O ano de 2016 foi ruim para o livre comércio e para a globalização. Ao que parece, 2017 poderá ser ainda pior.
Por décadas, houve um consenso de que a globalização trouxe mais postos de trabalho, salários maiores e preços mais baixos - não só para os países mais ricos, mas também para as nações pobres ou em desenvolvimento.
Mas há um movimento crescente de raiva ou descontentamento vinda de pessoas que tiveram seus cargos substituídos por máquinas, ou viram velhas indústrias desaparecer e novas ondas de migração transformar realidades locais.
Com isso, fluxos comerciais globais vêm perdendo força e acordos comerciais estão sendo desfeitos.
Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump, que assumiu o cargo no dia 20 de janeiro, ameaçou impor tarifas acima de 45% para produtos chineses, acusando o país asiático de "estuprar economicamente" os EUA.
Um crítico ferrenho da China, o acadêmico Peter Navarro, tornou-se chefe do recém-criado Conselho Nacional de Comércio. Uma das primeiras resoluções de Trump ao chegar à Casa Branca foi a retirada dos Estados Unidos das negociações sobre a Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), que visa estreitar laços econômicos entre 12 nações.
O futuro do livre comércio parece bastante sombrio. Mas o que estaria por trás da raiva que ameaça décadas de relativo consenso sobre a globalização?
Declínio da produção nos EUA
O setor produtivo nos EUA perdeu 6 milhões de postos de trabalho entre 1999 e 2011, segundo estatísticas do governo americano.
Alguns estudos mostram que este declínio dos EUA teria se refletido em ganhos para a China.
Mas as importações chinesas só explicam 44% da queda no número de empregos no setor produtivo americano entre 1990 e 2007, de acordo com dados do Instituto de Estudos sobre Trabalho, que fica em Bonn, na Alemanha.
Nesta conta, também tiveram um papel importante a automação de postos de trabalho e a busca por processos mais eficientes nas empresas.
"Todos os países sofrem perdas com o desenvolvimento tecnológico - sejam operadores de telefonia ou caixas de banco", diz Gary Hufbauer, especialista em negócios do Peterson Institute for International Economics.
"O problema nos EUA é que não oferecemos apoio suficiente com seguridade social ou com reciclagem profissional àqueles que perderam seus postos", afirma.
Protecionismo
O desconforto e a raiva que surgem desta situação encontram eco na retórica protecionista de políticos como Trump.
"Não houve crescimento da renda familiar na Europa, nos EUA e no Japão na última década. As pessoas não estão felizes e, se for preciso culpar alguém, vão culpar os estrangeiros", aponta Hufbauer.
Desde a crise financeira de 2008, o avanço da oposição política à globalização coincide com - e contribui para - um período de quedas no comércio mundial.
Entre 1986 e 2008, o comércio mundial cresceu cerca de 6,5% ao ano em média, segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC).
No entanto, Entre 2012 e 2015, esta taxa desalecerou para uma média de 3,2% anuais, e a previsão é que o comércio global tenha crescido apenas 1,7% em 2016.
Tais baixas significam o mais longo período de relativa estagnação comercial desde a Segunda Guerra Mundial. Na tentativa de isolar indústrias e empresas "dentro de casa", políticos investem em tarifas e restrições a importações de outros países.
"Governos mundo afora quase duplicaram seus recursos em restrições comerciais nos últimos dois anos", diz o professor Simon Evenett, especialista em comércio da Universidade de St Gallen, na Suíça.
"O crescimento nas tentativas de remediar problemas econômicos a partir de sanções a países vizinhos, como no governo Trump ou no Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia), sugere que pressões populistas tendem a exacerbar medidas protecionistas", diz.
A estagnação no crescimento dos países aumentou a pressão sobre políticos. "Governos mundo afora estão ativando políticas protecionistas muitas vezes disfarçadas de políticas industriais", diz Evenett.
Ele afirma que isso normalmente envolve ofertas de subsídios governamentais a companhias locais e novas barreiras para a importação.
Ao mesmo tempo, enquando o protecionismo pode parecer sedutor para políticos acuados por trabalhadores insatisfeitos, ele muitas vezes pode acabar aumentando preços finais para consumidores.
Por exemplo, houve gritaria em 2012 quando pneus baratos vindos da China invadiram o mercado americano, colocando a viabilidade da produção doméstica em questão.
O então presidente Barack Obama respondeu com medidas punitivas para fazer com que a China "jogasse de acordo com as regras".
As medidas foram bem recebidas nos EUA, mas um estudo do Peterson Institute identificou contradições. Segundo o levantamento, as novas regras impostas por Obama resultaram em gastos US$ 1,1 bilhão (aproximadamente R$ 3,3 bilhões) maiores em pneus para os consumidores americanos.
Ainda segundo o estudo, cada posto de trabalho salvo pelas medidas custou US$ 900 mil (ou R$ 2,8 milhões) - e bem pouco dessa quantia chegou aos bolsos dos consumidores.
Futuro do livre comércio em cheque
Com os benefícios econômicos e sociais do livre comércio em xeque, defensores da globalização tentam lançar um contra-ataque. O Banco Mundial, por exemplo, publicou recentemente um estudo sobre países em desenvolvimento, mostrando que os salários médios de pessoas que vivem na base da pirâmide econômica cresceram entre 2008 e 2013, apesar dos impactos da crise financeira.
"Há uma percepção nos países ricos e entre as elites de que há problemas com a globalização", diz o economista Branko Milanovic, cujo trabalho sobre a desigualdade de renda direcionou boa parte deste debate.
Mas as soluções não são óbvias, ou de realização simples.
"A maioria dos benefícios da globalização foi desfrutado por um grupo relativamente pequeno dentro de cada país. A questão não é se existem benefícios da globalização - eles claramente existem. A pergunta é sobre quem os está aproveitando", diz Andrew Lang, da London School of Economics.
Parte do descontentamento pode se dissipar se o crescimento econômico enfim superar a estagnação, aumentando salários pelo mundo.
"Para ajudar a solucionar estes problemas, é preciso que a economia mundial cresça. Governos precisam se comprometer com estímulos fiscais para que suas economias caminhem novamente", diz Gary Hufbauer.
Branko Milanovic ressalta o sucesso de governantes anteriores em reverter economias fragilizadas.
"Não é impossível encaminhar estas questões", diz. "Margareth Thatcher e Ronald Reagan conseguiram transformações efetivas em períodos relativamente curtos - um mandato presidencial de quatro anos deveria ser suficiente para começar a fazer a diferença."
O professor Evenett é mais pessimista: "Eu estimo que o platô global nas relações comerciais continue em 2017. E a estimativa foi feita antes de Donald Trump concretizar as medidas protecionistas que tem ameaçado fazer."
Fonte: BBC Brasil
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