domingo, 21 de janeiro de 2018

Ofensiva turca na Síria - Um panorama do cenário geopolítico pelo GBN News

A Turquia no último sábado (20) lançou uma ofensiva contra o grupo turco que é pela mesma classificado como sendo terrorista, o qual possui um histórico de confrontos ao longo da fronteira entre a Síria e a Turquia, região reivindicada pelo grupo como território curdo. Nosso editor, Angelo Nicolaci, resolveu escrever um panorama a ação turca, uma vez que os curdos tem tido apoio norte americano, o que em parte levou a resposta de Ancara com uma ação militar. Tal cenário possui uma complexidade muito grande e que em parte não tem sido observada, então, acompanhem abaixo a análise feita pelo editor do GBN News acerca dos fatos e uma perspectiva do que pode acontecer em conseqüência da ação turca.

Para entender um pouco sobre a dinâmica que se desenvolve no conflito Sírio, agora com uma ofensiva da Turquia na região de Afrin, é preciso conhecer o histórico daquele enclave, onde desde o inicio do conflito interno sírio, houve uma retirada das forças legitimas do governo sírio daquela, o qual teve de agrupar seu exercito para defender Damasco e o governo diante da grave crise interna que levou a uma guerra civil e ao surgimento de diversos grupos extremistas e de oposição ao governo de Bashar Al Assad. Não é objetivo deste artigo aprofundar no conflito sírio, mas traçar uma análise para entendermos melhor o que esta envolvido na região de Afrin.

A retirada das forças de Assad da região em 2012, deixou um vácuo que logo foi ocupado por grupos curdos que há décadas sonhavam com o controle da região, tornando Afrin e o entorno da fronteira com a Turquia, um dos mais importantes redutos de grupos como PYD e PKK, ambos classificados como terroristas pelo governo de Ancara.

Porém, diante da ascensão da ameaça representada pelo EI e outros grupos extremistas, o foco do conflito foi o combate a estes grupos, temendo-se que o mesmo derruba-se o governo sírio e tomasse o poder naquele país, consolidando a conquista de importantes cidades no Iraque. Esta “guerra ao EI”, foi a oportunidade que os curdos esperavam para obter apoio militar externo, com norte americanos e seus aliados enviando consultores e armamento para equipar os curdos afim de usá-los para dar combate aos extremistas, o que representaria menor custo e desgaste para os EUA e seus aliados, os quais assimilaram algumas lições do Afeganistão.

Grupos curdos receberam preparo e armas para lutar contra o inimigo comum representado pelo EI, e agora com a derrocada do EI, surge uma nova problemática, pois os curdos agora representam ameaça a integridade territorial não só da Síria, mas do Iraque e Turquia, uma vez que os mesmos acreditam que após a derrota do EI e a situação ainda incerta a cerca do território sírio, o qual se vê partilhado entre o governo legítimo de Assad e grupos opositores ao governo, com parte do território em poder do PYD e PKK.

A decisão de Erdogan em lançar uma ofensiva contra os curdos, surgiu após o anúncio norte americano de apoiar os curdos na região de Afrin, prometendo ao mesmo apoio militar e treinamento, o que teve uma resposta imediata de Ancara, desaprovando a política dos EUA para região. Vale ressaltar que o governo dos EUA e a Turquia, apesar de membros da OTAN, atravessam um período complicado em suas relações bilaterais e entre a OTAN e a Turquia, fato agravado pela aproximação de Ancara e Moscou, com um esfriamento entre Ancara e seus aliados na OTAN, com registro de alguns atritos quanto a utilização da Base Aérea de Incirlik pelos aliados europeus e a compra do sistema de defesa aérea russo pela Turquia, contrariando a determinação da OTAN.

