Apesar de não aceitar que o controle da Embraer passe para uma companhia estrangeira e nem ter a intenção de se desfazer da ação especial que dá direito a vetos (Golden Share), o governo brasileiro aceita negociar diferentes tipos de parcerias, inclusive na área de Defesa, na discussão que transcorre entre a fabricante local de aeronaves e a americana Boeing, segundo apurou o Valor.
Nesse sentido, uma fonte lembra que há discussões não só entre as duas empresas, mas também entre os governos brasileiro e americano. Produtos como o KC-390, maior avião militar já produzido pela Embraer, aparecem como um dos focos dessas discussões.
Na visão do governo, há um vasto campo para parcerias nas áreas de comercialização, logística, compra de insumos e distribuição de produtos. "A Boeing não tem o produto fabricado pela Embraer em sua prateleira", destaca a fonte. "Não tem restrição para que se faça parcerias, nem na área civil, nem na militar. O que não vai ocorrer de jeito nenhum é perda de controle ou relação de subordinação de hierarquia", disse esse interlocutor.
Nos bastidores, interlocutores do governo ressaltam que a possibilidade de venda da Golden Share da Embraer não entrou nas discussões desse tipo de papel pelo ministério da Fazenda, que no ano passado provocou o TCU para se manifestar sobre como deveria proceder em relação a esse tipo de papel. A intenção era vender algumas participações, mas as fontes ouvidas são taxativas em dizer que a Fazenda considerava que a Golden Share da Embraer seria mantida, mesmo antes de se noticiar as negociações entre as fabricantes de aeronaves. "Nunca houve intenção da Fazenda de se desfazer da Golden Share da Embraer", afirmou, taxativa, uma fonte.
Pouco depois que o Valor noticiou que o governo havia feito a consulta ao TCU sobre a possibilidade de vender as Golden Shares de estatais, representantes da área militar se reuniram com a Fazenda para deixar claro que a Embraer deveria ficar de fora do processo. Teriam ouvido, segundo relatos, que não havia mesmo a intenção de vender esse ativo, segundo uma fonte relatou.
O governo também chegou a discutir a possibilidade de ter Golden Share em outras empresas da área de Defesa, o que, na visão do setor, seria uma vantagem, dada as especificidades desse mercado. Esse debate, contudo, está parado, embora uma fonte acredite que há espaço para o retorno do tema.
O Valor apurou com pessoas envolvidas com as negociações, que nem Embraer nem Boeing têm intenção de levar adiante qualquer decisão que conflite com interesses do governo brasileiro, em especial naqueles que envolvam a unidade de defesa e segurança. Assim, a ação especial não é impeditivo para que o negócio siga adiante.
Mas a retirada desse fator abre espaço para acordos mais amplos entre as duas fabricantes. A flexibilização das regras de venda de fatias em bloco da Embraer torna menos custosa a atração de uma sócia, ao mudar o atual estatuto social da companhia baseada em São José dos Campos (SP), que prevê uma série de critérios de preço mínimo a ser pago por um adquirente que cobram prêmios de 50% sobre uma avaliação de negócio.
No entanto, segundo uma fonte graduada do governo, não há discussão nem intenção para fazer mudanças nessa direção.
Assim, os modelos de parceria comercial que não envolvem mudança no bloco de controle da Embraer - como joint business agreement (JBA) ou joint venture -, são preteridos se a Boeing puder ter assento no conselho da Embraer após um aporte novo de recursos.
Para a Embraer, aportes são bem-vindos, porque entende que a indústria aeroespacial mundial passa por um processo de consolidação, no qual precisará de mais fôlego para investir. Para isso, a empresa precisa de soluções de mercado, considerando a parceria com a Boeing, o movimento mais promissor. No último ciclo de expansão - desenvolvimento de jatos executivos, aviões comerciais da família E2 e do cargueiro KC-390 -, foram utilizados mais de US$ 5 bilhões em cinco anos.
Com a Embraer, Boeing quer encurtar caminho
As tratativas que a Boeing e a brasileira Embraer têm para a combinação de seus negócios representam para a fabricante americana três principais objetivos, sobre os quais estão apoiadas demais oportunidades de parceria que serão desenhadas, apurou o Valor. São eles complementariedade da carteira de produtos, incremento das plataformas de vendas e serviços e desenvolvimento de novos produtos.
