Com 19 medalhas conquistadas, o Brasil teve seu melhor desempenho da história nos Jogos Olímpicos de 2016. Um gesto em particular pode ter chamado a atenção daqueles que assistiam às premiações: no pódio, diversos atletas prestaram continência – o caso de Arthur Zanetti, que ganhou prata na ginástica artística; de Felipe Wu, prata no tiro esportivo; e de Martine Grael e Kahena Kunze, que faturaram o ouro na vela. Não foi por acaso. Esses atletas fazem parte do Programa Atletas de Alto Rendimento das Forças Armadas. Este ano, 145 atletas militares participaram da Olimpíada Rio 2016, o que corresponde a 30% do Time Brasil. Esses atletas conquistaram 13 medalhas para o país, quase 70% do total.
Criado em 2008, durante o governo Lula, o programa conta hoje com 670 esportistas, 76 deles militares de carreira e 594 temporários. Anualmente, o Ministério da Defesa investe aproximadamente R$ 15 milhões em salários para os atletas militares de alto rendimento. Somado a isso, a pasta gasta cerca de R$ 3 milhões por ano com eventos esportivos nacionais e internacionais, aquisição de equipamentos, uniformes, e outros itens destinados ao aperfeiçoamento dos atletas.
Com o grande número de medalhas, o programa ganhou destaque, mas o major Flávio Guedes, vice-presidente da Comissão de Desportos do Exército, ressalta: “nós contribuímos, mas o protagonismo é dos atletas, de seus treinadores, seus clubes, de todo o staff”. “Muitos estão atribuindo o bom resultado ao programa de atletas de alto rendimento, só que eu queria deixar claro que, na verdade, os grandes protagonistas nesse sucesso são os atletas. No programa de alto rendimento do Exército, nós apenas damos o suporte, o mérito desse resultado é dos atletas”, diz.
Os atletas ingressam no programa por meio de um edital público. "Nesse edital, colocamos as modalidades e as vagas disponíveis de acordo com os nossos interesses”, afirma Guedes. A escolha doa atletas que integram o programa é feita prova de títulos, que inclui currículo esportivo, resultados em competições e o ranking nacional de cada esporte. Os atletas que entram no programa são incorporados às Forças Armadas no cargo de terceiro sargentos temporários e têm direito à remuneração líquida de aproximadamente R$ 3,2 mil mensais, 13º salário, locais para treinamento, comissões técnicas, participação nas competições do Conselho Internacional do Esporte Militar, apoio de saúde com atendimento médico, odontológico, fisioterápico, alimentação e alojamento. Os atletas podem ficar no programa de alto rendimento por, no máximo, oito anos, com renovação anual.
Oportunidade para treinar em período integral
Para muitos atletas, a oportunidade de entrar para as Forças Armadas garante que eles consigam continuar treinando. É o caso de Felipe Wu, o primeiro atleta brasileiro a ganhar medalha nesta Olimpíada. Wu começou a treinar tiro esportivo com 11 anos, incentivado pelos pais, que praticavam o esporte como hobby. “Logo que comecei a competir, com uns 15 anos, sabia que era isso que eu queria fazer”, diz ele. O atleta entrou no programa de alto rendimento em 2013, com 21 anos. “Foi como um divisor de águas, comecei a receber salário, munição e armas. Sem isso, seria muito difícil continuar treinando em tempo integral”. Para Wu, hoje com 24 anos, a entrada no Exército resolveu também outro problema: o acesso a equipamento. Pelo estatuto do desarmamento, a idade mínima para comprar e portar armas de fogo é de 25 anos. “Como sargento temporário, eu posso ter armas para treinar”, afirma.
Ao serem aceitos pelo programa, os atletas passam por um treinamento de 45 dias, para se tornarem militares temporários. Estudam a hierarquia militar, passam por teste físico, instrução militar, aprendem a marchar, a prestar continência e outras atividades da rotina de todo militar na ativa. “Para mim, foi uma experiência única”, diz Wu. Segundo ele, a disciplina aprendida com o treinamento de tiro esportivo o ajudou a entender e a se encaixar na cultura militar.
