A Turquia no último sábado (20)
lançou uma ofensiva contra o grupo turco que é pela mesma classificado como
sendo terrorista, o qual possui um histórico de confrontos ao longo da
fronteira entre a Síria e a Turquia, região reivindicada pelo grupo como território
curdo. Nosso editor, Angelo Nicolaci, resolveu escrever um panorama a ação turca, uma vez que os curdos tem tido apoio norte
americano, o que em parte levou a resposta de Ancara com uma ação militar. Tal
cenário possui uma complexidade muito grande e que em parte não tem sido
observada, então, acompanhem abaixo a análise feita pelo editor do GBN News
acerca dos fatos e uma perspectiva do que pode acontecer em conseqüência da
ação turca.
Para entender um pouco sobre a
dinâmica que se desenvolve no conflito Sírio, agora com uma ofensiva da Turquia
na região de Afrin, é preciso conhecer o histórico daquele enclave, onde desde
o inicio do conflito interno sírio, houve uma retirada das forças legitimas do
governo sírio daquela, o qual teve de agrupar seu exercito para defender Damasco
e o governo diante da grave crise interna que levou a uma guerra civil e ao
surgimento de diversos grupos extremistas e de oposição ao governo de Bashar Al
Assad. Não é objetivo deste artigo aprofundar no conflito sírio, mas traçar uma
análise para entendermos melhor o que esta envolvido na região de Afrin.
A retirada das forças de Assad da
região em 2012, deixou um vácuo que logo foi ocupado por grupos curdos que há
décadas sonhavam com o controle da região, tornando Afrin e o entorno da
fronteira com a Turquia, um dos mais importantes redutos de grupos como PYD e
PKK, ambos classificados como terroristas pelo governo de Ancara.
Porém, diante da ascensão da
ameaça representada pelo EI e outros grupos extremistas, o foco do conflito foi
o combate a estes grupos, temendo-se que o mesmo derruba-se o governo sírio e
tomasse o poder naquele país, consolidando a conquista de importantes cidades
no Iraque. Esta “guerra ao EI”, foi a oportunidade que os curdos esperavam para
obter apoio militar externo, com norte americanos e seus aliados enviando
consultores e armamento para equipar os curdos afim de usá-los para dar combate
aos extremistas, o que representaria menor custo e desgaste para os EUA e seus
aliados, os quais assimilaram algumas lições do Afeganistão.
Grupos curdos receberam preparo e
armas para lutar contra o inimigo comum representado pelo EI, e agora com a
derrocada do EI, surge uma nova problemática, pois os curdos agora representam
ameaça a integridade territorial não só da Síria, mas do Iraque e Turquia, uma
vez que os mesmos acreditam que após a derrota do EI e a situação ainda incerta
a cerca do território sírio, o qual se vê partilhado entre o governo legítimo
de Assad e grupos opositores ao governo, com parte do território em poder do
PYD e PKK.
A decisão de Erdogan em lançar
uma ofensiva contra os curdos, surgiu após o anúncio norte americano de apoiar os
curdos na região de Afrin, prometendo ao mesmo apoio militar e treinamento, o
que teve uma resposta imediata de Ancara, desaprovando a política dos EUA para
região. Vale ressaltar que o governo dos EUA e a Turquia, apesar de membros da
OTAN, atravessam um período complicado em suas relações bilaterais e entre a
OTAN e a Turquia, fato agravado pela aproximação de Ancara e Moscou, com um
esfriamento entre Ancara e seus aliados na OTAN, com registro de alguns atritos
quanto a utilização da Base Aérea de Incirlik pelos aliados europeus e a compra
do sistema de defesa aérea russo pela Turquia, contrariando a determinação da
OTAN.
