sexta-feira, 24 de junho de 2016

A Colômbia diante do fim de uma guerra

Especialistas ouvidos pela DW explicam obstáculos para implementação do recém-assinado acordo de paz entre as Farc e Bogotá. Entre os empecilhos está a ação de grupos criminosos no vácuo deixado pela guerrilha.

Os colombianos celebraram a notícia nas redes sociais com hashtags como #FinDeUnaGuerra, #SiALaPaz ou #ElUltimoDiaDeLaGuerra: finalmente os negociadores do governo do presidente Juan Manuel Santos e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) assinaram um acordo histórico de cessar-fogo, para o fim das hostilidades e deposição de armas. A assinatura ocorreu nesta quinta-feira (23/06), em Havana.
Até então haviam sido acordadas regras para o desenvolvimento agrícola, participação política da guerrilha, luta conjunta contra o tráfico de droga, a atenção às vítimas do conflito e implementação de um sistema de justiça de transição. No entanto, o tópico sobre o cessar-fogo – o terceiro da agenda de cinco pontos que serve de estrutura para as negociações de paz iniciadas no final de 2012 – causou discordâncias e atrasos.
Garantias são "ponto nevrálgico"
"Este é um ponto nevrálgico tanto para o governo como para as Farc", incluindo não só o cronograma de desarmamento, mas também a definição das áreas de concentração dos guerrilheiros para a fiscalização do cessar-fogo bilateral, disse à DW o cientista político Günther Maihold, diretor adjunto do Instituto Alemão de Relações Internacionais e de Segurança (SWP, na sigla original).
Nessas áreas, "o governo deve ser capaz de garantir a segurança dos desmobilizados". Resolvido tudo isso, de acordo com o cronograma conhecido, a assinatura do acordo de paz pode acontecer em dois meses, noticiou a imprensa colombiana.
Mas nos últimos tempos apareceram informações sobre paramilitares e grupos criminosos que se uniram num esforço para invadir os espaços que podem ficar sem controle quando as Farc se desmobilizarem. Esses grupos têm contas pendentes com membros das Farc, diz Maihold.
Segundo o diretor do SWP, essas áreas "têm de ser bem controladas e, de acordo com o acordo anterior, ser localizadas onde não haja atividades de mineração ou ilegais". Além disso, as Farc defenderam que essas zonas sejam relativamente grandes, enquanto o governo insistiu em mantê-las pequenas.
Referendo deve despertar emoções
Presidente colombiano, Juan Manuel Santos
Presidente colombiano, Juan Manuel Santos: confiante no cumprimento dos prazos
Com esse avanço, cai o último grande obstáculo para um acordo de paz entre o governo e as Farc e é aberto um outro ponto vital: o processo de aprovação popular, através de referendo, "que supomos que possa ocorrer a partir de setembro", avalia Maihold.
Então, finalmente, a discussão sobre as medidas de paz sairá de Havana, chegando à sociedade colombiana, onde "vai despertar muitas emoções, desde a alegria até o medo, passando pelo trauma", e onde serão necessárias muita mediação e reconciliação, explicou o especialista.
"Os municípios em cujas proximidades poderão ser abertos esses campos de mobilização estão altamente preocupados pelos efeitos do afluxo de cerca de 18 mil desmobilizados em suas vidas diárias", adverte o cientista político berlinense, que segue de perto o processo na Colômbia.
"Um medo visível durante meses no interior da Colômbia é do ressurgimento da extorsão e de outras formas de insegurança", ressalta Jorge A. Restrepo, diretor do Centro de Recursos para Análise de Conflitos (Cerac). "Esse medo já levou à criação de grupos de segurança privada, o que seria prejudicial para o desenvolvimento, a democracia e a estabilidade política na Colômbia, pois abrem uma porta para fenômenos violentos que já experimentamos no passado."
Apoio dos vizinhos
"Enquanto se aproxima da paz e se distancia de sua imagem de país problemático, a Colômbia precisa do apoio de seus vizinhos, que devem servir como fiadores desse processo", afirma Maihold.
Por um lado, países como Chile e Brasil têm se oferecido para apoiar o processo de desarmamento com forças de segurança, já que as Farc rejeitam entregar as armas às autoridades colombianas. Por outro lado há a fronteira com a Venezuela, onde operam tanto as Farc e como o Exército de Libertação Nacional (ELN), a segunda guerrilha colombiana, agora em diálogo com o governo.
Representantes do governo colombiano e das Farc negociaram em Havana (foto de maio de 2015)
Representantes do governo colombiano e das Farc negociaram em Havana (foto de maio de 2015)
Existem "dúvidas justificadas" sobre a possibilidade de a passagem de fronteira servir para alguns guerrilheiros manterem as armas. "Na situação política e social precária da Venezuela, será importante ver como especialmente as suas Forças Armadas vão cooperar com a desmobilização, e se será possível uma vigilância das fronteiras para controlar o máximo possível os movimentos de grupos militares ou criminosos", frisa o diretor adjunto do SWP.
Por outro lado, o Conselho de Segurança da ONU aprovou em janeiro a criação de uma missão para monitorar o cessar-fogo, delegando a missão a peritos civis de países-membros da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). "Mas essa organização regional não tem experiência nesse tipo de missão", adverte Maihold.
Paz na teoria e na prática
Na véspera do anúncio, o presidente da Colômbia já havia se manifestado confiante de que o arcabouço jurídico em torno do processo de paz possa começar a andar dentro de um mês, em 20 de julho, com o início do novo período legislativo. Mas o chefe das Farc, Rodrigo Londoño (também conhecido como Timoshenko) insinuou que, apesar do avanço, ainda faltam determinados acertos.
Que faltaria? O que mais pode bloquear esse acordo de paz a ser implementado em dois meses? "Os acordos devem ser convertidos em leis, regulamentos, orçamentos", adianta Maihold. "Além disso, os diversos atores políticos terão que convencer a população colombiana da utilidade do que foi negociado."
O especialista acrescenta que o governo terá que fornecer "garantias efetivas", e que as Farc terão que convencer seus próprios seguidores da sua "pedagogia da paz" e impor sua capacidade de controle sobre a autonomia que essas frentes ganharam ao longo dos anos, garantindo a abandono das armas.

Fonte: Deutsche Welle
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