Ele abandonou o Exército sírio após receber a ordem de disparar contra manifestantes e lutou com vários grupos rebeldes. Seis anos mais tarde, após a forte redução do apoio dos Estados Unidos à rebelião, Abu Jaafar está cheio de desilusões.
Este rebelde de trinta anos passou três anos atrás das grades por desobedecer ordens, e se apresenta como um dos combatentes mais admirados pelos instrutores americanos.
Mas nesta guerra que já custou mais de 330.000 vidas e fez milhões de deslocados, Abu Jaafar às vezes se pergunta por qual objetivo ele luta.
"Estou deprimido e quero partir, mas acredito que se eu for embora outros farão o mesmo, o país estará em um estado pior", afirma à AFP através por meio de mensagens via WhatsApp.
O anúncio no final de julho pela administração do presidente americano Donald Trump do encerramento de um programa de apoio aos combatentes anti-regime o convenceu de que a Síria não passa de um peão em uma guerra por procuração entre as potências estrangeiras.
"Os grupos rebeldes tornaram-se peões em um tabuleiro de xadrez. O tabuleiro (do jogo) está na Turquia, Trump está de um lado e (o presidente russo Vladimir) Putin do outro", lamenta.
Coberto de sangue
Natural da província de Homs, Abu Jaafar, cujo verdadeiro nome é Khaled Karzun, entrou aos 17 anos em uma escola de oficiais das forças especiais.
Em 2011, quando começaram os protestos exigindo reformas políticas, recebeu a ordem de atirar contra manifestantes na região onde estava implantado. "A repressão foi tão brutal que não poderia descrevê-la", relata.
Seis meses depois, Abu Jaafar e vários oficiais se amotinaram, mas acabaram capturados e condenados a 15 anos de prisão em Saydnaya, onde sua esposa podia visitá-lo duas vezes por ano.
"Três horas antes da visita, era torturado e espancado para aparecer coberto de sangue", diz ele. Ele foi libertado em 2014 após a redução de sua sentença.
Em uma semana, juntou-se ao movimento rebelde Hazm quando a rebelião lutava contra o regime em várias regiões, incluindo Aleppo, a segunda maior cidade do país.
À época, Estados Unidos e outros países aliados treinavam e armavam grupos rebeldes, incluindo o Hazm, por meio de uma sala de operações na Turquia, conhecida pelo seu acrônimo turco MOM.
Jaafar passou um mês em treinamento na Arábia Saudita, mas ao retornar à Síria decepcionou-se com a atitude um tanto corrupta de seus companheiros. "Eu perdi os anos mais emocionantes da revolução porque estava na cadeia. A revolução então transformou-se em negócio".
"Eu me rebelei pela honra, outro o fez contra a injustiça, outro porque seu irmão estava na prisão", afirma. "Mas hoje, cada um trabalha por seus próprios interesses". Ele deixou Hazm em setembro de 2014.
Filho morto
Durante vários meses, trabalhou como motorista de ônibus perto de Aleppo. Sua esposa deu à luz um menino. "Ele viveu 21 dias. Morreu em um ataque aéreo".
No início de 2016, foi recrutado pela União Fastaqem, uma facção rebelde em Aleppo. "Recebíamos armas a cada mês, salários, equipamentos médicos, veículos..." do MOM, diz ele.
Dirigiu o treinamento de membros do Fastaqem na Turquia e no Catar, países que apoiam os rebeldes. "Tinha muito boas relações com os americanos, eles gostavam muito de mim".
Mas com a retomada de Aleppo pelo regime, o grupo enfraqueceu.
Jaafar se engajou então nas Brigadas Mutassem, outra facção rebelde que combate o grupo Estado Islâmico (EI).
A Brigada continua a receber o apoio do Pentágono, por meio de um programa diferente.
Abu Jaafar agora combate o EI e não o regime. "Talvez chegue a nossa vez, e o Pentágono cessará o seu apoio", afirma.
Atualmente, a prioridade dos Estados Unidos na Síria é acabar com o EI. Desta forma, concentram a sua ajuda nas Forças Democráticas Sírias, uma aliança curdo-árabe, que tenta expulsar os jihadistas de seu reduto sírio de Raqa.
Em Azaz (norte), onde vive com sua esposa e filha de seis anos, Abu Jaafar se pergunta o que vai acontecer.
"Aleppo terminou e Raqa pertence à FDS. É difícil. Após o regime, tivemos (o chefe do EI) Abu Bakr al-Baghdadi. Depois de Baghdadi, tivemos Mohammad Jolani", chefe do ex-ramo sírio da Al-Qaeda.
"Tenho apenas 31 anos, mas tenho visto mais coisas do que alguém com 90".
Fonte: AFP
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