Analisando a recente ofensiva
contra Afrin, cabe sublinhar que Erdogan alertou quanto a postura de Ancara com
relação a ameaça representada pelos curdos do PYD e PKK, alertando quanto a
tomada de medidas militares da Turquia contra o apoio norte americano aos
inimigos da Turquia. Alguns analistas entenderam que Erdogan não passaria das
palavras, outros que haveria uma ação limitada com um bombardeio lançado pela
artilharia próxima a fronteira ou mesmo um ataque aéreo, porém, todos se
mostraram surpresos quando no último sábado Erdogan contrariando os pedidos e
avisos emitidos por Washington contra uma ação militar, lançou uma ofensiva
pesada contra posições curdas em Afrin, com uma operação envolvendo intervenção
de tropas que cruzaram a fronteira síria invadindo o reduto curdo, com apoio do
fogo de artilharia e apoio aéreo com bombardeios.
A
medida adotada por Erdogan coloca em cheque a política norte americana adotada
na Síria. Onde deu um claro recado a posição norte americana que aponta para
uma política de “loteamento” do território sírio liberado por seus aliados na
tentativa de implantar novos governos, criando províncias independentes ou
mesmo um estado curdo, afim de fragmentar a Síria e o poder do governo legítimo
sobre seu território. Há uma preocupante realidade na Síria, onde os player
internacionais patrocinam
suas próprias milícias de procuração e realizam ataques aéreos em apoio a estes
“aliados”, com a intervenção de vários atores regionais, como Irã, Israel, Líbano e principalmente os EUA.
A
decisão norte americana de apoiar a criação de uma “força de segurança” curda
na fronteira com a Turquia, sem uma prévia consulta a Ancara, importante aliado
dos EUA na região e membro da OTAN. O anúncio feito por Washington colocou os
EUA em uma sinuca de bico, onde o apoio aos curdos contra a ação turca em Afrin
pode significar a quebra de importantes acordos entre os dois aliados
signatários da OTAN, e por outro lado a omissão em relação aos seus aliados
curdos, mina a confiança nas promessas norte americanas ao grupo.
A
Turquia se vale de instrumentos do direito internacional para legitimar sua
ação militar no território sírio, se valendo das Resoluções 1624, 2170 e 2178 do Conselho de
Segurança da ONU que permitem a realização de operações contra terroristas na
Síria, preservando a integridade territorial de seu vizinho.
Outro
ponto a ser observado em relação a ofensiva turca no território sírio, é que o
governo legítimo da Síria, não aprovou tal ação, e considera a mesma uma grave
violação de seu território e soberania, apesar do fato de não possuir controle
sobre a região em questão.
Uma
coisa é preciso ser tido como fato, a ação turca ira desencadear uma
problemática mais complexa no conflito sírio, o qual esta muito longe do fim,
apesar das esperanças do seu fim com a derrota do EI, ainda há a fala de coesão
e a intervenção estrangeira, com EUA e seus aliados ocupando áreas do
território sírio sem aprovação do governo legítimo, uma clara violação de
vários acordos e resoluções do direito internacional e a própria Carta das
Nações.
Um
novo conflito esta para eclodir naquele cenário já caótico em que este
especialista não vislumbra uma solução de curto ou médio prazo para a Síria.
Onde aponto os atritos entre a Turquia e EUA, EUA – Síria e os interesses
russos na região como os fatores que irão em breve levar a uma nova escalada e
ao inicio de uma nova fase no conflito que perdura por quase oito anos. A ação militar da Turquia pode isolar Ancara, uma vez que tal medida contraria seu aliado da OTAN, os EUA, além de como já citado acima, a ação foi recebida por Assad como uma violação do território sírio. A Rússia também possui seus interesses na Síria e estabeleceu um pacto com governo sírio, o que pode de certa forma impactar nas relações entre a Turquia e a Rússia, as quais vinham apresentando um grande nível de aproximação, com a compra de sistemas S-400 pela Turquia. Nos resta agora acompanhar o desenvolver dos fatos.
Por Angelo Nicolaci - Jornalista, editor do GBN News, graduando em Relações Internacionais pela UCAM, especialista em geopolítica do oriente médio e leste europeu, especialista em assuntos de defesa e segurança.
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Excelente texto.
ResponderExcluirA Turquia está entrando em uma cruzada que pode acabar unindo o improvável, uma aliança entre Russia e EUA, para abafar o Erdogan