em Parada de Lucas no Rio de Janeiro, o acesso ao centro de adestramento é um pouco difícil devido a sua localização próxima a uma área de mangue a beira da Avenida Brasil e muito próximo à uma comunidade. Mas nada que seja um obstáculo para realização de nosso trabalho.

Lá fui recebido pelo Capitão-Tenente Luiz Gabriel, que me apresentou um pouco da história do CAv na Marinha do Brasil e conduziu pela unidade afim de acompanhar alguns treinamentos previsto para aquele dia.”

Na ocasião fora respondida algumas questões para que nosso público possa compreender melhor a história e a importância do CAv na Marinha do Brasil:

Quando o CAv surgiu na Marinha do Brasil? E qual sua relevância em nossa doutrina de emprego naval?

O surgimento do Controle de Avarias (CAv) na Marinha do Brasil se confunde com a criação da instituição. Devido à sua importância vital para qualquer Navio de Guerra, o CAv não pode ser dissociado da vida de bordo e o conhecimento da doutrina vigente é obrigatório para todos da tripulação.

O CAv possui as relevantes tarefas de manter o poder combatente do Navio, fazendo frente às avarias e preservando a integridade física dos componentes da tripulação.

A doutrina e o adestramento de CAv teve um impulso com a criação da Escola de Controle de Avarias em 1949, tendo como seu primeiro Encarregado e Instrutor o Capitão-Tenente Carlos Borba, mentor da mesma. O Capitão-Tenente Borba utilizou inicialmente os conhecimentos adquiridos nos cursos de Controle de Avarias (CAv) e de Combate à Incêndio (CBINC) realizados na Filadélfia, nos Estados Unidos em 1947.

Quais os princípios do CAv?

Os princípios mais relevantes do CAv são a rapidez de resposta (prontidão), e o emprego adequado dos sistemas, equipamentos e técnicas de combate ao sinistro. Esses atributos são alcançados por meio da tríade “Instrução – Adestramento – Exercício contínuo”, aliada à manutenção do material utilizado pelo Controle de Avarias.

Como são ministrados os cursos de CAv e os demais cursos ligados a essa doutrina?

Os cursos de CAv na Marinha do Brasil são ministrados pelo Centro de Adestramento “Almirante Marques de Leão” (CAAML), no Grupo de Controle de Avarias, localizado no bairro de Parada de Lucas, no Rio de Janeiro. Os cursos são estruturados de forma a atender às múltiplas necessidades da instituição, que vão desde o Combate à Incêndio e Alagamentos em Navios, à evacuação de militares e civis nas Organizações Militares de Terra.

A duração do curso varia de 5 à 45 dias, incluindo a parte prática, de acordo com a finalidade a que se destina.

Quais doutrinas compõe a formação em CAv?

A doutrina de CAv da Marinha Brasil incorporou parte dos conhecimentos adquiridos nos contatos com as Marinhas amigas, principalmente a norte americana e inglesa, somada as experiências vividas por nossos Navios, que se traduzem em manuais específicos de Controle de Avarias Estruturais, Combate à Incêndio, Estabilidade e Controle de Avarias Elétricas e Eletrônicas.



Quais requisitos exigidos do tripulante para que esse seja considerado proficiente em CAv?

Os integrantes das tripulações dos Navios da Marinha do Brasil devem possuir conhecimentos suficientes para responderem rapidamente a qualquer tipo de avaria que possa ocorrer a bordo. Além disso, devem desenvolver qualidades importantes para o Marinheiro, tais como: Presteza, coragem, tenacidade, iniciativa e trabalho em equipe.

Os conhecimentos básicos são ministrados nos Cursos de Formação de Oficiais e Praças, e os ensinamentos mais aprofundados são adquiridos nos demais cursos ministrados pelo CAAML ao longo da carreira dos militares, atendendo as especificidades das funções desempenhadas pelos mesmos a bordo.

A Marinha do Brasil aufere a eficiência dos seus tripulantes por meio de um vasto e rigoroso programa de adestramentos, tanto individuais como em equipe, além da avaliação de exercícios realizados a bordo dos Navios, seja no porto ou no mar, assim como o emprego de simuladores de avarias.

Como é a rotina de treinamento?

A rotina de treinamento a bordo obedece a um rigoroso planejamento que envolve também os Comandos Superiores e as Organizações Militares (OM), responsáveis pelas inspeções e assessorias ao adestramento, como é o caso do CAAML.

Os diversos programas de treinamento abrangem: Instruções, adestramentos, exercícios e avaliações que ocorrem durante todo o período de serviço ativo do Navio. Tais programas são executados diariamente, como forma de se manter a prontidão das tripulações para a reação imediata a quaisquer avarias que ocorram a bordo. Como exemplo, podemos citar o exercício diário de CAv realizado pelo Grupo de CAv de Serviço dos Navios.

Quais meios e simuladores a Marinha dispõe hoje para treinamento de seus homens?

