Em entrevista à DW, Jürgen Todenhöfer, primeiro jornalista ocidental a permanecer no território do EI no Iraque, diz que radicais têm domínio de fato sobre ampla região e confirma: existe um Estado organizado.
Em sua cruzada de terror, a organização jihadista "Estado Islâmico" (EI) já executou diversos jornalistas diante das câmeras, para depois divulgar as imagens via internet, com fins de propaganda e intimidação internacional.
Isso não impediu, porém, o jornalista alemão Jürgen Todenhöfer de, em dezembro de 2014, visitar o território dominado pelos terroristas. Ele se tornou o primeiro repórter ocidental a ir à região.
Em entrevista à DW, ele conta que, nas ruas da cidade iraquiana de Mossul, se vê pouco do que é mostrado nos vídeos de propaganda. Porém, ele garante que o EI se trata de um "Estado" de fato.
"O EI detém o domínio de fato sobre um determinado território. Grande parte da população aceita isso", relata Todenhöfer, autor do livro Inside IS – 10 Tage im Islamischen Staat (Por dentro do EI – 10 dias no "Estado Islâmico", em tradução livre). "É o mais perigoso exército terrorista já visto na era moderna."
DW: Você teve dez dias para conhecer por dentro o assim chamado "Estado Islâmico". Também considerando o grande risco pessoal que enfrentou, qual foi a sua conclusão mais importante e central dessa viagem?
Jürgen Todenhöfer: Em primeiro lugar, o EI é o mais perigoso exército terrorista já visto na era moderna. Segundo, nós mesmos criamos esse terrorismo com as nossas guerras antiterror – neste caso, a guerra no Iraque. Depois do 11 de setembro de 2001, tínhamos menos de mil terroristas internacionais nas cavernas do Afeganistão: hoje temos 100 mil. Portanto, fomos nós próprios que ajudamos a criar esse terrorismo, com as nossas estratégias de bombardeio.
E depois de conviver com essa gente durante dez dias, vivenciar seu profissionalismo, seu fanatismo, só posso apelar ao governo alemão para que se empenhe por uma solução política no Iraque e também na Síria. E isso quer dizer: mais direitos para os sunitas.
Em quarto lugar, depois de constatar lá que tudo o que o EI propaga não tem, em absoluto, nada a ver com o islã, só posso dizer a todos os jovens no Ocidente e em outras partes do mundo: não vão para lá. A relação com o islã é a mesma que há entre o Klu Klux Klan e o cristianismo: nenhuma. Lá, vocês prejudicam a sua religião. No fundo, não é um "Estado Islâmico", mas sim um Estado anti-islâmico. Ele deveria se chamar "EAI".
Nós percebemos o EI como uma organização terrorista. Até que ponto se reconhece um "Estado" – como aparece em seu nome – na cidade de Mossul, que você visitou?
Lá não se vê nada do que é mostrado nos vídeos de propaganda. Muitos pensam que homens mascarados de preto chegam lá de carro o dia inteiro, com metralhadoras apontadas para o ar, que há permanentemente gente sendo decapitada. Não é o caso: em Mossul tudo aparenta estar bem normal. O tráfego de automóveis é intenso, nas ruas e becos onde ficam os mercados e lojas, as pessoas fazem compras normalmente, movimentam-se livremente. Lá não se vê nada de "Estado Islâmico".
Na verdade, o que se vê ocasionalmente são bandeiras. As placas dos carros trazem o carimbo do EI, mas ele parece perfeitamente normal. Existe, justamente, a normalidade do mal, e essa a pessoa vivencia indo ao "Estado Islâmico".
Existe lá algo como uma estrutura estatal, com administração, tribunais, hospitais?
Eu fui especializado em Direito estatal e conversei com outros especialistas realmente competentes. Eles são da opinião que se trata de um Estado de fato. O EI detém o domínio de fato sobre um determinado território. Grande parte da população aceita isso. Ele tem uma polícia normal – ou seja, não são milicianos do EI.
Ele possui um Judiciário, que resolve os litígios civis e que é muito elogiado pelas pessoas do local por não ser corrupto. Elas dizem: "Aqui a gente consegue uma decisão rápida, sem ter que pagar para isso. Antes, nós pagávamos e tínhamos que esperar muito."
Os representantes do EI recolhem impostos – isso é, afinal, uma das primeiras coisas que os Estados costumam fazer. E eles têm certa assistência de saúde, têm hospitais que funcionam. Mas que, no entanto, sofrem o problema de que há poucos medicamentos, já que o abastecimento de remédios é boicotado por Bagdá. Mas é um Estado em funcionamento.
Eu conhecia Mossul. Estive lá antes da guerra no Iraque, em 2002, na mesma época do ano. Não constatei qualquer diferença decisiva. No entanto aqui eu preciso ser mais específico: se tivesse estado no bairro cristão de Mossul em 2002, nos locais multiculturais que fizeram famosa a cidade, eu teria visto agora uma diferença. Pois todos os não sunitas – isto é, todos os xiitas, cristãos, yazidis – foram expulsos ou debandaram. Mas isso a pessoa não nota mesmo, se não for aos locais onde viviam os cristãos, yazidis e xiitas.
Uns são expulsos ou fogem, outros chegam por livre e espontânea vontade. Na Alemanha, na Europa, as pessoas se espantam que milhares vão aderir voluntariamente à jihad ("guerra santa"), que se mudem para a zona de dominação dessa milícia terrorista. Você teve oportunidade de conversar com essas pessoas? Por que elas vão para lá?
Eu estive num centro de recrutamento próximo à fronteira: todo dia chegavam mais de 50 pessoas – e existe mais do que um punhado desses centros. E com que entusiasmo elas chegavam. Não é só qualquer bobalhão: é também, em parte, gente altamente inteligente.
Um rapaz vinha do Caribe, vestido com elegância, de óculos ray-ban. Perguntei: "O que você está fazendo aqui?" E ele: "Acabei de passar no meu segundo exame estatal para exercer a advocacia, já posso atuar no tribunal. Mas eu quero lutar pelo 'Estado Islâmico', onde quer que precisem de mim."
Outra vez, estávamos caminhando pelas ruas de Mossul. De repente demos com um louro grande, esbelto, claramente não se tratava de iraquiano. Acaba que era um sueco, e ele disse: "Estou tendo a melhor época da minha vida aqui!" Houve uma lavagem cerebral incrivelmente bem sucedida.
O EI não é apenas muito poderoso e já controla uma área do tamanho do Reino Unido: ele é extremamente atraente para um grupo de pessoas jovens. Elas veem que se decapita no "Estado Islâmico", que se queima, tortura, que mãos são cortadas. Mas dizem: "Há motivos superimportantes por que isso é certo, agora. O fraco não pode ser generoso, o fraco tem que ser brutal." Ou seja, uma tendência pavorosa e, a meu ver, perigosíssima.
Fonte: Deutsche Welle
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