Um grupo de oito brasileiros e seis estrangeiros que estavam na ilha de Saint Martin, no Caribe, uma das regiões mais afetadas pela passagem do furacão Irma, chegou ao Brasil na madrugada desta quarta-feira (13).
Eles foram resgatados por uma aeronave da Força Aérea Brasileira, após uma força-tarefa que envolveu avisos em rádios locais, um dos poucos meios de comunicação disponíveis devido à falta de energia, e mensagens entre parentes e Itamaraty.
A aeronave utilizada para o transporte do grupo, uma VC-2 Embraer 190, pousou na base aérea de Brasília por volta de 1h30. O trajeto, porém, iniciou cerca de 12 horas antes, saindo de Nova York e com escala em Trinidad e Tobago para abastecer.
Estavam no voo oito brasileiros, um americano, dois venezuelanos e três holandeses –a maioria dos estrangeiros é casado ou filho de brasileiros. No voo, quatro eram crianças.
"Quando soube [que fariam o resgate, entrei em pânico querendo voltar", relata a brasileira Valéria Williams, 42, que mora em Saint Martin, mas embarcou no voo junto com a filha para tentar protegê-la do cenário de caos do lugar. "Estávamos com medo de ficar."
No domingo, o Itamaraty havia informado que ao menos 65 brasileiros estavam no Caribe. Destes, 32 estavam em Saint Martin, somados o lado holandês quanto francês. Antes do resgate, porém, parte do grupo já havia conseguido deixar a ilha por meio de operações de apoio de outros países.
Ao menos dois decidiram ficar –segundo os parentes, em busca de reconstruir suas casas. O Itamaraty não tem informações atualizadas sobre os demais. Segundo o ministério, na ilha de Tortola, que é território britânico, ainda há dificuldades de acesso, com impossibilidade de pouso.
Em geral, a maioria dos brasileiros resgatados nesta terça-feira já moravam na ilha há alguns anos e passavam por dificuldades nos últimos dias devido à falta de energia e de água.
Seis dias após o furacão Irma tocar o solo do Caribe pela primeira vez, milhares de pessoas ainda sofrem com a falta de água, alimento e com a onda de violência que eclodiu nas ilhas mais afetadas.
Quando atingiu o Caribe, o Irma era classificado como um furacão de categoria 5 e um dos mais poderosos da história a se formar no oceano Atlântico. Pelo menos 43 pessoas morreram.
Força
Aviso até que teve, mas ninguém acreditava que o furacão Irma seria tão forte, relata o brasileiro Helton Henrique Laufer, 32, um dos 14 resgatados.
Seis dias antes, passou o dia do próprio aniversário trancado por quase sete horas no banheiro de casa, que tremia. Assim que abriu a porta, encontrou a casa alagada, mas inteira. "Moramos em um condomínio que é bem protegido e no andar de baixo da casa. Nossos vizinhos do andar de cima perderam tudo."
O medo de um segundo furacão, a falta de energia e a violência fizeram com que o instrutor de mergulho deixasse o lugar e procurasse um abrigo com a mulher, Karen Shiquin, 31. Acolhidos em uma universidade, passaram a ser alguns dos poucos brasileiros na ilha com algum contato.
"Tivemos mais medo do que começou a ocorrer depois do que na hora do furacão. Se não tem água e comida, começa o desespero. Muitos da ilha passaram a assaltar para sobreviver. Outros se aproveitaram para sair e saquear."
Laufer diz que ele e a mulher estavam dispostos a ir para qualquer outro país para deixar a ilha de Saint Martin.
A espera terminou na terça, quando embarcou com outros sete brasileiros e seis estrangeiros de volta ao Brasil. "Sabemos que alguns brasileiros ficaram para reconstruir a ilha e tentar manter seus empregos. Outros porque não foram contatados."
Viajando com destino à Curitiba, ainda não sabe se voltará a Saint Martin, onde morava há nove meses, numa tentativa de escapar da crise econômica no Brasil.
"Saint Martin era uma das nossas opções para ter uma vida nova. Mas acabamos caindo no olho do furacão."
"Só areia"
"Volto para lá daqui a 20 dias, ou um mês. É difícil, você fica sem água, sem luz. Onde eu estava graças a Deus não faltou comida e tinha água, mas é ruim ficar nessa situação", relata Ricardo Passarelli, 48, que trabalha na ilha como chef de cozinha.
Assim que soube da previsão de passagem do Irma, ele buscou abrigo em um hotel que tem quartos subterrâneos e melhor estrutura. Viu boa parte do local ruir. "Teve quartos que desapareceram. Você não via nada, só areia".
"Não tem água nem eletricidade na ilha. Tínhamos água e comida porque fizemos estoque antes, mas é um problema", conta a instrutora de mergulho Luciana de Lima, 47, que pretende agora passar uma temporada em Porto Alegre com a família até a situação melhorar.
Nos 16 anos que vive em Saint Martin, conta, nunca tinha visto um cenário de destruição semelhante como este. Somente na parte holandesa de Saint Martin, cerca de 5.000 pessoas estão sem alojamento por causa dos danos causados em 40% das construções.
Durante a passagem do furacão, relata, chegou a ficar cinco horas dentro do banheiro. "Nosso teto da sala voou. Perdemos o teto, perdemos o jardim", relata ela, que chegou a tentar ir para um abrigo em uma universidade, mas afirma que teve o pedido negado.
Ao saber da operação de resgate, decidiu voltar ao Brasil –o marido ficou para tentar reconstruir parte da casa com ajuda dos vizinhos.
Histórias como a dela se repetiam durante a chegada dos demais passageiros.
"Para descobrir se ele estava vivo ou morto, levei 48 horas", relata a fisioterapeuta Patrícia Albuquerque Robinson, enquanto esperava, trêmula, o voo que traria o marido americano –além dos dois cachorros da família escondidos na mala.
"Eles são tudo o que tenho. Perdemos tudo", relata ela, que visitava a família no Brasil no momento da passagem do furacão Irma. Na mesma hora, conta, o marido tentava se proteger dentro do banheiro da casa onde moravam. "Foi a única parte da casa que ficou de pé."
Ao vê-lo chegar na frente da base aérea em uma van com os demais resgatados, correu para abraçá-lo, às lágrimas. "You are my hero (você é meu herói)", dizia.
Recomeçar do zero
Depois de seis dias de incertezas e em meio ao caos, a holandesa Jennifer da Silva Carvalho, 42, comemorava a chegada ao Brasil com as filhas de oito e 16 anos, filhas de um brasileiro que também mora em Saint Martin. Com parte da casa destruída após o furacão, a família quer tentar recomeçar a vida em Porto Alegre.
"Perdi tudo. Saint Martin era conhecida como uma das ilhas mais bonitas do Caribe. Agora, vai ter que recomeçar do zero. Casas, edifícios, carros, janelas ficaram quebrados e destruídos. Estou muito feliz de estar no Brasil agora".
Fonte: Folha via Notimp
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