A República Popular da China vem sendo notícia de destaque nos principais meios de comunicação por seu extraordinário crescimento econômico, que recentemente a fez ultrapassar o Japão e galgar o segundo lugar dentre as economias mais fortes do mundo, só superada pela norte-americana.
Essa visão da China sob o prisma da economia, é reforçada pelas crises econômicas que têm afetado as principais potências ocidentais, dentre elas a União Europeia e os EUA, embora os norte americanos possam permanecer, pelo menos nas décadas vindouras, como o país mais poderoso do planeta.
O crescimento chinês revela dois aspectos geopoliticamente importantes para o século XXI:
1º - Há um claro deslocamento do eixo de poder para a Ásia, reduzindo a pressão hegemônica de liderança mundial dos EUA e impondo ao Ocidente algum compartilhamento de poderes com uma potência oriental.
2º - Existe uma probabilidade considerável de que com a pujança chinesa, a força das economias crescentes do Sudeste Asiático, a recuperação da Rússia, a superação da recessão pelo Japão e o crescimento da Índia, levar os Estados Unidos e seus principais aliados ocidentais a se dobrar perante o vigor da economia asiática, que poderá vir a formar a mais poderosa área de livre comércio do mundo, moldada sob os costumes e tradições orientais (bastante dissociados da “ordem mundial” do século XX, construída nos moldes ocidentais).
3º - Se faz pertinente, em sua corrida rumo a uma possível igualação de poder econômico com os EUA, a China não cometer o erro de crescer economicamente sem desenvolver um Poder Militar continental e naval compatível com o Poder Nacional econômico alcançado, com a necessidade de respaldar suas ações políticas na região e no mundo.
4º - A China está em transição, da condição de potência terrestre emergente para potência naval global, com condições de proteger suas rotas marítimas em quaisquer mares do mundo.
Lembremos a frase atribuída a Napoleão Bonaparte há dois séculos: “Deixem a China dormir, pois, quando acordar, o mundo estremecerá”.
A China, ao longo dos séculos, tem sido observada principalmente como um grande poder terrestre alicerçado em seu enorme território e em sua gigantesca população (um em cada cinco dos habitantes da Terra é chinês), esta visão de potência terrestre permaneceu até o fim da Guerra Fria, quando se passou a perceber um notável esforço chinês para evoluir de uma postura naval costeira para passar a desenvolver uma “Marinha de águas azuis”, capaz de defender os interesses estratégicos chineses mais importantes, principalmente no que tange à proteção de suas linhas de comunicação marítimas que representam as artérias de seu crescimento econômico.
A China há décadas desenvolveu um planejamento estratégico visando diversos fatores:
1º - A possibilidade de um conflito militar caso Taiwan decidisse proclamar sua independência. Fato que ocorreu, tendo Taiwan sido reconhecida pela ONU como um país independente e recebeu assento na organização, porém, apesar dos protestos diplomáticos da China na ONU, ela não pôs em ação seu plano de invasão anfíbia e retomada da ilha.
2º - A degeneração da situação política e militar da Coreia do Norte e seus desdobramentos na península coreana. O que de fato está acontecendo neste exato momento.
3º - Litígios diversos, envolvendo interesses japoneses, americanos e de outros países do Sudeste Asiático, sobre ilhas e áreas marítimas ricas em recursos naturais, cujas disputas remontam à era colonial não resolvidas.
Todos esses fatores levam à necessidade da China também se tornar uma potência naval com capacidade de atuar em quaisquer mares do mundo, o que buscam freneticamente com seu programa de construção naval, a atual visão da China é bastante clara, sem um Poder Naval capaz de dominar pelo menos o Mar da China Meridional e suas rotas de abastecimento, seus objetivos estratégicos, que incluem a liderança da Ásia e do comércio que transita pelo Oceano Pacífico, ficam bastante vulneráveis.
Para ter sucesso nesta empreitada, a China não ignora que a porta para a hegemonia asiática é o Mar da China Meridional que é a porta para disputar a hegemonia mundial e o Oeste do Pacífico.
Diante deste fato a China está desenvolvendo aceleradamente uma força naval que, não visa especificamente um enfrentamento com a US Navy, mas sim outros oponentes:
1º - O poderoso crescimento do poder naval indiano e sua influência no Índico Oriental e Pacífico sul, justamente onde estão as mais importantes rotas marítimas na visão chinesa.
