Apesar da pauta tomada pela discussão de acordos de livre comércio, a 49º Cúpula do Mercosul, que ocorreu nesta segunda-feira (21/12) em Assunção, foi marcada pelo primeiro confronto direto entre o novo presidente da Argentina, Mauricio Macri, e o governo da Venezuela.
Durante a etapa da cúpula reservada aos discursos para os chefes de Estado, o mandatário argentino, após agradecimentos protocolares, cumpriu a expectativa de citar o caso dos presos políticos na Venezuela.
"A democracia é um pacto de convivência entre pessoas que pensam de maneira distinta", disse antes de pedir diretamente a liberdade de opositores que foram presos na Venezuela após uma série de manifestações antigovernamentais em 2014. "Quero pedir explicitamente aqui, diante dos queridos presidentes, pela rápida libertação dos presos políticos na Venezuela. Temos que consolidar uma verdadeira cultura democrática no bloco."
O discurso provocou reação negativa da ministra das Relações Exteriores da Venezuela, Delcy Rodríguez, representando o presidente Nicolás Maduro, que não compareceu alegando "problemas na agenda".
"Você está cometendo uma ingerência. Você está defendendo esse tipo de manifestação. Você está defendendo a violência política. [...] Na Venezuela existem poderes impendentes que devem ser respeitados. Eu entendo por que Macri pede a liberdade desses presos. Um de seus primeiros anúncios foi de anunciar a libertação dos responsáveis por torturas e assassinatos durante a ditadura argentina. Muito nobre a sua causa. Se vamos falar de maneira franca de direitos humanos, temos que falar sem padrões duplos", disse Rodríguez.
As câmeras que registraram o evento conseguiram capturar o desconforto visível dos chefes de Estado que escutavam as reclamações da ministra. Após seu discurso houve poucos aplausos.
Conflito anunciado
O confronto entre a Argentina e a Venezuela já vem se delineando há semanas. Durante sua campanha eleitoral, Macri já havia dito que mudaria a abordagem simpática do governo argentino em relação ao regime chavista, afirmando repetidamente que pediria a liberdade dos presos políticos.
No fim de novembro, Macri chegou a anunciar que aproveitaria a cúpula para invocar a cláusula democrática do Mercosul contra a Venezuela "pelos abusos na perseguição aos opositores e à liberdade de expressão", uma medida que poderia resultar na suspensão do país do bloco. Poucos dias depois, no entanto, Macri mudou de ideia.
Já a presidente Dilma Rousseff aproveitou a ocasião para fazer um discurso mais conciliador e para apontar que o Brasil não compartilha da posição da Argentina em relação à Venezuela. Para a presidente, o bloco caminha para a "construção e consolidação da democracia depois de anos de autoritarismo", e tanto a eleição presidencial na Argentina quanto a parlamentar na Venezuela são "dois exemplos recentes que mostram nossa maturidade".
Pouco antes da reunião, a Venezuela já havia demonstrado contrariedade com a proposta do Paraguai – país igualmente crítico ao chavismo – de discutir o estabelecimento no bloco de uma comissão para os direitos humanos, semelhante à que existe na Organização dos Estados Americanos (OEA) – da qual a Venezuela se retirou em 2012.
Livre comércio em destaque
Além do momento de tensão sobre os presos políticos na Venezuela, a cúpula foi marcada por queixas e pedidos do Paraguai, do Uruguai e da Argentina para avançar a agenda de livre comércio do bloco.
Ao discursar, o presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez – que a partir desta segunda-feira passou a comandar a presidência pro tempore do Mercosul – se queixou da lentidão do bloco em relação à agenda econômica. "Muitas coisas acontecem no mundo que nos afetam, temos que ser protagonistas." Ele apontou que o bloco está sofrendo de "fadiga" e que apenas 11% das normas aprovadas nos últimos dois anos estão relacionadas à agenda econômica.
A posição foi compartilhada pelo Paraguai, que também pressiona por maior rapidez na assinatura de acordos. O ministro paraguaio da Indústria, Gustavo Leite, disse durante a cúpula que "o Mercosul ideológico e político não beneficiou ninguém, temos de voltar ao Mercosul econômico e comercial, de integração real e de livre comércio".
O país também apontou a existência de 80 normas e barreiras alfandegárias de países do bloco que dificultam o comércio interno, propondo que elas sejam eliminadas.
De olhos no exterior
Antes da chegada dos chefes de Estado, os ministros das Relações Exteriores dos países do Mercosul se reuniram no domingo para discutir o estreitamento das relações do bloco com a China, a Rússia e a União Europeia.
"Concordamos todos que o Mercosul tem que avançar em tudo o que diz respeito a seu relacionamento externo não só com a UE, mas com outros países como Canadá, Japão, Rússia e China", disse o chefe da diplomacia paraguaia, Eladio Loizaga. "É necessário que o Mercosul retome suas origens, o Artigo 1º de livre circulação de bens, serviços e fatores de produção."
Ao longo de 2015 os países do bloco retomaram as negociações para um acordo de livre comércio com a UE, que se arrastam há 20 anos. Em outubro, o Mercosul finalmente apresentou ao bloco europeu o esboço de uma nova oferta conjunta.
Os detalhes ainda não foram divulgados, mas segundo o governo brasileiro, o documento inclui 85% dos produtos exportados pelos europeus. Agora espera-se a apresentação de uma contraproposta europeia, o que só deve acontecer em 2016. O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, observou que "o Mercosul está pronto para proceder à troca de ofertas de acesso a mercados o mais rapidamente possível".
Fonte: Deutsche Welle
0 comentários:
Postar um comentário