domingo, 26 de março de 2017

A reforma do Ensino Médio e a exclusão da história

A retirada da História é como fornecer um manual de instruções em branco as futuras gerações

Em 8 de fevereiro de 2017 foi aprovada, no Senado, a Medida Provisória nº 746/2016 referente à Reforma do Ensino Médio brasileiro. A votação deu larga vantagem ao governo: 43 votos favoráveis contra apenas 13 votos contra o texto. Bastaram 3 horas de discussão para aprovar a MP que agora só espera ser sancionada pelo presidente da República e, com isso, selar o destino de milhões de estudantes do país. 

A votação teve urgência, trata-se de “medida provisória”, sem discussão prévia e, pior, foi atabalhoada pois a MP 746/2016 faz referência constante à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que sequer foi aprovada e publicada (prevista para o segundo semestre de 2017). Portanto, têm-se uma MP com efeito de lei que depende de um documento que ainda não foi finalizado e aprovado. E ainda, a BNCC lista o conteúdo curricular, ano a ano, de disciplinas que não são mais obrigatórias no Ensino Médio (?!). De que serve todo esforço da BNCC para sistematizar o currículo de História, Geografia etc. no Ensino Médio? 

Alguém saberia explicar como a Medida Provisória nº 746/2016 e a BNCC vão se adequar uma à outra? 

Perguntas impertinentes (e sem respostas) 

O argumento do governo para a urgência da mudança no Ensino Médio é tornar essa etapa mais atrativa e flexível ao aluno. A estrutura atual é vista como engessada e distante do interesse dos jovens o que explica, segundo o governo, o fato do Ensino Médio ter a maior taxa de abandono da educação básica. 

Houve alguma pesquisa séria, em nível nacional, para detectar as causas dessa evasão? Sob que bases se diagnosticou os problemas do Ensino Médio? Suponho que nenhuma, somente “achismos”. E sem um conhecimento real e embasado, as perguntas se avolumam: 

O aluno abandona o Ensino Médio porque o currículo oferecido não lhe interessa (como argumenta o governo) ou porque esse currículo sequer é adequadamente ministrado? 

Há professores especialistas em todas as disciplinas? Se não, por que isso acontece? 

Se a escola é, potencialmente, local de grande sociabilização dos jovens, por que ela não atrai o aluno? 

A escola oferece ambientes agradáveis ao estudo e ao encontro dos jovens?

Dispõe de laboratórios, bibliotecas, teatro, cinema, salas de trabalho, computadores e rede de Internet com velocidade adequada? 

Ela está aberta à comunidade e à participação dos pais? 

Como são suas instalações básicas (banheiros, cantina, cozinha, pátio, quadras, iluminação, ventilação, água potável etc.)? 

Se essas questões não estão razoavelmente resolvidas, não haverá reforma curricular que dê conta de manter o jovem na sala de aula. Nem oferecendo curso de robótica, estágio na Nasa ou no Google, distribuindo smartphones ou tablets, qualquer atrativo será momentâneo se o aluno sequer tiver uma cadeira confortável para sentar, um banheiro limpo para usar e professores bem preparados e entusiasmados para ensinar. 

Basta mudar o foco das perguntas para entender a importância das respostas: os senadores que aprovaram a MP 746/2016, têm seus filhos matriculados em escolas públicas? Os filhos de ministros, juízes, empresários e outras figuras de destaque estudam em escolas públicas? Essas famílias já prestaram algum serviço voluntário às escolas públicas de suas cidades? Não? Então como podem votar e opinar sobre o que não conhecem? 

A evasão escolar justifica, de fato, a reforma? 

O governo e as mídias repetem que o Ensino Médio é o maior gargalo da educação brasileira. No bojo desse quadro está a enorme desigualdade social que aumenta a diferença entre estudantes ricos e pobres que concluem o Ensino Médio. Mas essa diferença tem diminuído. Em 2005, 18% dos jovens de 19 anos mais pobres da população concluíram o Ensino Médio; entre os mais ricos, a porcentagem chegava a 80,4%, com uma diferença de 62 pontos percentuais entre os dois grupos.  Em 2014, último dado disponível, o cenário mudou: quase 37% dos mais pobres concluíram o Ensino médio e, entre os mais ricos, quase 85%. A diferença entre os dois grupos ficou perto de 48 pontos percentuais.  Os dados são da organização não governamental Todos Pela Educação, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Houve melhorias, apesar das diferenças ainda existirem, e elas precisam ser diminuídas. Isso leva mais tempo do que o ritmo desejável. Educação é projeto para décadas, para gerações. 

Afinal, qual é a porcentagem de alunos fora do Ensino Médio? 

