quarta-feira, 13 de junho de 2018

Acordo na Coreia é vitória da China


A declaração assinada ontem (12) em Cingapura por Donald Trump e Kim Jong-un foi vista como uma vitória norte-coreana em virtude dos termos adotados. Em vez da expressão “desnuclearização completa, verificável e irreversível”, resumida pela sigla em inglês CVID, o texto final fala apenas de modo vago que a Coreia do Norte se compromete a “trabalhar rumo à desnuclearização completa”.

A linha-dura dos negociadores americanos, representada pelo conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, insistia nos termos mais rígidos. Mas Kim dificilmente assinaria algo tão definitivo. A concessão americana era esperada. Fazia parte do roteiro traçado pelo secretário de Estado, Mike Pompeo, para garantir a Trump a oportunidade de uma vitória diplomática no campo do desarmamento nuclear.

O maior vitorioso, contudo, estava ausente da cúpula, agindo apenas nos bastidores: a China. “Ao avaliar o resultado, o grande vencedor foi a China”, diz o analista Ryan Hass, do Centro para Estudos Políticos da Ásia Oriental. “Ela gostaria de ver uma redução nas forças militares no Nordeste Asiático e a ampliação da distância entre os Estados Unidos e seus parceiros. Está a caminho de atingir tais objetivos a custo mínimo. ”

Não é coincidência que Kim tenha viajado a Pequim duas vezes em meio à preparação para a cúpula, no final de março (quando encontrou pela primeira vez o presidente chinês, Xi Jinping) e no início de maio.

“Foi uma oportunidade de ouro para Pequim restabelecer seu papel”, afirma um relatório do Crisis Group. “Reforçou a posição de Xi para influenciar o rumo de futuras negociações, ao ceder ao desejo evidente de Kim por apoio econômico e diplomático. ” Dias depois do encontro em maio, Kim fechou o centro de testes nucleares de Punggye-ri, a 100 quilômetros da fronteira chinesa.

Também não é coincidência que, assim que terminou o encontro entre Kim e Trump, Pompeo tenha viajado não de volta para os Estados Unidos – mas para Pequim, em sua primeira visita oficial à China.

Além da cúpula de Cingapura, a agenda entre os dois países inclui a disputa em torno de Taiwan, as ilhas no mar do Sul da China e, com mais urgência, as tarifas de 25% que os Estados Unidos prometem impor à importação produtos chineses na próxima sexta-feira, num total que pode chegar a US$ 50 bilhões de dólares – e provocará, segundo já declarou o governo chinês, retaliação imediata.

Pompeo se tornou o principal articulador da diplomacia americana e, ao contrário do antecessor Rex Tillerson, desfruta confiança plena de Trump para dar sequência à negociação com os norte-coreanos. “A bola agora passou, corretamente, para o campo de Pompeo”, diz Michael O’Hanlon, diretor de pesquisa da Foreign Policy.

As linhas gerais da negociação deverão envolver um inventário das instalações nucleares norte-coreanas, a permissão para inspeções internacionais, o congelamento da produção de material atômico para uso militar e o desmantelamento de centrífugas e outras tecnologias. “Algumas sanções da ONU poderiam ser suspensas à medida que houver progresso”, afirma O’Hanlon.

O Crisis Group sugere um acordo em quatro passos, incluindo não apenas as armas nucleares, mas também a negociação de um tratado de paz para substituir o armistício que encerrou a Guerra da Coreia em 1953, com a revisão da presença de tropas americanas na região, como sugeriu ontem o próprio Trump.

O primeiro passo seria o compromisso norte-coreano em manter o congelamento do programa nuclear e em interromper o lançamento de mísseis de curto e longo alcance. O segundo envolveria medidas que ampliassem o escopo da interrupção, como a assinatura do tratado internacional que proíbe testes nucleares.

O terceiro passo, o mais complexo e demorado, seria estabelecer um sistema de monitoramento tanto das instalações nucleares quanto balísticas. O quarto traria, enfim, o congelamento definitivo da produção de armas nucleares, mísseis e de todos os seus insumos e tecnologias.

Em contrapartida à execução de cada um desses passos, os Estados Unidos e demais envolvidos nas negociações poderiam oferecer o tratado de paz para substituir o armistício de 1953, o restabelecimento de relações diplomáticas, garantias de segurança (como o fim de exercícios militares conjuntos na Coreia do Sul), um pacto de não-agressão que preservasse a Península Coreana na configuração atual e a suspensão de sanções econômicas em setores como têxteis, pescados e recursos naturais, além das que não têm relação com a atividade militar.

Uma negociação nesses termos seria outra vitória óbvia da tirania mantida há décadas pela dinastia Kim. “A Coreia do Norte pode atingir a meta da unificação nos termos ditados por Pyongyang se continuar a extrair concessões por mau comportamento”, escreve Michael Dougherty na National Review.

Mas seria antes de tudo uma vitória de Pequim, cujo maior temor é a deflagração de um conflito na região ou uma unificação das Coreias que trouxesse Pyongyang definitivamente para a órbita de influência ocidental. As metas chinesas são: não haver guerra, nem caos, nem armas nucleares na Península Coreana.

“Pequim pode aceitar tranquilamente um modus vivendi em que Pyongyang tenha um nível básico de dissuasão, como Kim reivindicou em novembro de 2017, e se comprometa e interromper os testes”, afirma o Crisis Group. O objetivo de longo prazo da China é reduzir a influência americana na Ásia e aumentar a chinesa.

É exatamente esse o rumo que as conversas parecem tomar, a julgar pelo compromisso de Trump em diminuir a presença de tropas na Coreia do Sul, que pegou os próprios sul-coreanos de surpresa.

A declaração que Kim e o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, assinaram em Panmunjom no mês de abril prevê negociações entre quatro partes – as duas Coreias, Estados Unidos e China – para alcançar a paz na península. A China tem sido até agora a parte de presença menos ostensiva. Mas também tem sido a mais vitoriosa.

Fonte: G1 Notícias

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