2º - O também poderoso renascimento do poder naval japonês, e a discussão interna japonesa visando rever o artigo em sua constituição que os proíbe de ter forças navais ofensivas.
A China delineou uma estratégia sem denotar “soberania”, que busca tornar a Ásia a mais poderosa área de livre comércio do mundo, moldada sob costumes e tradições orientais, dissociada da “ordem mundial” do século XX.
Em sua primeira etapa, esta estratégia pretende estender suas operações até a linha de ilhas que servirão de bases avançadas e barreiras para as forças navais ofensivas de um hipotético inimigo. Ela se inicia ao norte do Japão, desce até Taiwan e prossegue até mais ao sul, rumo às Filipinas e ao norte da Indonésia.
Na segunda etapa, dependente da finalização de seu programa de construção naval de navios de longo curso, incluindo Porta Aviões em quantidade e Cruzadores para escoltá-los, transformando a PLA Navy de uma força naval regionalmente forte, em uma força naval capaz de agir mundialmente, ela já abrange a Indonésia, a Micronésia, chegando à Austrália e a Nova Zelândia, o que decerto será visto como uma ameaça aos interesses americanos, japoneses, russos, indianos, australianos, neozelandeses e das potências ocidentais.
O Leste Asiático contempla um cenário marítimo gigantesco, que se estende desde a Latitude 50º Norte, nas Ilhas Kurilas, até a Latitude 50º Sul, nas ilhas neozelandesas. Neste cenário, o Mar da China Meridional, ou Mar do Sul da China, estende-se desde o Estreito de Taiwan até o Estreito de Málaca e une o Sudeste Asiático com o Oceano Pacífico Ocidental, abrigando (ou expondo) em sua vasta área as principais linhas vitais de comunicações marítimas que nutrem as economias emergentes da Ásia, como escoadouro marítimo da Eurásia. Esse mar comporta cerca de um terço do tráfego marítimo mundial, cerca de metade da tonelagem mercante do mundo anualmente passa pelos "choke points" representados pelos pontos de interseção de diversas rotas, tais como os estreitos de Málaca, Sunda, Makassar e Lombok, todos de importância vital para a economia asiática (principalmente a chinesa e a japonesa, por seus vultos).
Com particular importância para a navegação é a intercessão do Estreito de Málaca, pois esta intercessão de rotas marítimas, faz a ligação entre o Índico e o Pacífico, cujo trecho mais estreito tem menos de 2 milhas de largura. Contempla o trânsito de cerca de ¼ do petróleo mundial, com mais de 50 mil navios por ano, tendo como destino todos os países consumidores asiáticos do Pacífico, inclusive as poderosas economias da China e do Japão.
As rotas alternativas existem e são os Estreitos de Sunda, Lombok e Makassar que não exigem grandes aumentos de distância a navegar, mas são igualmente regiões de navegação difícil, sujeitas a ações de pirataria, terrorismo, vulneráveis à obstrução por forças navais hostis, em todas elas, sem exceção, a navegação é perigosa, com diversas colisões e aterramentos naturais que podem causar obstruções e desastres ecológicos de grande monta. O Estreito de Málaca e suas alternativas, situam-se em ambiente geopoliticamente complexo, pois ali estão presentes fortes interesses econômicos dos EUA e do seu maior aliado no Extremo Oriente, o Japão, face a face com forças navais de seu maior rival oriental, a China. Esses fatores resultam numa forte presença naval americana na região. A esquadra americana estacionada na região com presença permanente em bases navais em mares japoneses e sul coreanos, é a mais poderosa força naval avançada norte americana, cabendo-lhe a defesa dos interesses marítimos americanos na Ásia, inclusive à proteção da Coreia do Sul, aliada norte-americana, de Taiwan e a do próprio Japão, todas estas nações, possuem com os EUA tratados de proteção militar.
O petróleo transportado por mar do Oceano Índico para o Leste Asiático, via Estreito de Málaca e Mar da China Meridional, tem volume seis vezes maior do que o óleo que passa pelo Canal de Suez, e 17 vezes maior do que o transportado via Canal de Panamá, no que diz respeito à China, isso significa cerca de 80% do óleo bruto importado pelo país via seu mar meridional.