Analisando a recente ofensiva contra Afrin, cabe sublinhar que Erdogan alertou quanto a postura de Ancara com relação a ameaça representada pelos curdos do PYD e PKK, alertando quanto a tomada de medidas militares da Turquia contra o apoio norte americano aos inimigos da Turquia. Alguns analistas entenderam que Erdogan não passaria das palavras, outros que haveria uma ação limitada com um bombardeio lançado pela artilharia próxima a fronteira ou mesmo um ataque aéreo, porém, todos se mostraram surpresos quando no último sábado Erdogan contrariando os pedidos e avisos emitidos por Washington contra uma ação militar, lançou uma ofensiva pesada contra posições curdas em Afrin, com uma operação envolvendo intervenção de tropas que cruzaram a fronteira síria invadindo o reduto curdo, com apoio do fogo de artilharia e apoio aéreo com bombardeios.

A medida adotada por Erdogan coloca em cheque a política norte americana adotada na Síria. Onde deu um claro recado a posição norte americana que aponta para uma política de “loteamento” do território sírio liberado por seus aliados na tentativa de implantar novos governos, criando províncias independentes ou mesmo um estado curdo, afim de fragmentar a Síria e o poder do governo legítimo sobre seu território. Há uma preocupante realidade na Síria, onde os player internacionais patrocinam suas próprias milícias de procuração e realizam ataques aéreos em apoio a estes “aliados”, com a intervenção de vários atores regionais, como Irã, Israel, Líbano e principalmente os EUA.

A decisão norte americana de apoiar a criação de uma “força de segurança” curda na fronteira com a Turquia, sem uma prévia consulta a Ancara, importante aliado dos EUA na região e membro da OTAN. O anúncio feito por Washington colocou os EUA em uma sinuca de bico, onde o apoio aos curdos contra a ação turca em Afrin pode significar a quebra de importantes acordos entre os dois aliados signatários da OTAN, e por outro lado a omissão em relação aos seus aliados curdos, mina a confiança nas promessas norte americanas ao grupo.

A Turquia se vale de instrumentos do direito internacional para legitimar sua ação militar no território sírio, se valendo das Resoluções 1624, 2170 e 2178 do Conselho de Segurança da ONU que permitem a realização de operações contra terroristas na Síria, preservando a integridade territorial de seu vizinho.

Outro ponto a ser observado em relação a ofensiva turca no território sírio, é que o governo legítimo da Síria, não aprovou tal ação, e considera a mesma uma grave violação de seu território e soberania, apesar do fato de não possuir controle sobre a região em questão.

Uma coisa é preciso ser tido como fato, a ação turca ira desencadear uma problemática mais complexa no conflito sírio, o qual esta muito longe do fim, apesar das esperanças do seu fim com a derrota do EI, ainda há a fala de coesão e a intervenção estrangeira, com EUA e seus aliados ocupando áreas do território sírio sem aprovação do governo legítimo, uma clara violação de vários acordos e resoluções do direito internacional e a própria Carta das Nações.

Um novo conflito esta para eclodir naquele cenário já caótico em que este especialista não vislumbra uma solução de curto ou médio prazo para a Síria. Onde aponto os atritos entre a Turquia e EUA, EUA – Síria e os interesses russos na região como os fatores que irão em breve levar a uma nova escalada e ao inicio de uma nova fase no conflito que perdura por quase oito anos. A ação militar da Turquia pode isolar Ancara, uma vez que tal medida contraria seu aliado da OTAN, os EUA, além de como já citado acima, a ação foi recebida por Assad como uma violação do território sírio. A Rússia também possui seus interesses na Síria e estabeleceu um pacto com governo sírio, o que pode de certa forma impactar nas relações entre a Turquia e a Rússia, as quais vinham apresentando um grande nível de aproximação, com a compra de sistemas S-400 pela Turquia. Nos resta agora acompanhar o desenvolver dos fatos.


Por Angelo Nicolaci - Jornalista, editor do GBN News, graduando em Relações Internacionais pela UCAM, especialista em geopolítica do oriente médio e leste europeu, especialista em assuntos de defesa e segurança.


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Um comentário:

  1. Excelente texto.
    A Turquia está entrando em uma cruzada que pode acabar unindo o improvável, uma aliança entre Russia e EUA, para abafar o Erdogan

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