Para Cássio Rippel, atleta olímpico de tiro esportivo na categoria carabina deitada, o caminho foi o contrário. Ele se formou na Academia Militar das Agulhas Negras em 1999 e passou a integrar a equipe da Comissão de Desportos do Exército em 2000. Mas foi só em 2003 que ele começou a competir em modalidades olímpicas. “Ao contrário dos outros atletas do programa de alto rendimento, eu entrei no exército porque meu objetivo era realmente seguir carreira como militar”, afirma. Entre as obrigações dentro do Exército, Rippel aprendeu a atirar e começou a competir em jogos militares. Foi só depois das seletivas para o Pan-Americano de 2007 que ele passou a se dedicar às modalidades não militares. “Foi o momento que consegui visualizar que era possível integrar o Time Brasil”.
“Acho que o mais importante para mim for ter disciplina para manter o planejamento”, diz. “O foco no resultado e no alto rendimento é o maior desafio no tiro esportivo. Mesmo quem está começando é capaz de fazer um 10, mas o esporte se torna instigante e apaixonante quando você precisa repetir isso 60 vezes, e para isso é preciso manter a concentração”.
Para as Forças Armadas, o primeiro objetivo do programa de alto rendimento foi ter uma delegação competitiva e representativa na 5ª edição dos Jogos Mundiais Militares, em 2011, que ocorreu no Brasil. “O ponto de partida do programa foi buscar uma boa representatividade do Brasil nesse mega evento esportivo que o país organizou”, afirma o major Guedes. “O principal objetivo do programa é representar efetivamente o Brasil em campeonatos mundiais militares. O segundo objetivo, que também é muito importante para nós, é motivar a prática do esporte dentro do Exército, então os atletas do programa são bastante solicitados a comparecer em competições internas, promover palestras e realmente se aproximar principalmente dos jovens, alunos de colégio militar, de colégios de formação. Por último, é contribuir para o desenvolvimento do esporte nacional”, afirma.
Nem todos os atletas treinam em instalações das Forças Armadas. Segundo o Ministério da Defesa, essa é uma decisão que cabe ao atleta e a cada confederação. Felipe Wu, por exemplo, treina principalmente em São Paulo, no Clube Hebraica. Em algumas ocasiões, contudo, ele parte para o Rio de Janeiro, onde toda a equipe de tiro esportivo se reúne com o treinador, nas instalações da Escola Naval. Já Rippel, por exemplo, treina em um centro do Exército em Campinas.
Continência
Quanto à continência no pódio, Guedes afirma que foi um ato espontâneo dos atletas. “Todo atleta militar faz um o estágio de adaptação à vida militar, com as mesmas instruções que qualquer sargento do Exército recebe. E, dentre essas instruções, está essa parte relacionada aos sinais de respeito. Nenhum deles foi obrigado ou persuadido a prestar continência, foi realmente um ato espontâneo do atleta, que entendeu o significado do gesto”, diz Guedes.
Para Felipe Wu, prestar continência foi “natural”. “Para mim, foi um sinal de respeito, aprendi isso durante o treinamento, e acho que foi por conta disso que eu prestei continência no pódio”.
Confira as medalhas de atletas ligados ao Programa de Alto Rendimento das Forças Armadas:
Ágatha e Bárbara (prata no vôlei de praia)
Alisson e Bruno (ouro no vôlei de praia)
Arthur Nory (bronze na ginástica artística)
Arthur Zanetti (prata na ginástica artística)
Felipe Wu (prata no tiro esportivo)
Maicon Siqueira (bronze no taekwondo)
Martine Grael e Kahena kunze (ouro na vela)
Mayra Aguiar (bronze no judô)
Poliana Okimoto (bronze na maratona aquática)
Rafael Silva (bronze no judô)
Rafaela Silva (ouro no judô)
Robson Conceição (ouro no boxe)
Thiago Braz (ouro no atletismo)
Alisson e Bruno (ouro no vôlei de praia)
Arthur Nory (bronze na ginástica artística)
Arthur Zanetti (prata na ginástica artística)
Felipe Wu (prata no tiro esportivo)
Maicon Siqueira (bronze no taekwondo)
Martine Grael e Kahena kunze (ouro na vela)
Mayra Aguiar (bronze no judô)
Poliana Okimoto (bronze na maratona aquática)
Rafael Silva (bronze no judô)
Rafaela Silva (ouro no judô)
Robson Conceição (ouro no boxe)
Thiago Braz (ouro no atletismo)
Fonte: Época Negócios via Notimp
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