Quem acredita em mudanças radicais no modelo de exploração do petróleo na camada pré-sal e uma volta ao regime de concessões do período de Fernando Henrique Cardoso corre o risco de se frustrar. A aposta seria na flexibilização proporcionada por um projeto do senador tucano José Serra de acabar com a obrigatoriedade de a Petrobras operar de forma exclusiva e de deter, no mínimo, 30% de participação nos blocos licitados. Mas uma emenda apresentada na quarta-feira 1º pelo peemedebista Ricardo Ferraço mantém a empresa no controle da situação: propõe que todos os poços licitados sejam antes oferecidos à estatal. A obrigação seria substituída pelo direito de preferência. Isso permitiria à petroleira escolher as áreas de seu interesse e descartar poços menos rentáveis. A emenda reflete uma insatisfação de vários senadores com o regime de urgência de votação do projeto Serra, bancado pelo presidente da Casa, Renan Calheiros. Os argumentos de especialistas do setor em uma sessão temática aumentaram as convicções daqueles favoráveis a um debate mais aprofundado.
A emenda, que contaria com o apoio do ex-presidente Lula, além de afastar, ao menos por ora, o risco de mudanças radicais no regime de partilha, atenderia a uma necessidade econômica imperiosa, de reconfiguração da exploração de petróleo e gás. Há seis anos, quando o modelo para o pré-sal foi definido, o barril de petróleo estava cotado a 100 dólares e o escândalo de corrupção na Petrobras e fornecedoras não havia aflorado. Com a mudança radical das condições do negócio, manter a obrigação de investimento definida em uma conjuntura favorável tornou-se um risco para a empresa. Essa percepção estaria na base da aprovação informal da própria Petrobras e da PPSA, empresa representante dos interesses da União, à derrubada da exigência de a companhia participar em todos os investimentos.
Dilma Rousseff, em viagem aos Estados Unidos, orientara sua equipe a combater qualquer mudança no regime de exploração do pré-sal, mas a fragilidade do governo aumentou as chances de aprovação a toque de caixa do projeto de Serra. A alternativa supostamente apoiada por Lula retardaria a escalada para derrubar o regime de partilha. Neste, o petróleo extraído fica com o Estado e no de concessão, criado durante o governo FHC, é apropriado pelas empresas concessionárias. A tática funcionou e a votação, que Calheiros pretendia realizar no começo da semana, foi adiada.
De qualquer forma, a Petrobras terá de se adaptar a uma nova realidade, fruto da queda do preço internacional do petróleo, da crise econômica interna e do escândalo de corrupção investigado pela Lava Jato. “Se a Petrobras não tiver a obrigação, poderá escolher os poços ou campos mais rentáveis, com mais chances de retorno e não ser compelida a participar de todos. Isso talvez fosse possível há seis ou sete anos, com dólar baixo, preço do petróleo lá em cima e perspectivas de exportar 1 bilhão de barris”, diz Mario Bernardini, diretor da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos. Mas o preço da commodity caiu, o dólar subiu e a produção continua a girar em torno de 2,2 milhões barris por dia, pois “o que entra de óleo do pré-sal, ela perde nos campos mais rasos do Espírito Santo que começam a se esgotar”.
O fato de parte dos senadores apoiar a emenda de Ferraço e rejeitar a proposta original de Serra sugere a existência de uma preocupação com a adaptação das regras da exploração de petróleo à nova realidade sem comprometer o modelo de partilha. Segundo o economista Edmar de Almeida, integrante do Grupo de Economia da Energia, de pesquisadores das universidades federais do Rio Janeiro e Fluminense, parte das propostas seria uma tentativa de resposta à crise e busca tornar o País mais atrativo a novos investimentos externos. “Infelizmente, a Petrobras hoje tem mais recursos petrolíferos na mão do que pode desenvolver.” A cadeia de fornecedores preparou-se para um cenário de grande expansão no setor, aponta o pesquisador. Estaleiros foram construídos, muitas empresas estrangeiras ergueram fábricas em território nacional para atender à demanda potencial de bens e serviços, outras implantaram laboratórios de pesquisa e desenvolvimento no Rio de Janeiro. “Toda essa mobilização de recursos está agora ameaçada. É natural que se busquem alternativas para evitar uma grande desorganização no setor.”
O novo plano de negócios da Petrobras anunciado na segunda-feira 29 parte de uma leitura semelhante e deixa clara a intenção da empresa de reduzir seu tamanho. O programa anterior, diz Bernardini, exigia um barril de petróleo acima de 120 dólares, pois só assim os lucros e o caixa seriam suficientes para garantir o volume de investimentos. Na quinta-feira 2, a cotação do barril fechou a 60,24 dólares, metade daquele valor, portanto. A insuficiência da geração de caixa em decorrência da queda do preço do óleo, o pequeno aumento da produção, a impossibilidade de ampliar ainda mais o endividamento, de cerca de 400 bilhões de dólares, e os efeitos da Operação Lava Jato levaram a uma redução de 35% nos investimentos previstos, para 26 bilhões de dólares por ano. “Talvez a empresa seja obrigada, se não tiver fôlego para investir, a abrir mão da exclusividade de participar de toda perfuração feita no pré-sal”, avalia o executivo. O plano prevê ainda a venda de ativos no total de 42,6 bilhões de dólares até 2019, uma das maiores desmobilizações realizadas no setor, e inclui a alienação de 49% do capital da BR Distribuidora, segundo informou o presidente da empresa, Aldemir Bendine, na quinta-feira 2.
“Por enquanto, a política é salvar a Petrobras, o que já é muito importante, mas devemos pensar no conjunto de empresas e segmentos que hoje dependem do setor de petróleo e gás no Brasil”, alerta Almeida. “É preciso estruturar uma política industrial específica para o setor”, propõe o diretor-geral da Organização Nacional da Indústria do Petróleo, Eloi Fernández y Fernández.
Na sessão temática do Senado sobre a participação da Petrobras no pré-sal, os depoimentos de especialistas levaram vários senadores a propor uma análise mais detalhada do projeto de Serra. O professor Ildo Sauer, da Universidade de São Paulo, diretor da Petrobras entre 2003 e 2007, argumentou pela manutenção integral das regras atuais. “A lei permite a contratação direta da Petrobras sem licitação e esse é o regime que eu defendo. É o mais eficiente, o mais eficaz, e permite tirar partido de duas grandes vantagens comparativas do Brasil: a capacitação tecnológica da empresa, não obstante as mazelas que hoje a afligem, e o grande volume de petróleo, que ainda não foi devidamente estabelecido.”
Para Haroldo Lima, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, é absurdo mudar o regime, adotado com sucesso em muitos países e discutido minuciosamente pelo Congresso brasileiro. Seu índice de sucesso é de 25% no mundo, 30% no Brasil, 75% no pré-sal e cerca de 100% nessa camada na Bacia de Santos e “isso é absolutamente central”.
O projeto de Serra tem, no entanto, aliados poderosos no Congresso. Além de Calheiros, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, defende mudanças no regime de partilha e no papel da Petrobras na exploração das reservas brasileiras.
Fonte: Carta Capital
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