A declaração
assinada ontem (12) em Cingapura por Donald Trump e Kim Jong-un foi vista como
uma vitória norte-coreana em virtude dos termos adotados. Em vez da expressão
“desnuclearização completa, verificável e irreversível”, resumida pela sigla em
inglês CVID, o texto final fala apenas de modo vago que a Coreia do Norte se
compromete a “trabalhar rumo à desnuclearização completa”.
A linha-dura dos negociadores americanos,
representada pelo conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, insistia nos
termos mais rígidos. Mas Kim dificilmente assinaria algo tão definitivo. A
concessão americana era esperada. Fazia parte do roteiro traçado pelo
secretário de Estado, Mike Pompeo, para garantir a Trump a oportunidade de uma
vitória diplomática no campo do desarmamento nuclear.
O maior vitorioso, contudo, estava ausente da
cúpula, agindo apenas nos bastidores: a China. “Ao avaliar o resultado, o
grande vencedor foi a China”, diz o analista Ryan Hass, do Centro para Estudos
Políticos da Ásia Oriental. “Ela gostaria de ver uma redução nas forças
militares no Nordeste Asiático e a ampliação da distância entre os Estados
Unidos e seus parceiros. Está a caminho de atingir tais objetivos a custo mínimo.
”
Não é coincidência que Kim tenha viajado a
Pequim duas vezes em meio à preparação para a cúpula, no final de março (quando
encontrou pela primeira vez o presidente chinês, Xi Jinping) e no início de
maio.
“Foi uma oportunidade de ouro para Pequim
restabelecer seu papel”, afirma um relatório do Crisis Group.
“Reforçou a posição de Xi para influenciar o rumo de futuras negociações, ao
ceder ao desejo evidente de Kim por apoio econômico e diplomático. ” Dias
depois do encontro em maio, Kim fechou o centro de testes nucleares de
Punggye-ri, a 100 quilômetros da fronteira chinesa.
Também não é coincidência que, assim que
terminou o encontro entre Kim e Trump, Pompeo tenha viajado não de volta para
os Estados Unidos – mas para Pequim, em sua primeira visita oficial à China.
Além da cúpula de Cingapura, a agenda entre os dois países inclui a disputa em
torno de Taiwan, as ilhas no mar do Sul da China e, com mais urgência, as
tarifas de 25% que os Estados Unidos prometem impor à importação produtos
chineses na próxima sexta-feira, num total que pode chegar a US$ 50 bilhões de
dólares – e provocará, segundo já declarou o governo chinês, retaliação
imediata.
Pompeo se tornou o principal articulador da
diplomacia americana e, ao contrário do antecessor Rex Tillerson, desfruta
confiança plena de Trump para dar sequência à negociação com os norte-coreanos.
“A bola agora passou, corretamente, para o campo de Pompeo”, diz Michael
O’Hanlon, diretor de pesquisa da Foreign Policy.
As linhas gerais da negociação deverão
envolver um inventário das instalações nucleares norte-coreanas, a permissão
para inspeções internacionais, o congelamento da produção de material atômico
para uso militar e o desmantelamento de centrífugas e outras tecnologias.
“Algumas sanções da ONU poderiam ser suspensas à medida que houver progresso”,
afirma O’Hanlon.
O Crisis Group sugere um acordo em quatro
passos, incluindo não apenas as armas nucleares, mas também a negociação de um
tratado de paz para substituir o armistício que encerrou a Guerra da Coreia em
1953, com a revisão da presença de tropas americanas na região, como sugeriu
ontem o próprio Trump.
O primeiro passo seria o compromisso
norte-coreano em manter o congelamento do programa nuclear e em interromper o
lançamento de mísseis de curto e longo alcance. O segundo envolveria medidas
que ampliassem o escopo da interrupção, como a assinatura do tratado
internacional que proíbe testes nucleares.
O terceiro passo, o mais complexo e demorado,
seria estabelecer um sistema de monitoramento tanto das instalações nucleares
quanto balísticas. O quarto traria, enfim, o congelamento definitivo da
produção de armas nucleares, mísseis e de todos os seus insumos e tecnologias.
Em contrapartida à execução de cada um desses passos, os Estados Unidos e
demais envolvidos nas negociações poderiam oferecer o tratado de paz para
substituir o armistício de 1953, o restabelecimento de relações diplomáticas,
garantias de segurança (como o fim de exercícios militares conjuntos na Coreia
do Sul), um pacto de não-agressão que preservasse a Península Coreana na
configuração atual e a suspensão de sanções econômicas em setores como têxteis,
pescados e recursos naturais, além das que não têm relação com a atividade
militar.
Uma negociação nesses termos seria outra
vitória óbvia da tirania mantida há décadas pela dinastia Kim. “A Coreia do
Norte pode atingir a meta da unificação nos termos ditados por Pyongyang se
continuar a extrair concessões por mau comportamento”, escreve Michael
Dougherty na National Review.
Mas seria antes de tudo uma vitória de
Pequim, cujo maior temor é a deflagração de um conflito na região ou uma
unificação das Coreias que trouxesse Pyongyang definitivamente para a órbita de
influência ocidental. As metas chinesas são: não haver guerra, nem caos, nem
armas nucleares na Península Coreana.
“Pequim pode aceitar tranquilamente um modus vivendi em que Pyongyang tenha um nível básico de
dissuasão, como Kim reivindicou em novembro de 2017, e se comprometa e
interromper os testes”, afirma o Crisis Group. O objetivo de longo prazo da
China é reduzir a influência americana na Ásia e aumentar a chinesa.
É exatamente esse o rumo que as conversas
parecem tomar, a julgar pelo compromisso de Trump em diminuir a presença de
tropas na Coreia do Sul, que pegou os próprios sul-coreanos de surpresa.
A declaração que Kim e o presidente
sul-coreano, Moon Jae-in, assinaram em Panmunjom no mês de abril prevê
negociações entre quatro partes – as duas Coreias, Estados Unidos e China –
para alcançar a paz na península. A China tem sido até agora a parte de
presença menos ostensiva. Mas também tem sido a mais vitoriosa.
Fonte: G1 Notícias
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