Além da importância estratégica destes "choke points" representados pelos pontos de interseção de diversas rotas, há que se levar em conta que segundo analistas a região marítima em questão abriga reservas de petróleo comprovadas com mais de 7 bilhões de barris, e reservas estimadas que ultrapassam 28 bilhões de barris, além de uma reserva de gás natural estimada em cerca de 900 trilhões de pés cúbicos, sem contar um dos mais ricos potenciais pesqueiros do planeta.
O problema não se restringe às rotas de abastecimento e de comércio na importância do Mar da China Meridional para os chineses e demais potências regionais, como dito acima, existem diversos litígios territoriais que pontuam a área desde longa data. Grande parte dessa estratégica região marítima é objeto de reivindicações chinesas, vietnamitas e Taiwanesas, abrangendo principalmente os arquipélagos das ilhas Spratly e Paracel, que já deram margem a escaramuças navais entre China e Vietnã nos anos 90; há os litígios territoriais sino-japoneses que contemplam as ilhas Diaoyu e Senkaku mais ao norte, que comprovadamente possuem extensas reservas petrolíferas próximas, não podendo ainda nos esquecer a complexidade da questão ligada à soberania de Taiwan, que o governo chinês dentro de sua inarredável política de só existir uma única China, inclui Taiwan e o Tibete, que não abre mão de considerar como uma província rebelde.
Para se ter uma ideia da visão chinesa quanto a Taiwan, em 2010, os EUA sugeriram que se negociasse um código de conduta para a área em disputa, os chineses reagiram violentamente, declarando que isso seria um ataque à soberania da nação chinesa. É relevante registrar, que mesmo sem conseguir amparar seus pleitos territoriais em princípios e parâmetros internacionalmente aceitos e reconhecidos pela Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, a China desde o final dos anos 40, dá publicidade a mapas que delimitam o que alegadamente representam ser seu mar territorial, com uma linha em forma de U, lembrando o governo da República Nacionalista da China de Chiang Kai-shek em 1947, portanto antes da Revolução Comunista de Mao, o primeiro a reivindicar essa extensa área marítima em forma de U, delimitada livremente por seis linhas traçadas sobre um mapa do Mar da China Meridional, como sendo mar territorial chinês, reivindicação esta, baseada tão somente em circunstâncias históricas de muitos séculos atrás, que também sustentada pelo governo comunista que tomou o poder em 1949.
A consulta a qualquer mapa que ilustre esse pleito revela que essas linhas, que abrangem uma extensa área marítima, inclui os arquipélagos das disputadas ilhas Spratly e Paracel, chegando até o sul de Taiwan, e não delimitam com precisão o que seria esse mar territorial, o que obviamente foi protestado por todos os países afetados (Filipinas, Indonésia, Vietnã, Malásia, Brunei e até depois da queda do regime de Chiang Kai-shek e sua fuga para Taiwan, também a “ilha rebelde”).
Bem recentemente, em 2009, diante do reiterado pleito chinês, novos protestos sobre a ilegalidade dessa pretensa demarcação territorial marítima foram feitos na ONU. Em 2010, os EUA se manifestaram oficialmente em uma conferência em Hanói, visando uma reaproximação com o Vietnam, reafirmando que têm firme interesse na liberdade de navegação e no acesso aberto às áreas de comércio asiáticas, clamando pelo respeito às leis internacionais. Os dez países da ASEAN (Association of South East Ásia Nations) também aproveitaram e não deixaram passar em branco o recrudescimento das reivindicações chinesas, manifestando em 2011 que a Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar não reconhece argumentos históricos como base para reivindicações de soberania, porém, reside nesta argumentação da ASEAN (Association of South East Ásia Nations) uma fraqueza, embora mais de 160 países tenham firmado os acordos da Conferência (Unclos), muitos não o fizeram, ou ratificaram com restrições marcantes, que é o caso da China, ou simplesmente não ratificaram a assinatura, um exemplo marcante dos próprios EUA. Não obstante, todo esse conjunto de diferenças de opinião, registre-se que até o presente a China não bloqueou de modo militar naval ostensivo a navegação nas águas reivindicadas,sob o argumento de soberania histórica.
