A eleição do Congresso mais conservador desde a redemocratização está prestes a produzir seu primeiro resultado. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara pode votar nesta quarta-feira 25 a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos.
A proposta está engavetada desde 1993 na CCJ, mas agora é considerada prioridade para a bancada da bala, que é formada por parlamentares ligados a forças de segurança pública e cresceu muito na última eleição. "O clamor popular pela aprovação é muito forte. Há um sentimento de impunidade muito forte e o governo não pode mais ficar negligenciando a questão", afirma o deputado federal Major Olímpio (PDT-SP), favorável à PEC. O clamor popular a que Olímpio se refere não é mera figura de linguagem. Uma pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes, de 2013, revelou que 92,7% dos brasileiros apoiam a redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos. Isso pode fazer da aprovação da PEC 171/93 uma chance para o Congresso recuperar sua popularidade em queda.
Antes mesmo de a crise política se instaurar em Brasília, a redução da maioridade penal já era defendida, durante a campanha eleitoral, por 13 dos 27 senadores eleitos em 2014. Entre eles, não figuram apenas parlamentares ligados a atividades policiais, mas também a dupla que formou a chapa presidencial do PSDB no ano passado, Aécio Neves (MG) e Aloysio Nunes Ferreira (SP). Em fevereiro de 2014, uma PEC de autoria de Aloysio que também baixava a maioridade penal para 16 anos foi barrada na CCJdo Senado por uma união de parlamentares progressistas.
A bancada da bala também conta com o apoio declarado de parlamentares evangélicos, como o deputado Marcos Feliciano (PSC-SP) deixou claro na reunião da CCJ na última quarta-feira 18. Caso seja aprovada na comissão, a PEC segue para a Comissão de Segurança Pública, dominada também pela bancada da bala, e depois é votada em dois turnos no plenário da Câmara, onde precisa de três quintos dos votos (308 votos) dos deputados. Depois, o texto segue para o Senado onde passa pelo mesmo rito processual. "Se aprovarmos na CCJ, não tenho dúvidas de que a matéria será rapidamente aprovada na comissão de Segurança e que sobrarão votos na votação em plenário", prevê o Major Olímpio, otimista.
Cláusula pétrea
Diante da pressão conservadora, órgãos oficiais e entidades de defesa dos direitos da criança e adolescente pressionam para que a CCJ da Câmara decida que a redução da maioridade é inconstitucional. O tema é polêmico e o debate, neste momento, é essencialmente jurídico.
Os direitos fundamentais, entre eles a inimputabilidade (não penalização) do menor, são considerados cláusula pétrea da Constituição. Ou seja, não podem ser alterados, a menos que se convoque uma Assembleia Constituinte. Por isso, para essas entidades qualquer alteração seria inconstitucional. Por outro lado, quem é a favor da redução defende que a inimputabilidade do menor é inalterável, mas a definição da idade do menor, não.
"A mudança da idade penal não é inconstitucional porque, no caso da redução da maioridade, não há abolição de direitos, mas sim uma modificação de conceito de menor de idade", afirma Adílson Dallari, especialista em Direito Político pela USP. Para o professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano, a proposta é inconstitucional e, se aprovada, "poderá ser questionada ante o Supremo Tribunal Federal, que, por sua vez, deverá declará-la inconstitucional".
Mais prisão significa menos crime?
A interpretação jurídica de Serrano, que é colunista de CartaCapital, é compartilhada com a subprocuradora-geral da República Raquel Elias Ferreira Dodge. Para ela, há também uma má interpretação dos índices de violência cometidos por jovens. "Há uma sensação social de descontrole que é irreal. Os menores que cometem crimes violentos estão ou nas grandes periferias ou na rota do tráfico de drogas e são vítimas dessa realidade", diz. Atualmente, roubos e atividades relacionadas ao tráfico de drogas representam 38% e 27% dos atos infracionais, respectivamente, de acordo com o levantamento da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Crianças e do Adolescentes. Já os homicídios não chegam a 1% dos crimes cometidos entre jovens de 16 e 18 anos. Segundo a Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância da ONU, dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida.
