Além de uma das maiores crises políticas dos últimos anos, o escândalo de corrupção da Petrobras teve sérias consequências econômicas para a empresa que simbolizou a ascensão do Brasil no cenário internacional na última década.
Entre outubro e fevereiro, a empresa perdeu mais de 60% de seu valor de mercado. E embora a perda também tenha sido influenciada pela queda global no preço do barril de petróleo, ela foi mais acentuada do que a de outras empresas do gênero por causa das revelações da operação Lava Jato.
A empresa também sofreu especificamente com a desvalorização do real em relação ao dólar - a moeda em que fez seus contratos internacionais.
Para complicar a situação, a Petrobras teve sua classificação de risco rebaixada pela agência Moody's, o que cria dificuldades para atrair investimentos e continuar financiando projetos como a exploração das jazidas do pré-sal.
A empresa tem um longo caminho pela frente para estabilizar sua situação e retomar o status de maior empresa do país. Mas quais seriam as medidas que a Petrobras precisa adotar para se reerguer?
A BBC Brasil ouviu analistas do mercado e do meio acadêmico para tentar identificar os passos a serem tomados para contornar a crise.
1. Transparência nas contas2. Fazer caixa
3. Repensar o pré-sal
4. Modelo de propriedade
5. 'Grande demais para o fracasso'?
A Petrobras foi duramente criticada por ainda não ter publicado o balanço auditado do terceiro trimestre e o resultado anual de 2014. Na prática, isso significa que a empresa não conseguiu calcular os prejuízos causados pela corrupção revelada pela Operação Lava Jato.
Oficialmente, se a empresa não divulgar resultados até 31 de maio, credores podem pedir o pagamento antecipado de dívidas. De acordo com a Petrobras, seu montante de débitos é de R$ 331 bilhões.
Recentemente, foi revelado que a empresa teria iniciado negociações com credores para buscar um adiamento do prazo de entrega do balanço. Mas há quem veja na possível extensão mais problema que solução.
"É inconcebível que uma empresa do tamanho e da importância da Petrobras, e que opera no mercado internacional, atrase tanto a divulgação de informações fundamentais para seus investidores e credores. Quem é que vai investir numa empresa sem saber os números? Essa falta do balanço é o centro nervoso do problema", afirma Wilber Colmerauer, diretor do Brazil Funding, empresa com base em Londres e que presta consultoria para investidores Europeus em busca de oportunidade no Brasil.
A divulgação dos resultados depende de uma auditoria a cargo da empresa Price Waterhouse Cooper, a mesma que se recusou a assinar as demonstrações do terceiro trimestre de 2014.
Nos últimos 10 anos, a Petrobras expandiu operações e acumulou dívidas, especialmente a longo prazo. Aliado ao atraso na divulgação do balanço auditado, a situação financeira da empresa, além de mostrar poucas condições atraentes para novos investimentos, preocupa os que já tinham investido nela.
Em fevereiro, por exemplo, o fundo de investimentos britânico Abeerden Asset Management vendeu todas as 8.4 milhões de ações da Petrobras que possuía. "As denúncias de corrupção questionam se a direção da Petrobras estava realmente no controle da empresa. Tivemos dúvidas que nos fizeram acreditar que não era o lugar certo para nós (investirmos)", disse à agência Bloomberg a diretora de investimentos do fundo, Anne Richards.
Essa situação tornou ainda mais importante a necessidade da Petrobras de fazer caixa. E, recentemente, a empresa anunciou um plano de desinvestimentos com o objetivo de arrecadar R$ 44,1 bilhões em dois anos. Analistas, no entanto, consideram o objetivo otimista num cenário de petróleo com preço baixo e em que a confiança do mercado na empresa não é das maiores.
"Este valor certamente parece alto, ainda mais porque a direção da Petrobras não deu informações mais específicas sobre que ativos, projetos e negócios que pretende negociar", opina Adrian Landgrebe, da Sagil Capital, fundo de investimentos especializado em projetos na América Latina - e que até 2010 era acionista minoritário da Petrobras.
"Em 2010, já estávamos preocupados com o que víamos como o envolvimento da Petrobras em muitos simultâneos e decidimos encerrar nossas operações com a empresa. Isso não quer dizer que ela não tenha ativos atraentes, mas acho que a atenção do mercado precisará ser atraída com ofertas significativas. Um dos campos do pré-sal, por exemplo".