O Oceano Pacífico é o maior oceano integrador das economias do planeta, e o leste asiático tende a ser o grande centro comercial e manufatureiro do mundo neste século, bem como o maior centro de crescimento de poderes militares navais e aéreos, o que são razões mais do que suficientes para se entender a necessidade de preservação da paz regional.
A guerra na Europa foi um panorama terrestre (Landscape), ao passo que na Ásia o panorama é naval (Seascape), o que imprime diferenças fundamentais entre os conflitos do século passado e os potenciais conflitos deste século, efetivamente, as áreas mais contestadas do globo no século passado residiam em terra firme na Europa, mas o deslocamento do eixo de poder para a Eurásia e particularmente para o leste da Ásia, faz surgir um século de conflitos mais voltado aos cenários de operação aeronaval.
Realmente nos mares do sudeste, do leste e do sul da Ásia, são marcantes a forte presença de forças da China e do Japão, que está em pleno reequipamento e em processo de extinção das limitações constitucionais impostas á suas Forças de Autodefesa pelo tratado de rendição da Segunda Guerra Mundial, isso com fortíssimo apoio americano, além é claro, das forças navais da própria US Navy, Rússia, Coreia do Sul e outras menores, mas nada desprezíveis, como os submarinos e forças nucleares norte coreanas.
Diferentemente das guerras desenvolvidas nas grandes zonas terrestres, que costumam vitimar grandes quantidades de populações civis, um conflito aeronaval tem todos os requisitos para se desenvolver de forma essencialmente técnica, restrita aos mares e seus espaços aéreos, assim também contrastando com o século passado, além disso, tem-se que as motivações presentes na Ásia são bem distintas das guerras terrestres do século passado, quanto as deste século na Ásia. Particularmente no oeste do Pacífico, a dinâmica é diferente, carreando poucos dilemas morais, ou “freios morais”, para a potencialidade dos conflitos e para sua eclosão, se ocorrer, a guerra nesse cenário volta a ser assunto para os experts em defesa, em grande parte isso se deve ao fato de ser essencialmente naval, com a exceção de um possível conflito terrestre na península coreana, que inexoravelmente também terá desdobramentos navais.
É pertinente acrescentar a essas considerações que a natureza dos possíveis conflitos na área em foco é isenta de ingredientes nucleares, (cabendo excetuar, uma vez mais, uma possível ação tresloucada do governo comunista norte-coreano, cujo programa nuclear é prioritariamente ofensivo, sendo motivo de preocupações para todos os países da região, incluindo a China.
Há outro aspecto diferenciador em relação ao século passado que deve ser levado em conta. Quando ocorreram os “choques do petróleo”, o mundo ocidental enfrentou uma grave crise da qual a Ásia tirou proveito, diante disto o leste asiático tende a ser o grande centro comercial e manufatureiro do mundo neste século, bem como o maior centro de crescimento de poderes militares. Até agora a maior potência industrial e econômica deste século é o poderio americano, que reunia um poderio militar, industrial e econômico muitas vezes superior ao dos países árabes, donos das grandes jazidas petrolíferas.
Se todavia a China adotar uma estratégia de guerra assimétrica e der um “choque de produção” no ocidente, com as fábricas chinesas jogando para cima os preços dos produtos, que produzem cada vez a preços mais baixos para os ocidentais, donos apenas de grifes, poder-se-á ter uma situação em que o poderio militar ocidental estaria igualado, ou até superado, pelo chinês.
As fronteiras terrestres chinesas estão consolidadas e estáveis, mas o mesmo não se pode dizer quando a China, engajada em substancial programa de construção naval militar moderna, olha para o mar. Sob o prisma marítimo da China, todos os Estados que bordejam o Mar da China Meridional, têm alguma reivindicação junto a ela e vice-versa, o que faz os EUA com seus grandes interesses comerciais na área, exercer o papel de fiador da paz regional, mantendo uma grande presença militar naval de prontidão, o que gera um desgaste econômico imenso nos próprios EUA. Todavia, as tendências no presente são mais voltadas para as tentativas de acomodação diplomática das disputas e para os acordos comerciais, mas tudo isso só será possível se os poderes navais do cenário estratégico em causa se mantiverem razoavelmente equilibrados, ou não sofrerem uma alteração que desequilibre desfavoravelmente à US Navy.
Por: CMG RR Fernando Malburg, atualizada por Augusto Cesar Peixoto Vianna - Colaborador GBN News
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