quarta-feira, 17 de junho de 2015

Ataques aéreos sozinhos não derrotarão o Estado Islâmico

Estratégia de bombardeios no Iraque e na Síria, liderada pelos EUA, é incompleta e precisa de mais suporte em solo
Após cerca de dez meses, os ataques aéreos liderados pelos EUA a alvos do Estado Islâmico (EI), no Iraque e na Síria, não têm conseguido conter o avanço do grupo jihadista, que segue conquistando territórios – ainda que de forma menos intensa. A recente queda da cidade de Ramadi (Iraque) para o EI contrasta com o discurso oficial dos militares norte-americanos de que os bombardeios estão funcionando. Contudo, a maior suspeita sobre a operação foi levantada indiretamente por Barack Obama. Após uma reunião do G7, em 8 de junho, o presidente dos EUA admitiu ainda não ter uma “estratégia completa” contra o EI.
A declaração repercutiu negativamente ao sugerir que os EUA não sabem precisar exatamente o impacto da operação anti-EI. No momento, a campanha aérea não tem provas estatísticas de sua eficácia, uma vez que Washington ainda não realizou uma medição da porcentagem de equipamentos, pessoal e fontes de renda do EI destruídos pelos ataques. Dados do Departamento de Defesa apenas quantificam que os bombardeios quase diários eliminaram 77 tanques, alvejaram 1,77 mil prédios, 1,4 mil posições de combate, 288 veículos multiuso de alta mobilidade com rodas (HMMWV) e 152 pontos de infraestrutura petrolífera. Essas informações, entretanto, não esclarecem o real impacto provocado na estrutura do grupo jihadista.
A incapacidade (momentânea ou não) de mensurar a eficiência dos bombardeios foi admitida, e menosprezada, por duas autoridades militares dos EUA. Para Deborah Lee James, secretária da Força Aérea norte-americana, esses números “não existem” porque a degradação causada pelos ataques “não é quantificável”. O contra-almirante John Kirby, porta-voz do Pentágono, foi além: “não temos a habilidade de contar o nariz de cada indivíduo que eliminamos”. Presume-se então, que a mesma “inabilidade” se refira ao número de civis mortos por esses ataques, uma vez que na Síria os ataques aéreos estão liberados da garantia de não atingir civis.
Na última semana, contudo, o tenente-general da Força Aérea dos EUA, John W Hesterman III, declarou que os ataques estão eliminando mais de mil militantes por mês, ou seja, 10 mil desde agosto 2014. Não há informações sobre como o número foi calculado. Mas a própria inteligência norte-americana estima que o exército do EI possua cerca de 20 mil soldados estrangeiros, um fluxo mais do que suficiente para repor as perdas nos frontes de batalha.
Neste sentido, a ausência de tropas eficientes da coalizão em solo tem colaborado para o avanço do EI. Obama refutou seguidamente enviar soldados norte-americanos à região, optando por fornecer vigilância e suporte aéreo a tropas locais no Iraque e na Síria. Além de abertamente tentar construir uma força de segurança iraquiana “multi-sectária que mantenha a ordem e não cometa atrocidades”, fornecendo treinamento e armas. Na Síria, onde os EUA “não estão preparados” para apoiar o governo de Bashar al-Assad, o país treina “uma pequena oposição moderada”.
Ashton Carter, secretário de Defesa dos EUA, define que essa abordagem visa “derrotar o EI de forma duradoura”, pois a derrocada do grupo jihadista pode ser alcançada “apenas” pelas populações da região. Contudo, a administração Obama evita a todo custo o peso político/econômico do envio de tropas ao exterior, especialmente em uma região na qual as chances de sucesso são questionáveis.
A participação de “tropas locais” em solo, entretanto, tem se mostrado difícil. No Iraque, por exemplo, a velocidade com que as tropas são treinadas e equipadas diretamente pela coalizão liderada pelos EUA não é adequada, algo reconhecido por Obama. O democrata está revisando planos em como fazer isso de forma mais eficiente, tendo liberado o envio de 450 militares  adicionais ao Iraque nas funções de instrutores e conselheiros. Na Síria, Carter admite que apenas uma “pequena” oposição tem sido treinada e que os esforços estão no começo.
