A ideia original de prover invisibilidade aos ativos militares, – particularmente belonaves -, no campo de batalha, nasceu com o chamado Projeto Philadelphia, durante a Segunda Guerra Mundial. De modo diverso de seu congênere, o Projeto Manhattan (que logrou desenvolver e construir a bomba atômica), o Projeto Philadelphia, após consumir muitos milhões de dólares (alguns bilhões de dólares em moeda de 2018), não obteve qualquer êxito operacional, tendo sido definitivamente abandonado logo após o término do conflito mundial para, somente em tempos mais recentes, ter sido retomado, ainda assim a partir de premissas científicas completamente diferentes daquelas originalmente formuladas.
Em seu lugar, entretanto, logo no início da década de 1950, – com ênfase não mais em navios de guerra, mas em aeronaves militares, em decorrência da negativa soviética de aceitar a proposta estadunidense de “política de céus abertos” -, nasceu a ideia (original) da furtividade, uma concepção diametralmente diversa, uma vez que associada não propriamente à questão da proteção contra a visibilidade ótica, mas sim relativa à defesa contra a detecção eletrônica, notadamente realizada por equipamentos de radar, o que se convencionou chamar de “invisibilidade relativa”.
O ineditismo dessa nova (e revolucionária) tecnologia acabou por lhe assegurar não somente uma denominação especial, mas, mais do que isto, um conceito próprio e específico na Polemologia (Ciência da Guerra), com a denominação genérica de “tecnologia stealth”.
USS Eldridge utilizado nos experimentos do "Projeto Philadelphia" |
A necessidade de se conceber uma tecnologia inovadora de invisibilidade relativa das aeronaves, em relação aos radares e aos demais meios de detecção, nasceu originariamente no final da década de 1950 (em relação, sobretudo, aos aviões de reconhecimento estratégico), acentuando-se, particularmente, durante os anos 1960, quando ficou claro, para as autoridades militares norte-americanas, que o contínuo avanço no desenvolvimento da tecnologia de mísseis antiaéreos (SAM- Surface Air Missile) acabaria por suplantar todas as contra-tentativas estadunidenses de projetar e construir aeronaves que voassem, cada vez com melhor desempenho, em altitudes extremamente elevadas (superiores a 25.000 metros) e em velocidades cada vez maiores (acima de Mach 3.0), e mesmo de desenvolver toda sorte de técnicas de interferências eletrônicas nos radares adversários.
O U-2 enfrentou seu algoz soviético, o SA-2 Guideline |
A destruição de uma sofisticada aeronave de reconhecimento estratégico U-2, em 1960 , por um míssil soviético SA-2 Guideline, nos céus da União Soviética, – ainda que não tenha convencido completamente parte da elite militar norte-americana sobre a necessidade de tornar suas aeronaves relativamente invisíveis aos radares -, acendeu a luz amarela quanto aos limites do desenvolvimento de aeronaves de altíssima performance (seja no que concerne ao teto operacional, seja ao que alude a elevadíssimas velocidades).
Ainda assim, projetou-se e construiu-se protótipos do caça interceptador YF-12 (dotado de mísseis ar-ar de extrema sofisticação que, mais tarde, viabilizaram a construção e o desdobramento do AIM-54 Phoenix para o caça F-14 Tomcat); fabricou-se o lendário avião de reconhecimento estratégico SR-71 Blackbird (dotado de capacidade de voar, em situações extremas, a até 36.000 m de altitude e a Mach 3.2; não obstante o seu teto operacional fosse de 25.000 m e sua velocidade se situasse em torno de Mach 3), que se tornou operacional entre 1966 e 1999; e concebeu-se o incrível bombardeiro estratégico B-70 Valkyrie, uma aeronave projetada para voar em elevadíssimas altitudes (entre 25 e 30.000 metros) e a uma velocidade superior a Mach 3 (supostamente invulnerável aos mais sofisticados mísseis de defesa aérea e a caças interceptadores soviéticos de última geração, ainda em fase de projeto), mas que, entretanto, jamais entrou em operação, tendo sido substituído pelo projeto do bombardeiro B-1A, dotado, – em uma verdadeira reviravolta de toda a concepção estratégica que perdurou até o final da década de 1960 -, de uma capacidade (inversa) de penetração com reduzida imagem de radar (Radar Cross Section – RCS) e em baixíssimas altitudes (voando, como se costumava afirmar à época, “sobre a copa das árvores”), combinada com altas velocidades relativas, próximas a Mach 1.2, considerando a reconhecida incapacidade, naquele momento histórico, de se detectar (e, particularmente, “travar” no alvo) aviões voando a baixas altitudes, próximas ao solo ou ao mar.
B-1 Lancer: era duvidosa sua sobrevivência em céus soviéticos. |
Com o rápido desenvolvimento de radares cada vez mais sofisticados, – inclusive com a surpreendente capacidade soviética de copiar, já no final dos anos 1960, um radar semelhante ao utilizado, pela primeira vez, no F-4 Phantom II (do tipo lock down shot down), em seu interceptador de altíssima velocidade Mig 25 Foxbat (Mach 2.8) -, toda a concepção, tanto a apresentada pelo B-70 Valkyrie como pelo B-1A (e mesmo pela sua versão aprimorada B-1B Lancer, provida de menor velocidade, – Mach 1.2 em comparação com a Mach 2 da versão original -, mas com maior carga bélica, – 60 ton versus 51 ton da versão primitiva -, e melhor habilidade de penetração a baixa altitude) tornou-se obsoleta, criando, finalmente, uma unanimidade, dentre os principais líderes militares norte-americanos, quanto à necessidade de meios que anulassem (em definitivo) a capacidade de detecção das aeronaves militares norte-americanas; ou seja, a tecnologia stealth.
Posteriormente, e em necessária adição, uma ampla reflexão sobre as elevadas perdas de meios aéreos na Guerra do Vietnã apenas reforçou o convencimento das autoridades estadunidenses, disparando um verdadeiro “alerta vermelho” no Pentágono quanto à imprescindibilidade do desenvolvimento e aprimoramento da tecnologia stealth (e a correspondente criação de aeronaves de 5ª geração), posto que, de uma certa forma, a eficiência operacional dos sistemas defensivos soviéticos “jogava por terra” toda a estratégia militar de contenção (através do estabelecimento de uma nítida superioridade aérea) em uma eventual (e hipotética) guerra na Europa contra as forças do Pacto de Varsóvia (expressivamente superiores em efetivos e blindados) e que, agora, dotadas de múltiplos sistemas SAM, simplesmente poderiam (potencialmente) anular a capacidade ocidental de implantar o imperioso “domínio dos céus” no campo de batalha.
Por: Reis Friede é Desembargador Federal, Professor Emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e Professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR).
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