A descoberta do pré-sal, em 2006, foi saudada como um divisor de águas na economia brasileira. Nove anos depois, as reservas de petróleo em grandes profundidades continuam sendo consideradas viáveis economicamente por analistas, mas já não são mais vistas como o combustível para uma mudança significativa.
"Há dois grandes problemas da Petrobras em relação ao pré-sal", opina o analista de investimentos em petróleo Stanislav Ermilov, que em janeiro publicou um estudo sobre a Petrobras no Seeking Alpha, um serviço de conteúdo para mercados financeiros que é abastecido por uma base de investidores e especialistas de diversas indústrias.
"O primeiro é a viabilidade econômica num cenário de baixa dos preços do petróleo, já que a extração das reservas do pré-sal é tecnologicamente complexa e cara. O segundo passa pelo fato de que as denúncias de corrupção e a situação administrativa da empresa dificultarão a captação de recursos para o financiamento dos projetos".
Segundo a Petrobras, a cotação atual do barril de petróleo (US$ 45) está ainda no limite do que torna a exploração do pré-sal economicamente viável.
O escândalo de corrupção na Petrobras dá margem para discussões sobre o modelo de propriedade da empresa, alegam analistas ouvidos pela BBC Brasil. Para o indiano Ravi Ramamurti, diretor do Centro de Mercados Emergentes da Northeastern University, nos Estados Unidos, e autor de um livro sobre grandes empresas do grupo de países Bric, a crise na Petrobras deveria ser uma oportunidade para a discussão sobre mudanças no relacionamento entre a empresa e o governo.
"A meu ver, o escândalo de corrupção põe fim à ideia de que o petróleo precisa ser protegido pelo Estado. Afinal, as denúncias mostram que exatamente o contrário está acontecendo. Não estou dizendo que deveria haver uma privatização pura e simples, mas ficou claro que o atual modelo faz da Petrobras um instrumento de interesse político que comprometeu não apenas a confiança do mercado na Petrobras, mas também na economia brasileira", argumenta Ramamurti.
Mas a especialista em energia do centro de estudos britânico Chatham House, Valérie Marcel, lembra que empresas petrolíferas controladas por governos ainda detêm a maioria das reservas de petróleo e gás do mundo. E que a Petrobras pode se inspirar em modelos considerados bem-sucedidos pelo mercado, como a Petronas, da Malásia.
"Na teoria, o modelo da Petrobras não é ruim, pois abre espaço para outros acionistas e diminui a interferência do governo. Na prática, isso não aconteceu e é importante agora que a Petrobras encontre um equilíbrio o mais rápido possível. Mas historicamente há no Brasil uma ligação entre o Estado e os recursos naturais e isso não vai mudar da noite para o dia", pondera Marcel.
Ramamurti critica também a escolha do ex-presidente do Banco do Brasil Aldemir Bendine para o cargo máximo na Petrobras. "A melhor mensagem que poderia ser dada para o mercado agora era a escolha de alguém da área do petróleo e que entendesse perfeitamente a indústria onde a Petrobras opera".
O que não parece estar em discussão é a ideia de que a Petrobras é o que o mercado conhece como too big to fail (grande demais para fracassar, em tradução). Ou seja: é importante demais para a economia brasileira e será socorrida pelo governo caso as dificuldades aumentem. Essa "certeza" tem feito com que nem tudo seja fuga de investimentos. O fundo escandinavo Skagen, por exemplo, anunciou em fevereiro um aumento em sua participação na Petrobras.
"Nossa avaliação é que a Petrobras é uma companhia flexível o suficiente para lidar com as circunstâncias. O atraso na divulgação do balanço e as denúncias de corrupção criou muita incerteza, mas não vemos risco à habilidade da Petrobras em honrar seus compromissos", explica Ola Sjostrand, analista da Skagen.
Charles Sizemore, comentarista financeiro e analista da Sizemore Capital, nos EUA, não vê qualquer risco de insolvência da Petrobras e diz que o maior problema da empresa é a confiança dos investidores a longo prazo.
"A empresa não está numa situação de risco de falência e o mercado espera que o governo brasileiro a 'salve' e assuma sua obrigações caso necessário."
"Mas a reputação da Petrobras foi danificada de forma significativa e investidores não foram convencidos de que a mudança de comando na empresa foi um sinal significativo do governo brasileiro de que a Petrobras não continuará sendo usada como instrumento político", conclui Sizemore.
Fonte: BBC Brasil
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