Parece que Putin apostou no cavalo certo, ao decidir apoiar o bilionário americano. Mas o novo presidente provavelmente vai decepcionar o Kremlin, opina o jornalista Andrey Gurkov, da redação russa da DW.
Quando a notícia da vitória de Donald Trump chegou ao plenário da Duma em Moscou, houve aplausos. Os deputados russos festejaram o triunfo do republicano americano quase como se fosse o seu próprio.
O Kremlin já tinha manifestado muito cedo, anos atrás, sua simpatia pelo então azarão na corrida pela Casa Branca. Agora, no final da maratona eleitoral americana, a elite política russa confirma: Vladimir Putin, mais uma vez, apostou no cavalo certo.
A preferência de Moscou por Trump foi baseada, por um lado, na rejeição resoluta a Hillary Clinton. O Kremlin não queria ver de jeito algum a ex-secretária de Estado americana na Casa Branca, pois esperava dela uma política linha dura contra a Rússia – seja na Ucrânia, na Síria ou em questões de direitos humanos.
Por outro lado, o Kremlin ficou satisfeito com os sinais enviados pelo magnata em seus discursos de campanha. Pois ele falou várias vezes do desejo de uma reaproximação com a Rússia e tinha até dado a entender que poderia aceitar a anexação da Crimeia.
A esperança de Vladimir Putin foi, e continua sendo, que Trump, como um idiossincrático presidente dos EUA, o conceda absolvição internacional pelo seu pecado de direito internacional – a conquista da península ucraniana da Crimeia – e suspenda as sanções contra a Rússia.
Esta esperança é reforçada pelo sentimento de que, com alguém tão autoritário, é bastante possível se fazer negócio e até mesmo amizade – por haver sintonia pessoal e ideológica. Donald Trump é como uma espécie de segundo Berlusconi, só que muito mais poderoso.
Será que isso pode mesmo dar certo? Ninguém sabe como alguém tão inexperiente politicamente vai atuar no Salão Oval, até que ponto ele vai ouvir assessores, respeitará seu Partido Republicano, o Congresso, o Senado e os aliados europeus. Mas a imagem criada nas cabeças de Moscou – de uma parceria entre dois governantes que se reúnem na mesa de negociação em pé de igualdade e, de mútuo acordo, dividem o mundo em esferas de influência, como na Conferência de Ialta de 1945 – tem uma falha fundamental.
Donald Trump foi eleito com a promessa de restaurar a grandeza da América. Essa grandeza é feita de sucessos econômico interno e na liderança global. Se Trump realmente conseguirá oferecer a seus eleitores do centro-oeste os postos de trabalho que ele prometeu trazer de volta da China e de outros lugares, é questionável. De qualquer forma, mudanças estruturais vão levar um longo tempo para serem concluídas. Será que o magnata acostumado ao sucesso e à vitória terá paciência para esperar tanto tempo?
Pois ele ainda tem o palco internacional, onde poderia tentar definir a grandeza da América através de façanhas espetaculares. E quem tem posto mais em dúvida nos últimos anos a liderança global dos Estados Unidos? Vladimir Putin. O conceito veementemente propagado por ele de um mundo multipolar que, na sua visão, causará uma valorização geopolítica da Rússia não é compatível com a ideia de Trump de uma América como a maior nação da Terra.
Isso não significa necessariamente um grave conflito entre as duas potências nucleares mais fortes do mundo, como muitos temem. Mas o impulsivo Trump, com o seu chauvinismo centrado nos EUA, pode muito em breve ser tentado a dar uma lição em Vladimir Putin, caso ele entre no caminho americano. Por exemplo, na Síria, na luta contra o EI. E então, o sonho russo de um "eixo dos poderosos" Moscou-Washington rapidamente vai se dissipar.
Mas mesmo que Donald Tramp dê marcha-ré na política externa, fiel a sua promessa isolacionista: também seu programa econômico promete não ser muito bom para Moscou. Porque ele ameaçava a subsistência da Rússia – as receitas provenientes da exportação energética. O futuro presidente dos Estados Unidos não dá muito valor à proteção climática e, portanto, quer voltar a investir mais em combustíveis fósseis.
Através da redução de exigências ambientais ou mesmo de apoio público direto, ele poderia incentivar a extração de óleo de xisto nos Estados Unidos, para criar postos de trabalho e, em particular, para reforçar a independência das importações. Isso pressionaria ainda mais os já baixos preços do petróleo no mercado mundial, sob os quais a Rússia já vem sofrendo enormemente. E uma maior extração do gás de xisto, com simultâneo aumento do uso do carvão para geração de eletricidade, levaria os EUA a exportar muito mais gás para a Europa, o que faria derreterem os lucros da líder do setor, Gazprom.
Em suma, o aplauso na Duma parece ter sido prematuro. No final das contas, com grande probabilidade, a vitória eleitoral de Donald Trump vai acabar sendo para a Rússia de Putin, tal como a anexação da Crimeia, uma vitória tática brilhante e uma derrota estratégica devastadora.
Fonte: Deutsche Welle
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