Desde agosto de 2014, uma coalizão liderada pelos EUA tem atacado alvos do Estado Islâmico (EI) no Iraque e na Síria com aviões tripulados e drones. Não há informações concretas sobre a proporção destes bombardeios realizada por veículos pilotados remotamente, uma vez que o Departamento de Defesa norte-americano mantém em segredo a maioria das missões com estes aviões. Contudo, com base em outras operações (como no Afeganistão, Paquistão e Iêmen), os drones são utilizados de forma majoritária em missões de vigilância e coleta de informações, mas também efetuam ataques em locais de difícil e arriscado acesso contra lideranças e militantes de organizações terroristas.
A Força Aérea dos EUA responde por mais de 60% das missões aéreas da coalizão contra o EI, além de fornecer inteligência, vigilância e reconhecimento. Neste contexto, Barack Obama criou uma grande polêmica ao reconhecer ainda possuir uma “estratégia completa” contra o grupo jihadista. Logo, o que o uso “tradicional” dos drones tem a oferecer à coalizão anti-EI? Esses aviões podem ser eficientes no Iraque e na Síria? Antes de responder estas perguntas, porém, é importante entender os usos e as vantagens dos drones.
Os drones, veículos aéreos não tripulados, têm se consolidado como uma das ferramentas de maior destaque da “guerra ao terror” promovida pelos EUA desde 2001, na administração de George W. Bush. Na gestão Obama, os drones se tornaram ainda mais relevantes. A seu favor, essas aeronaves contam com preços significantemente menores do que os de aviões de combate tripulados, além de preservarem os operadores dos riscos físicos das missões – uma vez que eles estão a milhares de quilômetros de distância dos alvos. Por eliminar o custo político provocado pelas mortes de soldados norte-americanos in loco, os drones tornam-se atrativos internamente ou com a opinião pública norte americana.
Os aviões remotamente pilotados também podem acessar facilmente regiões de logística complicada para tropas ou arriscadas demais para aviões tripulados. Essas aeronaves ainda aumentam a capacidade de vigilância ao voarem por mais de 20 horas sem reabastecimento, coletando informações, imagens, vídeos em alta definição e interceptando áudios. Sendo assim, em teoria, pode-se seguir de perto a rotina de um alvo, identificando-o e a suas conexões.
Neste sentido, a capacidade de identificar e seguir os alvos por longos períodos facilita o uso dos drones em operações para eliminar indivíduos estrategicamente importantes para organizações terroristas – o que inclui ataques a funerais e casamentos nos quais estes alvos estejam presentes, mesmo na companhia de civis. Os resultados deste método, entretanto, são contenciosos.
Alguns teóricos avaliam que os drones têm sido eficientes na desestruturação de redes terroristas ao eliminarem mais de 50 líderes sêniores da al-Qaeda e do Talibã, figuras não facilmente substituíveis. Essas mortes forçariam a ascensão de indivíduos menos experientes a posições de destaque. Sem a mesma qualificação dos antecessores, o funcionamento e a capacidade de organização dos grupos terroristas seriam afetados gravemente. Novos recrutas também teriam treinamento mais precário. Um raciocínio semelhante poderia ser aplicado para a eliminação de oficiais de escalões mais baixos, mas que possuem habilidades valiosas: como falsificadores de passaportes, montadores de bombas, recrutadores e arrecadadores de fundos.
Por outro lado, há pontos negativos na utilização dos drones para eliminar terroristas. Teóricos sustentam que os ataques provocam e aumentam tensões nos países bombardeados, elevando o extremismo contra os EUA. Essa situação facilitaria o recrutamento por grupos antiamericanos de civis atingidos direta ou indiretamente pelos ataques, criando uma nova geração de potenciais terroristas. Esse argumento ganha força, em especial, devido aos chamados “ataque por assinatura”, ou seja, quando os alvos são definidos com base em padrões de comportamento, movimentação em áreas consideradas “paraísos” de terroristas e idade militar. Como não há a identificação exata do alvo, há um espaço grande para que civis sejam confundidos com terroristas.
No Iraque e na Síria, a vulnerabilidade civil é ainda maior. Nos dois países, os operadores de drones dos EUA estão estão isentos de possuir “certeza quase absoluta” de que seus ataques não irão atingir civis. Essa “liberdade” é, por si só, alarmante, uma vez que no território do EI não há como controlar possíveis abusos. Não existe a presença forte de organizações civis, jornalistas ou tropas para denunciar ou monitorar os ataques. Isso pode levar a abusos e ao uso excessivo de força. No Afeganistão, Paquistão, Iêmen e Somália, a organização britânica The Bureau of Investigative Journalism computa os ataques de drones norte-americanos.
Ademais, os operadores de aeronaves não tripuladas norte-americanas estão sob forte pressão devido ao implacável ritmo das operações – não apenas contra o EI. Etes normalmente “voam” seis vezes por semana, trabalhando até 14 horas por dia, em média. Enquanto um piloto de um avião tripulado atua entre 200 e 300 horas por ano, os operadores de drones atingem entre 900 e 1100 horas de voo no mesmo período. Essa sobrecarga de trabalho pode resultar em ineficiência em ataques e, consequentemente, mais vítimas civis.