 A Marinha do Brasil por intermédio do CAAML, disponibiliza dois simuladores para adestramentos e exercícios de controle de avarias estruturais e alagamentos, além de oito simuladores para combate à incêndios. Os simuladores reproduzem os diversos compartimentos de bordo com maior probabilidade de ocorrência de sinistros, tais como praças de maquinas, alojamentos, cozinhas, paióis e compartimentos situados abaixo da linha d’ água. Entre os oito simuladores de CBINC, temos um helicóptero e uma aeronave de asa fixa destinado à pratica de combate a incêndio em aeronaves.
Nos Distritos Navais existem simuladores para treinamento básico das equipes dos Navios subordinados.

A Marinha do Brasil conta ainda, com simuladores específicos para adestramento de CAV em submarinos na Base Almirante Castro e Silva, localizada em Niterói, além de simuladores para adestramento de CBINC em aeronaves (CBINC-Av) na Base Aeronaval de São Pedro da Aldeia.

Tendo em vista nossa vocação para o mar, como a Marinha lida com a formação dos futuros Oficiais e Praças da Esquadra e de nossa Marinha Mercante?

A Marinha do Brasil tem como missão e visão de futuro “Preparar e emprega o Poder Naval, a fim de contribuir para Defesa da Pátria; para garantia dos poderes constitucionais, e por iniciativa de qualquer destes, da Lei e da Ordem; para o cumprimento das atribuições subsidiárias previstas em Lei; e para o apoio à Politica Externa.”

Desta forma, a Marinha considera a formação dos seus integrantes e os da Marinha Mercante como uma de suas prioridades.

Assim, visando o cumprimento de sua missão, a Marinha do Brasil investe uma parcela considerável de seus recursos financeiros e de pessoal, no desenvolvimento e aprimoramento da formação e qualificação dos seus integrantes.

Tendo em vista que temos hoje muitas empresas que exploram petróleo e recursos em nossas águas, e com fins de maximizar a segurança no mar, há algum tipo de formação voltada para iniciativa privada?

Sim, A Marinha do Brasil representada pelas suas Capitânias dos Portos, que estão distribuídas pelas diversas regiões do território nacional, disponibiliza o curso PREPOM para o pessoal da Marinha Mercante e para quem desenvolve atividades correlatas. Neste curso, os aquaviários tem aulas teóricas e práticas de prevenção e combate à incêndio a bordo.


Continuando nossa visita

Após uma escala na Praça D’Armas, seguimos para acompanhar uma série de treinamentos nos simuladores, começando pelo conjunto de simuladores voltados ao adestramento de Combate à Incêndios (CBINC), Nesta seção, o CAAML conta com dois simuladores de incêndio “Maracanã”, um simulador “Árvore de Natal, este destinado a equipes especificas que operam em refinarias, depósitos de combustível e atividades similares, dois simuladores de incêndio em aeronaves (CBINC-AV) sendo um de asa fica e outro de asa rotativa, o simulador de “Praças de Máquinas” e uma área indoor que simula diferentes focos de incêndio e é utilizado afim de estabelecer a doutrina de emprego de extintores, onde cada tipo de foco demanda uma adequada categoria de extintores, além de simular todo o procedimento que precede o combate ao sinistro e o pós combate, quando o fogo é controlado.

Nesta ocasião estavam recebendo o adestramento, equipes das fragatas F-40 “Niterói”, F-49 “Rademaker” e da corveta V-32 “Júlio de Noronha”. A Faina teve início com uma “corrida seca”, onde as equipes realizam uma familiarização com os procedimentos a serem realizados, isso ocorrendo sem que os simuladores estejam “acesos”. Após a realização de três corridas e a verificação de todos os procedimentos que serão executados, os simuladores são “acesos” e as equipes tomam posição de combate ao sinistro. É notória a sincronia e a grande importância do trabalho em equipe, bem como o papel da liderança nessas fainas, simulando de forma bem realista o que deverá ser feito no caso de uma ocorrência dessas a bordo, há toda uma série de verificações que são feitas pelas equipes antes de literalmente combater o fogo, o que demonstra a grande preocupação com a segurança de cada membro da equipe.

Na área Indoor, o instrutor primeiro faz uma apresentação dos tipos de extintores, leva as equipes para dentro do simulador e ensina os procedimentos que devem ser realizados em cada um dos casos simulados ali, sendo capaz de reproduzir incêndio em quadro elétrico, painel de sistemas, cozinha, paiol, escritório, alojamento e equipamentos. Após essa fase de familiarização, os simuladores indoor são “acesos” e um a um vai recebendo a indicação de qual foco deverá combater, onde o tripulante adentra a área, se dirige ao comunicador simulando o procedimento que deve ser executado, informando o nome do navio, patente e identifica o sinistro informando a localização do foco de incêndio, após esse procedimento o tripulante pega o extintor correspondente a categoria de incêndio, testa o equipamento e então dá combate ao foco. Após a extinção do foco, o tripulante retorna ao comunicador, mais uma vez se dirige ao comunicador e reporta o nome do navio, patente, o local do sinistro e o status do combate como controlado.