Conforme as atuais deficiências das tropas aliadas colocam em risco o objetivo de derrotar o EI, aumenta a pressão para uma mudança na posição dos EUA. Com a coalizão sem ganhar “vantagem no campo de batalha” e “patinando”,Kathleen Hicks, diretora do Programa de Segurança Internacional do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, defende que Washington melhore seus “métodos de ajuda e persuasão”, altere seus objetivos, ou escolha uma estratégia mais direta. Caso isso não ocorra, aumentam as chances de o EI se espalhar para outros países, forçando uma intervenção dos EUA.
Os pouco avanços da coalizão indicam que os ataques aéreos têm sido “ineficientes”. Em outubro de 2014, soldados curdos relataram que os bombardeios não estavam contendo o EI em Kobani, ao norte da Síria. Segundo os curdos, os ataques tiveram pouco efeito porque as tropas jihadistas eram muito numerosas, investiam em diversas posições e se escondiam dos caças. Por outro lado, em algumas áreas, os bombardeios detiveram o progresso do EI, mas a ausência de forças em solo para explorar os ataques permitiu que os jihadistas continuassem ganhando terreno.
Com um inimigo “adaptável” e relativamente “inteligente”, cujos soldados estão espalhados por vários centros populacionais, operações de bombardeio a alvos fixos, como veículos e prédios, também parecem ter efeito limitado. Embora, seja interessante ressaltar que os ataques à infraestrutura de petróleo do EI, como refinarias, tem forçado o grupo a vender o produto a preços ainda mais baixos, em torno de U$20 por barril. Neste sentido, as receitas do EI com petróleo podem ter sido reduzidas em até 90%, o que deve colocar o grupo em um aperto financeiro.
Tropas oficiais iraquianas e grupos locais seriam uma saída 
Os ataques aéreos seriam mais eficientes em combinação com tropas em solo. Exemplos de relativo sucesso são a reconquista de Tikrit (Iraque), com o apoio de milícias xiitas, destaca Max Abrahms, especialista conflitos assimétricos da Universidade de Northwestern (EUA). Ainda que algumas destas milícias tenham laços com o Irã, sua importância é cada vez maior na luta contra o EI. Na Síria, onde há uma maior dependência de ataques aéreos sem a presença de tropas no chão, os resultados são inferiores, com a exceção de Kobani, onde houve apoio curdo em solo.
Ter mais tropas em solo não significa necessariamente apoiar uma invasão dos EUA e aliados, mas a busca pelo apoio de grupos sectários e paramilitares. E nesse aspecto, os sunitas parecem ser o grupo mais estrategicamente relevante na luta contra o EI. Os jihadistas têm conseguido aterrorizar os sunitas, forçando-os a se render. Uma campanha de terror que não pode ser combatida com poder aéreo. Por outro lado, algumas comunidades  oferecem pouca ou nenhuma resistência ao EI por acreditarem que o grupo seria menos maléfico aos sunitas. Isso em um contexto no qual, na Síria, Assad usou armas químicas contra sunitas, além de negar água potável a áreas sunitas.
Neste sentido, é fundamental se aproximar das comunidades sunitas e oferece-las possibilidades reais de vitória. Convencer os sunitas a lutarem contra o EI requer, no entanto, generosas ofertas por parte da coalizão no Iraque e na Síria, além de compromissos credíveis de que as mesmas serão cumpridas. Outra saída seria equipar e treinar tropas curdas peshmergas para proteger a região do Curdistão no Iraque.
A necessidade da construção de uma estratégia em solo foi reconhecida por Carter, para quem o apoio aéreo é fundamental, mas “alguém precisa manter a paz no chão”. Após o encontro do G7, Obama afirmou que a queda Ramadi será um “ganho tático de curto prazo”, elogiando a atuação das forças iraquianas em áreas como Tikrit. Contudo, para que uma investida em solo seja bem sucedida, é preciso que as capacidades do EI sejam realmente entendidas e não menosprezadas, como na fala de Obama.
A estratégia atual dos EUA em manter-se operando de forma limitada, incentivando parceiros locais a agirem com mais força, não tem impedido o avanço do EI, conforme destaca Peter D. Feaver, professor da Universidade de Duke (EUA). Derrotar o EI deve levar anos, mas parece evidente a necessidade de organizar de forma rápida tropas locais no Iraque e Síria, bem treinadas e com acesso a equipamentos, além de compostas por sunitas e curdos. E nisso, os EUA precisam agir de forma mais intensa, uma vez que os parceiros locais falharam em conter o EI quando a ameaça ainda era reduzida.
Fonte: Carta Capital
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