terça-feira, 25 de outubro de 2016

A longa estrada rumo a Mosul

Uma semana depois de coalizão liderada pelos EUA iniciar ataques a Mosul, a maior cidade controlada pelo Estado Islâmico no Iraque, especialistas põem em dúvida superioridade numérica do grupo militar. Batalha será longa e sangrenta, segundo eles, incluindo por causa de divergências entre os inimigos do EI.

A operação liderada pelos Estados Unidos para libertar a cidade iraquiana de Mosul, que está sob controle do Estado Islâmico (EI) desde junho de 2014, foi anunciada pelo
primeiro-ministro iraquiano Haider al-Abadi em 17 de outubro.
Estima-se que a cidade tenha hoje entre 700 mil e 1,5 milhão de civis, e de 5.000 a 10.000 militantes. A ofensiva envolve 60 mil pessoas, entre forças do Exército iraquiano, milícias sunitas e xiitas, e peshmerga (forças de autodefesa curdas).
O apoio aéreo é fornecido pela força aérea da coalizão antiterrorista internacional liderada pelos Estados Unidos.
“O momento de grande vitória está próximo”, disse o premiê iraquiano, ao anunciar o ataque a Mosul. Mas a primeira semana de operação demonstrou dificuldades.
Logo após seu início, eclodiu um conflito entre al-Abadi e o presidente turco Recep Tayyip Erdogan sobre a participação de tropas turcas na tomada de Mosul.
Com o EI lançando novos contra-ataques em cidades já libertadas, o candidato presidencial dos EUA pelo Partido Republicano, Donald Trump, referiu-se à ofensiva dos EUA e seus aliados em Mosul como “desastre total”.
Aviação dos EUA dá suporte aéreo a ofensiva iraquiana Foto: Reuters
Aviação dos EUA dá suporte aéreo a ofensiva iraquiana Foto: Reuters
Quem vai lutar
A superioridade numérica da coalizão não é crítica, aponta o especialista militar Vladímir Ievseiev, vice-diretor do Instituto da CEI, em Moscou.
“Os curdos não vão atacar Mosul”, diz Ievseiev. “Eles ocuparam o território onde seus compatriotas vivem, nos arredores da cidade, e não irão mais longe. Al-Abadi não vai deixar as milícias xiitas em Mosul para evitar carnificina. Os turcos, a força mais capaz entre elas, também não vai invadir a cidade para evitar baixas.”
Resta, portanto, segundo Ievseiev, apenas o exército regular iraquiano, onde há um elevado número de desertores e corrupção florescendo.
“No máximo 30.000 dos 60.000 anunciados, talvez menos, vão avançar”, acrescenta. “Em ambientes urbanos, com boa estrutura de engenharia [desenvolvida pelo EI], essas forças não serão capazes de tomar a cidade.”
Além disso, pelo fato da parte oeste de Mosul não estar bloqueada, os militantes podem receber reforços. “Não dá para garantir a vitória antes da eleição presidencial de 8 de novembro como planejado [pelos EUA]”, diz o especialista.
A previsão de que a guerra será prolongada é também apoiada por Leonid Isaiev, estudioso de questões árabes e professor sênior do departamento de ciência política na Escola Superior de Economia, em Moscou.
Segundo ele, a tomada dos vilarejos perto de Mosul, e, em seguida, de cada bairro da cidade, pode se arrastar por “por meses e ocasionar um grande número de vítimas”.
Sunitas contra xiitas
Mesmo uma vitória sobre o Estado Islâmico em Mosul não trará paz ao Iraque, dizem os observadores russos.
Isaiev recorda que, nos últimos dois anos, as milícias xiitas que libertaram as aldeias sunitas do EI massacraram suas populações para “colaborar com o inimigo”.
Os curdos também teriam interesses próprios: ao libertar os territórios no norte do Iraque das mãos dos terroristas, eles podem se expandir territorialmente, expulsando árabes de suas aldeias para receber colonos curdos.
É por isso que, segundo Isaiev, a organização da vida pós-guerra em Mosul, para evitar a limpeza étnica e religiosa, não é menos urgente do que a luta contra o EI.
“Em uma época em que muitas milícias religiosas e tribais não estão sujeitas ao governo, isso não é fácil de conseguir”, sugere o acadêmico.
Receio de ‘Aleppo iraquiana’
O grande número de civis que permanecem na cidade é também motivo de preocupação na ofensiva a Mosul. Desde o início da operação foram relatadas mortes de civis em decorrência de ataques aéreos por integrantes da coalizão.
Segundo Ievseiev, é quase impossível evitar vítimas civis durante bombardeio a cidades. “Washington entende isso e está tentando evitar uma situação semelhante à de Aleppo, onde o Ocidente acusa a Rússia e a Síria de ataques aéreos contra civis.”
Os EUA enfrentam uma escolha difícil, acredita o especialista.
“Bombardeios levam a baixas civis, porém, sem bombardeio aéreo, as grandes perdas serão daqueles que tentarem tomar a cidade por terra – ou seja, aliados iraquianos de Washington”, afirma Ievseiev.
A população do Iraque é, de acordo com estimativas, de 37 a 38 milhões de pessoas. Entre 75% e 80% são árabes; a maior minoria étnica são os curdos (15% as 20%), concentrados no norte do Iraque.
Os xiitas constituem a maioria religiosa no Iraque (até 70% da população). O Estado Islâmico segue uma versão sunita do Islã, que vê os xiitas como hereges. O norte do Iraque, incluindo Mosul, é habitado principalmente por sunitas.

Fonte: Gazeta Russa
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