Ao mesmo tempo, não há comprovação de que a redução da maioridade penal contribua para a redução da criminalidade. Do total de homicídios cometidos no Brasil nos últimos 20 anos, apenas 3% foram realizados por adolescentes. O número é ainda menor em 2013, quando apenas 0,5% dos homicídios foram causados por menores. Por outro lado, são os jovens (de 15 a 29 anos) as maiores vítimas da violência. Em 2012, entre os 56 mil homicídios em solo brasileiro, 30 mil eram jovens, em sua maioria negros e pobres.
Por isso, para a subprocuradora-geral da República, o remédio para essa situação não é a redução da idade penal, mas o endurecimento da pena para adultos que corrompem menores – como o Projeto de Lei 508/2015, do deputado Major Olímpio – e o investimento em políticas sociais para os jovens.
O deputado Luiz Couto (PT-PB), relator da PEC 171 na CCJ da Câmara, concorda. Em parecer contrário à proposta, Couto citou estudos psicológicos que mostram que o amadurecimento pleno se dá apenas aos 18 anos e disse que o problema reside em "um modelo de segurança pública envelhecido e apodrecido que só investe na repressão". Couto, ao lado da deputada Maria do Rosário (PT-RS), é a principal voz do governo na Câmara para barrar o andamento do projeto.
Apesar do parecer negativo na CCJ, nada indica que a proposta será rejeitada pela comissão. Se aprovada, a PEC colocará o Brasil entre os 54 países que optaram por reduzir a maioridade penal. Entre todos, os resultados foram unânimes: ao contrário do esperado, não se registrou redução nas taxas violência. Como resultado, Espanha e Alemanha já voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos, segundo a Unicef. No entanto, países como os Estados Unidos seguem como exemplo do fracasso dessa política. Com penas maiores e mais severas previstas aos jovens entre 12 e 18 anos, o país assiste seus jovens matarem uma em cada dez pessoas vítimas de homicídios.
Por isso, entidades como a Unicef, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o Ministério Público Federal (MPF), a Anced (Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente), o Ministério da Justiça e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) já se manifestaram contrários ao projeto. "Uma nova lei não é capaz de resolver um problema complexo como esse, muito menos se for uma lei de caráter repressivo como é a PEC 171", analisa Vitor Alencar, secretário executivo da Anced. "Estamos investindo em repressão há 30 anos e o sentimento de impunidade e insegurança só aumentou", completa.
No Congresso, há mais de 60 projetos semelhantes à PEC 171, todos com o objetivo de reduzir a maioridade penal para 16, 14 ou até mesmo 12 anos. Por ser uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), se aprovada pelo Congresso, a medida não pode ser rejeitada pela presidência. No entanto, caso isso ocorra, entidades civis e o governo federal estudam entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal defendendo a inconstitucionalidade da proposta.
Crise do sistema penitenciário
No modelo atual, de maioridade fixada em 18 anos, os jovens infratores representam 8% do número total da população carcerária adulta (715.655, incluindo as prisões domiciliares) e padecem das mesmas mazelas que afeta o sistema prisional adulto. A Fundação Casa, entidade responsável pelos menores infratores em São Paulo, é exemplo do caos. Em maio, CartaCapitalrevelou com exclusividade que um terço das unidades da Fundação Casa tem superlotação. A situação é tão crítica que, em agosto passado, o Ministério Público denunciou o governo Geraldo Alckmin (PSDB) e a Fundação Casa por conta da superlotação. Em fevereiro deste ano, promotores de Justiça criticaram o fracasso de gestão do governo de São Paulo no atendimento a menores infratores e publicaram carta aberta intitulada "A falência da Fundação Casa".
Por conta de situações como a de São Paulo, em vez de passarem por um processo socioeducativo de correção, a esmagadora maioria dos menores infratores vive em reclusão e sem atividades psicoeducativas para a reintegração social. À superlotaçãosomam-se denúncias de maus tratos, que resultam em uma reincidência de cerca de 43% dos menores presos, de acordo com Conselho Nacional de Justiça. Para o coordenador do Programa Cidadania dos Adolescentes do Unicef no Brasil, Mário Volpi, seria necessário o Estado brasileiro pensar em alternativas viáveis para cuidar de seus jovens. "Se prender não é uma medida eficaz para que o jovem não volte a cometer infrações, resta pensar em soluções para que ele não entre no mundo do crime", diz.
Fonte: Carta Capital
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