A experiência é muito boa, e nos mostrou o quão desafiador é uma faina de combate a incêndio, pois ali num ambiente controlado, já é possível replicar o calor e parte do stress que enfrentará a equipe numa situação real, pois a sincronia e precisão de cada membro é fundamental para o sucesso e principalmente a segurança de cada membro.

Após ser apresentado aos simuladores de CBINC, conhecemos o “Labirinto”, outro treinamento de grande importância aos tripulantes. Neste o militar e inserido em uma sala escura, cheia de obstáculos, um verdadeiro labirinto sem um mínimo de luz, e para aumentar a fidelidade do que seria abandonar um compartimento do navio em pane elétrica e sinistrado, ainda é adicionada fumaça a sala, elevando o fator de stress e elevando o grau de dificuldade para que o tripulante tenha noção de como proceder em uma situação real de abandono de compartimento tomado pela fumaça e sem iluminação.

Continuando nosso mergulho em busca de mais conhecimento sobre CAv, fomos conduzidos pelo nosso anfitrião, o Capitão-Tenente Luiz Gabriel, até os simuladores de Controle de Avarias Estruturais e de Alagamento, onde encontramos equipes da corveta V-32 Júlio de Noronha e do G-28 Mattoso Maia, o NDCC (Navio de Desembarque de Carros de Combate) que está passando por um período previsto de manutenções e atualizações.

No primeiro simulador, onde estava sendo adestrada a equipe do “Julio de Noronha”, havia uma sala de alagamento, onde se reproduz uma situação de alagamento em um compartimento do Navio, e no mesmo simulador, na outra sala era possível ver outra parte da equipe realizando uma faina de reforço estrutural, onde com uso de madeira foi montado um escoramento em “K” na escotilha de acesso ao compartimento alagado, além de um escoramento em “T” no teto do compartimento. O mais interessante nesse simulador é que ele conta com sistema que joga água em todas as partes do compartimento, literalmente dando um banho nos membros da equipe, reproduzindo a situação de stress e as dificuldades de trabalhar com jatos d’ água de todas as direções, o que leva a algo muito próximo do que pode ocorrer a bordo. No outro lado, a sala rapidamente foi alagada, cabendo a equipe realizar um escoramento em “K” na antepara, lembrando que diferente do que ocorre na sala ao lado, o compartimento está quase que completamente submerso, o que exige muito mais perícia no manuseio das ferramentas e no trabalho em equipe.

O simulador onde estava sendo adestrada a equipe do “Mattoso Maia”, reproduz avarias no costado do Navio, onde há vários “rombos”, por onde entram jatos de água e leva a necessidade de as equipes estancarem os “vazamentos” no casco com uso de variadas técnicas, além de exigir a montagem de vários tipos de escoramento, como o escoramento de antepara em “Triplo K”, de escotilha em “K”, Escoramento em “T” e o mais complexo que é o “H”.

O treinamento exige muito das tripulações, o que eleva consideravelmente a capacitação desses homens frente aos sinistros que podem ocorrer durante uma comissão ou mesmo com navio atracado, sendo um fator que pode ser decisivo não só entre o sucesso ou fracasso de determinada operação, mas crucial em situações que colocam esses profissionais entre a vida e a morte.

O GBN News pode através desta visita trazer ao conhecimento de todos um pouco mais sobre a formação de nossos “homens do mar”, demonstrando que a vida na Marinha do Brasil não é moleza como muitos por ai pensam. A vida militar exige muita ralação, é uma rotina severa de muito treinamento e avaliações que garante a presteza de nossa Marinha, lembrando que a melhor forma de lidar com um sinistro é estando preparado para lidar com ele, e essa é a missão do Centro de Adestramento Almirante Marques de Leão, que ao longo de sua existência vem contribuindo para o sucesso do emprego de nossos meios navais, constituindo uma ferramenta fundamental para o poder naval brasileiro.

Agradecemos a toda equipe do CAAML por ter recebido nosso editor e compartilhado conosco um pouco do conhecimento sobre o Controle de Avarias (CAv) na Marinha do Brasil.

Em breve pretendemos trazer mais sobre a formação de nossos militares, dando origem a uma nova e espetacular série que fará que você veja nossos militares de outra forma. Não esqueçam de conferir a cobertura dessa visita em vídeo no Canal Arte da Guerra, onde o Comte Robinson Farinazzo preparou um vídeo que irá complementará essa matéria em duas partes, a primeira sobre CBINC já esta no ar, e você confere clicando no link: “As reportagens militaresdo Nicolaci (CAAML)”



Por Angelo Nicolaci - Jornalista, editor do GBN News, graduando em Relações Internacionais pela UCAM, especialista em geopolítica do oriente médio e leste europeu, especialista em assuntos de defesa e segurança



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