segunda-feira, 15 de junho de 2015

Em um ano, "Estado Islâmico" transforma Mossul em seu bastião

Ligações telefônicas de junho de 2014, quando jihadistas tomaram a metrópole de 2 milhões de habitantes, explicam o por quê de o Exército iraquiano só ter resistido por dois dias
"Que droga, onde é que estão os aviões?", grita, nervoso, o tenente Adnan ao telefone. "Nós já estamos esperando há mais de uma hora!" O comandante Mahdi al-Gharawi se limita a dizer que lhe foi prometido apoio aéreo e deve chegar a qualquer minuto.

Mas os aviões não vêm. O tenente liga de novo para Gharawi e, do outro lado, alguém lhe assegura: o comandante está falando naquele momento com o primeiro-ministro e retornará logo a chamada. Enquanto isso, a batalha por Mossul se inflama. Posto a posto, os milicianos do "Estado Islâmico" (EI) vão se apoderando da cidade de 2 milhões de habitantes. É o dia 10 de junho de 2014.

Cria-se uma situação caótica. O alto comandante da força-tarefa de Nínive, encarregado da defesa de Mossul e de toda a província no noroeste do Iraque, liga para seus oficiais, um a um, inquirindo sobre as posições e a missão dos soldados.

Agora é Gharawi que grita ao telefone: "Vou mandar fuzilar todo mundo que desertar!" A situação se agrava. Por celular, o general de brigada dá a ordem de concentrar na Praça Yarmuk todas as tropas que ainda restam. Quando, pouco mais tarde, ele tenta ligar para os oficiais para obter informações, ninguém atende ou os celulares estão desligados. Mossul está nas mãos do EI.

As Forças Armadas iraquianas só foram capazes de defender por dois dias a segunda maior cidade do país, contra uma organização terrorista que até então ninguém levava a sério, e que agora espalha temor e pânico por toda a região.

Defesa desorganizada

As 45 gravações do telefone celular de Gharawi, às quais a reportagem da DW teve acesso, permitem reconstruir de forma dramática o que se desenrolou em Mossul um ano atrás. Suas ordens são descoordenadas, desestruturadas e antiprofissionais: ele só fornece a seus comandados indicações vagas de localização, não é possível se perceber nenhuma estratégia de defesa.

As queixas dos oficiais, de que há dois dias não lhes chega comida nem munição, ficam sem resposta. O general também permanece mudo quando o tenente Mohsin o informa que os fuzis montados nos tanques não funcionam direito e que faltam sistemas de monitoramento.

Durante a tomada de Mossul, não só centenas de soldados desertaram, como também caíram em mãos do EI numerosos armamentos e veículos dos arsenais do Exército do Iraque.

"Perdemos muitas armas", declarou recentemente na televisão estatal o premiê iraquiano, Haider al-Abadi. Além disso, admitiu, os extremistas se apossaram de 2.300 veículos utilitários militares do tipo HMMWV.

O general Gharawi foi destituído de seus postos e processado. Ele próprio se sente injustiçado, e alega existirem gravações de conversas telefônicas em que, na qualidade de supremo comandante das Forças Armadas, o então primeiro-ministro, Nuri al-Maliki, dá pessoalmente a ordem de retirada de Mossul.

Ao se completar um ano desde a tomada da cidade, uma comissão de inquérito deveria apresentar seu relatório a respeito, mas a sessão foi adiada.

Adiada foi também a reconquista da metrópole. "Primeiro Tikrit, depois Mossul", foi o que se ouviu consistentemente, durante meses, tanto do comando supremo em Bagdá quanto dos integrantes da aliança internacional que, liderada pelos Estados Unidos, desde agosto último realiza ataques aéreos contra o EI no Iraque.

A grande ofensiva deveria começar em abril ou maio, com os militares iraquianos e tropas curdas operando em conjunto. Segundo informações vazadas por um funcionário do comando central das Forças Armadas americanas ao jornal New York Times, tropas especiais dos EUA também seriam mobilizadas em terra, a fim de melhor coordenar as ofensivas aéreas.

A Secretaria de Defesa em Washington reagiu irritada com a divulgação tão detalhada de uma operação militar ainda nem começada. O chefe do Pentágono, Ashton Carter, falou de "revelação equivocada de sigilos militares", e a missão foi cancelada.

Em vez disso, o governo iraquiano decidiu mudar a estratégia: o próximo posto a ser retomado não seria Mossul, mas sim a província de Anbar, logo a oeste de Bagdá. Porém o EI foi mais rápido: antes que as tropas fossem mobilizadas, os jihadistas atacaram com força total Ramadi, a capital da província, que há meses vinha sendo disputada, assumindo seu controle. Há dois meses se realiza uma contraofensiva, reunindo o Exército, milícias xiitas e tribos sunitas armadas, mas até agora sem sucesso.

"Não vamos nunca reconquistar Anbar inteiramente", vaticina o parlamentar iraquiano Mithal al-Alusi. Falluja, a maior cidade da província, com 310 mil habitantes, está sob controle do EI desde janeiro de 2014, como primeiro local em que foi içada a bandeira negra dos extremistas.

Observadores políticos em Bagdá também predizem que o governo vai fracassar em sua decisão de primeiro tentar retomar Anbar. Segundo o supremo comando na capital, tratou-se de uma resolução política, e não militar, para a qual as Forças Armadas ou não foram consultadas ou apenas de forma deficiente.

Segundo revelou um membro do Conselho Militar à DW, sob condição de anonimato, os políticos iraquianos deram à defesa de Bagdá prioridade maior do que à reconquista de Mossul. Anbar faz divisa com a capital.

EI seguro em Mossul

Neste meio tempo, membros do alto escalão do "Estado Islâmico" já retornaram a Mossul, depois de haver fugido para a Síria, diante da ameaça de uma ofensiva da aliança internacional. Aparentemente, enquanto as lutas prosseguem em Anbar, eles se sentem seguros na metrópole.

Paralelamente, jornalistas locais comentam nas redes sociais que Mossul está mais limpa e organizada do que nunca. A eletricidade também voltou a funcionar, depois de cinco meses sem abastecimento.

O responsável por essa "vitória" é Abu Obaidah, iraquiano da província de Dijala, de 30 anos. Sua meta é provar que o EI é capaz de governar Mossul melhor do que os antigos encarregados, atualmente no exílio.

Ainda cabe ver se, com tais recursos, a milícia terrorista vai conquistar os corações dos habitantes e fazê-los esquecer dos crimes e atrocidades passados. Certo está que o EI vai se preparando para uma estada mais longa. Dos comerciantes do mercado de Mossul, os jihadistas cobram atualmente uma anuidade de 1.500 dólares.

Fonte: Deustche Welle


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