Em 2016, o estudo Aprendizagem em Foco, do Instituto Unibanco, feito com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou que havia 1,3 milhão de adolescentes entre 15 e 17 anos fora da escola e, portanto, sem Ensino Médio concluído. Eles representam 13% dos adolescentes do país. Em contrapartida, conclui-se que 87% dos adolescentes terminam o Ensino Médio e sonham com a universidade. 

Ora, se 13% dos alunos abandonaram o Ensino Médio, por que não pensar em uma alternativa para essa parcela de jovens ao invés de mudar toda a estrutura de ensino que bem ou mal está atendendo 87% dos adolescentes? 

Se 87% dos jovens terminaram o Ensino Médio, apesar de todas as mazelas da educação brasileira, eles seriam o público ideal para sinalizar o que precisa mudar, melhorar, manter ou eliminar. Eles conhecem o caminho das pedras e, diferente da turma do ar-condicionado, poderiam dar pistas dos atalhos e pontes necessárias para melhorar o percurso. 

A exclusão da obrigatoriedade da História no Ensino Médio 

O tsunami reformista excluiu a obrigatoriedade da História no Ensino Médio. A História (e outras disciplinas) deixa de ser obrigatória para se tornar eletiva. Trata-se de um bom subterfúgio jurídico: sem a obrigatoriedade, os governos deixam de ter obrigação com compra de material didático, instalação de laboratórios, contratação de professores especialistas etc. 

Caberá à escola a decisão de oferecer os itinerários para o aluno cursar. A escola poderá contratar profissionais de “notório saber” e/ou entregar os cursos à terceirização. A formação de professores, a licenciatura e os estágios perdem sua importância e função. É a precarização da docência e do ensino. Paradoxalmente, a reforma que pretende preparar o jovem para o mercado de trabalho, desvaloriza o profissional que está na sala de aula. 

A exclusão da obrigatoriedade de História é uma das aberrações da mudança no Ensino Médio. Muitos reconheciam a necessidade imperiosa de discutir conteúdos e objetivos do ensino de História. Mas eliminar essa disciplina do currículo escolar era impensável. 

Não concordo com a exclusão da obrigatoriedade de História porque: 

1 – É a única disciplina que garante ao cidadão o acesso ao patrimônio cultural da humanidade. Em tempos de globalização, de Internet em tempo real, é o conhecimento histórico que me faz admirar o mundo e sua diversidade e, por conseguinte, me torna propenso à empatia e à tolerância. 

2 – O aluno do Ensino Médio está mentalmente maduro para compreender as abstrações e as conexões que a História exige, melhor preparado para refletir e debater divergências. Privá-lo de exercitar esse raciocínio mais refinado é impedi-lo de desenvolver um pensamento autônomo, crítico e democrático. 

3 – É a História que me permite reconhecer as mudanças temporais, que as sociedades não são imóveis e, por conseguinte, os sujeitos podem mudar sua trajetória porque se reconhecem protagonistas de suas vidas. Sem o conhecimento histórico, estamos condenados a viver sob um destino que supomos imutável e inexorável. 

4 – É a disciplina que modela minha identidade nacional, fornece referências de meu lugar no mundo. É essa identidade e referências que me permitem fazer escolhas, estabelecer prioridades, exercer minha liberdade, delimitar meu campo de atuação, saber a que cultura e valores eu me reporto. Sem uma identidade nacional fortalecida sou um eterno exilado da nação que sequer conheço. 

5 – A História fornece modelos variados de experiências políticas, econômicas, sociais, religiosas, culturais através do tempo e em todo planeta. Busca explicar ações coletivas e escolhas pessoais, contextualizar acontecimentos, questionar argumentos e provas. Sem o exercício de pensar historicamente, não há como entender o mundo nem de buscar outras respostas e soluções. Ficamos prisioneiros do presente. “Afinal, aprender História é aprender sobre nós mesmos. Aprender que o diferente nos homens de qualquer tempo e lugar nos é familiar porque a humanidade é uma, mas a cultura é plural”. (MONTEIRO, 2005).


Fonte: Ensinar História

Nota do GBN: É realmente preocupante essa reforma na educação brasileira, principalmente em se tratando da retirada de matérias que são de grande importância para a criação de laços com as raízes nacionais e o conhecimento de nosso passado e o mundo que nos cerca, privando as futuras gerações da base necessária para a concepção de um pensamento político e social com sólidas bases na história e desenvolvimento de nossa história política e social, além de ser ferramenta de grande importância para a valorização e perpetuação de uma cultura nacional e a propagação de feitos e decisões passadas que justificam o Brasil e mesmo o mundo em que vivemos hoje, relegando ao esquecimento fatos e personagens primordiais á concepção de uma rais nacional e a capacitação de nossas futuras gerações em absorver os ensinamentos oriundos dos erros e acertos passados para conceber novos rumos a nossa nação.

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