Para a Boeing, a consolidação no mercado aeroespacial é irreversível e há ameaça de entrantes - a chinesa Comac, a russa United Aircraft e a japonesa Mitsubishi. Nesse contexto, escala passa a ser mais essencial para preservar margens de lucro e capacidade de investimentos e perpetuação da companhia.
No lado do fabricante americano, a expectativa é que a primeira parte dos acordos de parceria possa ser assinada ainda neste semestre, e a concretização do negócio, dependendo então dos ritos regulatórios nos dois países.
O tema que detonou a ação da Boeing agora foi a decisão essencial nos planos de longo prazo de que precisa ter carteira de aeronaves no segmento regional. O menor avião da empresa nesse nicho, o 737-700, comporta mais de 140 passageiros, que não consegue aproveitar o crescimento demanda entre companhias aéreas de baixo custo e o incremento do número de aeroportos menores que não recebem jatos de maior porte.
Já a rival Airbus está posicionada nesse segmento por meio da participação na principal fabricante de turboélices regionais do mundo, a ATR; e do acordo para assumir o negócio de jatos da canadense Bombardier.
Nessa conjuntura, uma opção da Boeing seria desenvolver um novo jato, em casa. Afinal, a companhia já teve uma versão, o 717, com 100 assentos, herdeiro do MD-95, da McDonnel Douglas, a qual comprou em 1996. Mas essa linha de produção foi encerrada em 2006, exatamente por ter perdido espaço para uma empresa: a Embraer.
Assim, a Boeing optou pela Embraer, que está solteira, já é líder nesse segmento no mundo e tem capacidade de desenvolver - no prazo e dentro do orçamento - novos produtos.
A parceria nessa área começaria então por acordos comerciais, de vendas e de prestação de serviços, por meio dos quais a Boeing pode colocar à disposição da Embraer mais vendedores para alavancar novas encomendas, técnicos e engenheiros de manutenção para as companhias aéreas que adotaram os E-Jets da fabricante brasileira.
A Boeing também quer aproveitar a capacidade que a Embraer tem para tirar da prancheta e decolar novos modelos. A brasileira saiu de zero participação de mercado, em 2000, para 1,4 mil jatos em operação em 17 anos, a partir de um projeto que foi anunciado ao mundo em 1999 e teve a primeira produção já em 2002. Para comparar, a canadense Bombardier levou o dobro do tempo para tirar da prancheta e inaugurar o CSeries.
A Boeing tem especial admiração pelo conhecimento que a Embraer passou a dominar em softwares necessários ao processo de desenvolvimento de produtos. Além disso, a equipe de engenheiros da fabricante brasileira é mais jovem que a da empresa americana.
Os contratos em discussão são basicamente de dois tipos: joint business agreement (JBA) - no qual as duas dividem despesas e compartilham receitas em determinadas atividades, como por exemplo, equipe de vendas ou de prestação de serviços; e joint venture (JV), em que cada empresa entra como sócia de um negócio, como por exemplo, desenvolvimento de um novo produto.
A americana Boeing e a brasileira Embraer sabem que a inclusão da área de defesa nessas discussões é o tema mais sensível aos dois lados. Tanto ao governo brasileiro como o americano têm restrições a trocas de informações entre empresas e equipes envolvidas com Segurança e Defesa.
Mas a Boeing está segura de que vai comprovar ao governo brasileiro que a autonomia, independência e segredos estratégicos serão garantidos e preservados. A companhia americana vai usar como argumentos acordos como esses que já tem firmados com governos como o da Austrália, onde a Boeing Defense Australia (BDA) atua com desenvolvimento, manutenção de caças, aviões militares, sistemas de vigilância entre outros.
Além disso, as duas companhias já tem acertadas parcerias nesse segmento, uma vez que a Boeing atua como parceria comercial na venda do cargueiro militar KC-390, modelo que foi desenvolvido pela Embraer nos últimos anos e que tem previsão de entrar em operação neste ano.
Fonte: Valor Econômico
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