Drones contra o EI
Contudo, como os drones podem funcionar contra o EI? Em teoria, os ataques ao EI com aeronaves pilotadas remotamente estariam sujeitos a grande parte dos “efeitos colaterais” encontrados em operações no Paquistão e Iêmen. Por outro lado, a insatisfação da população local poderia ser menor caso haja o entendimento de que os ataques visam um combater um inimigo comum. No entanto, não há como mensurar esse sentimento, no momento. Por outro lado, mortes de civis em bombardeios tendem a causar nível similar de inquietação popular, reduzindo o apoio aos ataques.
Do ponto de vista estratégico, os poucos registros de ataques de drones disponíveis indicam que alguns alvos importantes do EI foram eliminados ou gravemente feridos. Um oficial de alta patente e recrutador do grupo jihadista foi morto no Afeganistão, onde a filial do EI ainda possui poucos seguidores. Em outro ataque aéreo, não explicitamente confirmado como sendo de um drone, o líder do EI, Abu Bakr al-Baghdadi, teria ficado seriamente debilitado em março. Essas operações visam desestruturar o grupo jihadista, mas podem não funcionar como esperado. Para isso é interessante entender o funcionamento militar do EI.
A habilidade no campo de batalha é um dos elementos que mantêm as outras atividades do grupo – política, ideologia e social – em funcionamento. O grupo possui um elevado número de soldados relativamente qualificados, materiais e armas sofisticados e grande agressividade no campo de batalha, o que explica o seu rápido progresso territorial. Há controvérsias em relação à quantidade exata de soldados do grupo, mas a inteligência dos EUA estima entre 20 e 30 mil. Autoridades curdas estimam as tropas jihadistas em até 200 mil indivíduos, mas não há indícios realistas sobre estes números.
De toda forma, os números são relevantes, em especial porque os recrutas estão organizados como uma tropa e com estratégia definida para ocupar territórios – ao contrário do Paquistão, por exemplo. Neste sentido, eliminar Al-Baghdadi pode não ser tão eficiente, pois a liderança do EI parece não ser extremamente centralizada. A estratégia militar do grupo é ditada por líderes de círculos sociais de segundo e terceiro escalões, muitos dos quais serviram na inteligência ou no exército de Saddam Hussein, no Iraque. Logo, a eventual morte de Al-Baghdadi tende a afetar pouco a estratégia do grupo no campo de batalha.
As tropas do EI são comandadas de forma eficiente por estas lideranças de escalões inferiores, que também estabeleceram o que é descrito como um “sofisticado” sistema de treinamento de novos recrutas. Isso significa que líderes mais experientes e velhos estão transferindo habilidades e técnicas valiosas para outros soldados, que poderão assumir seus postos em condições não muito inferiores quando seus “mestres” forem mortos. Logo, para afetar rapidamente a organização do grupo seria preciso eliminar uma quantidade elevada destas lideranças, que estão espalhadas em diversos centros urbanos, o que dificulta sua identificação e eventuais ataques.
Outro fator importante é a chegada intensa de recrutas estrangeiros, que já teria ultrapassado 20 mil indivíduos, muitos dos quais estão em unidades de combate. Muitos destes estrangeiros já possuem habilidades e experiência em combate, como Abu Omar al-Shishani, supostamente o chefe do conselho militar do EI, podendo repor a perda de líderes importantes por algum tempo. Outros estrangeiros menos experientes têm sido usados em ataques suicidas, que já infligiram grandes perdas à tropas iraquianas, por exemplo.
Neste sentido, a morte de um recrutador no Afeganistão não diminuirá o fluxo de militantes estrangeiros no EI, especialmente porque o grupo age de forma conjunta neste processo. Logo, o ciclo de treinamento e qualificação para postos mais elevados será mantido. Assim como eliminar Al-Baghdadi não afetaria de forma significante a estratégia de batalha do EI, uma vez que o grupo continuou a ganhar terreno mesmo após o ataque ao líder geral. Isso, em parte, está relacionado à habilidade das tropas do EI. Mesmo com a perda de espaço para milícias xiitas, peshmergas e para os curdos no Iraque recentemente, o grupo tem mantido consistência no campo de batalha, abrindo novas frentes e pressionado em outras, como na tomada de Ramadi em março.
Desta forma, o uso dos drones para eliminar lideranças do EI parece ser, neste momento, uma estratégia pouco eficiente. Em especial devido aos quadros do EI continuarem a ser substituídos por estrangeiros a uma velocidade de cerca de mil por mês. Isso é o bastante para manter uma tropa relevante. Por outro lado, ao longo de um período longo, a eliminação de oficiais de treinamento afetaria a qualidade e a eficiência das tropas no campo de batalha, o que poderia, no futuro, expor as fraquezas do EI. Contudo, no momento, lideranças de segundo e terceiro escalão mantêm um sistema eficiente de treinamento de novos recrutas, muitos dos quais estrangeiros. O que deve manter o grupo eficiente por algum tempo. Para afetar de forma mais rápida esse processo de substituição, seria necessário cortar o fluxo de recrutas vindos do exterior. Mas nisso, os drones não podem ajudar.
Fonte: Carta Capital
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