As estatísticas sobre as operações de
manutenção de paz no mundo não nos
permitem, por si só, tirar conclusões detalhadas
sobre a tendência de evolução do ambiente de
paz e estabilidade. Até porque nem todos os
conflitos são alvo desse tipo de
intervenção.
Nomeadamente, o mais grave de
todos, atualmente: a guerra civil na Síria. No entanto, são um indicador que interessa
acompanhar porque nos dá alguma medida dos
progressos ou retrocessos e da disponibilidade
da comunidade internacional em tentar
resolver, ou pelo menos conter, os conflitos e
crises que vão proliferando pelo mundo.
Das últimas estatísticas disponíveis, referentes a 2016, o que se retira é um sinal
de estabilidade no número e dimensão das intervenções. Foram 62 (22 da ONU, contando com 106.234 efetivos, 31 de Alianças e outras organizações, com 43.646 efetivos e 9 de coalizões
envolvendo 3.176 efetivos), menos uma do que em 2015, e com algum decréscimo no número de
efetivos empregados (153.056, o que corresponde a menos 7,5%). Obviamente, como
é habitual, há várias formas de ler estes números. Em qualquer caso, será consensual
reconhecer que a redução de apenas uma operação não é propriamente um bom
indicador. Significa, na prática, que a quase totalidade das crises intervencionadas
continua sem solução apesar dos enormes recursos que consomem. Não indicam progresso claro. É mais a manutenção do statuo quo.
A resposta dada pela comunidade para sustentar a continuação das
intervenções é um ponto sob controvérsia. Parece positivo, porque não tem faltado,
mas há sérias interrogações sobre se a qualidade e condições do apoio prestado está
à altura dos desafios. O embaixador argelino Lakhdar Brahimi, como primeiro
responsável pelo relatório elaborado em 2000, a pedido de Kofi Annan, para uma
análise geral das intervenções militares e policiais das Nações Unidas (o Relatório
Brahimi) não hesitou, recentemente, em entrevista concedida a dois investigadores
do SIPRIS, em pôr o dedo num dos aspectos da ferida: «O principal problema da ONU é que os países que têm exércitos bem equipados e bem treinados se recusam a participar de missões da ONU». Aparentemente, preferem pagar para que outros
contribuam, situação contra a qual Brahimi se indigna.
Compreende-se o que quer dizer se olharmos para o “Top Ten” dos países que mais
contribuem, um conjunto dominado por uma maioria de países africanos e liderados pela Etiópia, com Bangladesh em 2º lugar. Talvez não sejam exatamente países
que se qualificam militarmente como tendo forças armadas com os melhores
atributos para operações de paz, mas são países do continente em que as Nações
Unidas mais têm estado presentes (26 do total de 62 operações realizam-se no
continente africano).
Porém, ao queixar-se dos estados membros, Brahimi não está vendo o problema na
sua totalidade. Se são ou não os países mais indicados é uma questão que cabe às
Nações Unidas equacionar, estabelecendo critérios e impondo padrões mínimos
previamente verificáveis. Não seria cabível as Nações Unidas passar a enfrentar
as interrogações que se levantam desde há muito tempo sobre se estão devidamente
organizadas para o desafio das operações de paz?
Parece óbvio que sim e daí as
reformas de que Guterres falou na Assembleia Geral, aparentemente muito
orientadas para eliminar o déficit de coordenação entre os Departamentos de
“Political Affairs” e de “Peacekeeping Operations”. Brahimi também reconhece esta
dificuldade e aponta falhas na definição dos mandatos, demasiadamente estendidos e
insuficientemente claros.
Tentando perceber o assunto, deparou-se com o caso do “Office of Military Affairs” do
Departamento de Operações de Paz que funciona com um “staff” de 127 membros
(100 militares e 27 civis), incluindo representantes de mais de 50 países. Não
conheço o seu funcionamento na prática, mas muito me admiraria, que com esta
composição, possa aconselhar, coordenar e monitorizar o emprego de mais de
100.000 efetivos no terreno, a operar nos mais diversos locais, e ainda estabelecer
doutrina e política de emprego. Muito menos contribuir, de forma credível, sob um
ponto de vista militar, para uma formulação do mandato coerente com os meios
atribuídos e tão claro quanto possível.
Receia-se que estejam a privilegiar-se critérios
políticos de representatividade internacional sobre critérios de eficácia. Se é assim,
está aí um bom ponto de partida para reformas.
No entanto, não obstante algumas falhas terríveis que levaram muitos a questionar
a continuação do Departamento de Operações de Paz, como Srebrenica e
Somália em 1995, Ruanda em 1999, as intervenções das Nações Unidas têm
registado sucessos importantes, nomeadamente em Serra Leoa e no Burundi (2014)
e constituem hoje, por regra geral, um meio de intervenção externa que merece apoio
internacional.
Um recente trabalho de investigação da Rand Corporation concluiu que
são «
um meio efetivo de encerrar conflitos, assegurar a sua revogação e promover a democracia».
O Government Accoutability Office dos EUA acrescenta um novo dado. Tomando
como referência a missão das Nações Unidas no Haiti, e comparando os seus custos
(ao longo de 14 meses) com o custo que teria uma contribuição semelhante dos EUA,
diz o seguinte: «Se as forças dos EUA permanecessem no Haiti, teria custado aos Estados Unidos 876 milhões. O custo para os Estados Unidos da atual missão de manutenção da paz na ONU. no Haiti foi de 116 milhões».
Quanto às “excessivas” verbas pagas pelos EUA (28% do orçamento da ONU para
operações de manutenção de paz), segundo Heather Peterson, o que os EUA pagam,
presentemente, está abaixo, por exemplo do que paga o Reino Unido, a França ou
a Rússia, em termos comparativos e segundo os critérios de cálculo aplicáveis. O
Presidente Trump, à luz destes dados, devia substituir as suas razões de queixa sobre
o que pagam os EUA por uma proposta para rever o que pode ser feito
para melhor operacionalizar o Departamento de Operações de Paz. Pelo menos
poderia ser mais útil e estaria defendendo os seus interesses, como ficou
demonstrado.
Fonte: JDRI.pt
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