terça-feira, 8 de outubro de 2013

Espionagem expõe linha tênue entre segurança nacional e liberdade civil

 
Enquanto o governo brasileiro manifesta sua indignação com a coleta de informações potencialmente sensíveis sobre seus ativos de petróleo e mineração, perguntas cruciais sobre a espionagem americana e canadense continuam sem resposta.
 
Afinal, o Brasil foi vítima de espionagem industrial por parte das agências de inteligência desses países? Ou figurava, para surpresa das autoridades brasileiras, em uma lista supersecreta de alvos considerados chave para a segurança do hemisfério?
 
Qualquer das duas hipóteses possivelmente será incômoda para o Planalto.
 
Mas o esclarecimento pode implicar uma tênue diferença entre operações válidas e operações que violem a missão central dos serviços de inteligência, de focar seus esforços em questões de segurança nacional.
 
Tanto a agência de inteligência dos Estados Unidos quanto a do Canadá insistem que não fazem espionagem industrial ou comercial: não utilizam informações obtidas através de meios secretos em benefício de companhias de seus países.
 
Entretanto, nenhum dos dois países esclareceu satisfatoriamente a razão pela qual suas agências de espionagem monitoraram a Petrobras e o Ministério das Minas e Energia, responsáveis por gerenciar alguns dos ativos mais valiosos do Brasil.
 
Falando especificamente sobre o caso americano, o professor do centro legal da Universidade de Georgetown, em Washington, Timothy Edgar, disse à BBC Brasil que não crê que a Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) agisse sem um mandato discutido e aprovado em instâncias muito superiores.
 
"Não cabe somente à NSA decidir que operações de monitoramento de inteligência estrangeira eles vão conduzir", disse o especialista.
 
"Seria preciso haver um nível muito alto de decisão ou discussão sobre o tipo de operações que você quer conduzir, e isso certamente não seria feito no nível da NSA. Teria de ser em um nível muito mais alto."
 
INTERESSES
 
Ex-diretor de privacidade e liberdades civis da Casa Branca sob o presidente Barack Obama, Edgar chefiou o setor encarregado de buscar o equilíbrio entre segurança nacional e liberdades civis nas iniciativas de ciberinteligência americanas.
 
Ele é um dos especialistas que contribuem com o Senado americano nas atuais discussões sobre a revisão das atividades da NSA.
 
O professor nota que a contrapartida do enorme sistema de inteligência americano - que consome recursos da ordem de US$ 75 bilhões por ano e conta com uma extensa rede exposta pelas denúncias do ex-funcionário da NSA Edward Snowden - é um sistema de fiscalização que "submete todo o processo a uma série de regras muito específicas".
 
Anualmente, o governo americano estabelece, em um documento confidencial, as suas prioridades nacionais de inteligência. Nela, figuram tópicos relacionados ao terrorismo internacional, à proliferação de armas de destruição em massa eao tráfico internacional de narcóticos, entre outros.
 
Mas também podem ser consideradas prioridades de inteligência informações sobre líderes políticos e militares de outros países, principalmente aqueles percebidos como adversários dos EUA no campo internacional.
 
Apesar da recente aproximação entre Washington e Brasília, muitos analistas avaliam que não seria uma surpresa que o Brasil estivesse dentro dessas prioridades de monitoramento.
 
BRASIL
 
Dotado de ativos estratégicos econômicos em abundância, como o petróleo e o gás natural, o país tem buscado exercer influência geopolítica concentrando-se no hemisfério sul emergente, e frequentemente se opõe aos EUA em temas como a guerra na Síria e a estratégia de contenção do programa nuclear iraniano.
 
Porém, Edgar ecoa a linha do governo americano ao dizer que "os EUA não realizam espionagem industrial".
 
"Se há razões de segurança para coletar informações no Brasil, a prática será legítima se for realizada sob as linhas gerais das prioridades de segurança. Se for para fins industriais, seria basicamente uma violação da política americana", ele diz.
 
DESCONFIANÇA
 
Mas o que o especialista chama de "nexo legítimo de inteligência" é precisamente o que tem faltado nas manifestações públicas do governo americano - e agora canadense - sobre o tema.
 
As suspeitas de espionagem industrial foram reforçadas no domingo, depois que o programa Fantástico, da TV Globo, veiculou denúncias de que também a agência canadense de inteligência mapeou as comunicações telefônicas e por email do Ministério das Minas e Energia (MME).
 
A reportagem, feita em conjunto com o jornalista Glenn Greenwald, observou que o monitoramento dos dados foi realizado em uma área de grande interesse comercial para as empresas canadenses, o setor brasileiro de mineração.
 
"A denúncia de que (o) Ministério (de) Minas e Energia foi alvo de espionagem confirma as razões econômicas e estratégicas por trás de tais atos", manifestou-se a presidente Dilma Rousseff através da sua conta do Twitter.
 
O ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo Machado, convocou o embaixador canadense para transmitir o "repúdio do governo à violação da soberania nacional e dos direitos de pessoas e de empresas" no Brasil, segundo o Itamaraty.
 
As agências americana e canadense, e mais as de Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, trocam informações e realizam operações conjuntas através de uma rede conhecida como Five Eyes (os cinco olhos).
 
Mas as informações repassadas ao programa não indicam ter havido qualquer operação conjunta para escutar o conteúdo das comunicações do MME.
 
"Obviamente, os canadenses são aliados muito próximos dos EUA, mas não acho que participaríamos de uma operação conjunta com os canadenses a não ser que houvesse uma razão muito forte do ponto de vista americano", afirma o professor Timothy Edgar.
 
"Se os canadenses estiverem tentando coletar inteligência para melhorar as chances das empresas canadenses em negócios no Brasil, não seria do nosso interesse e não vejo por que a NSA os ajudaria nisso."
 
REVISÃO
 
O retrato ainda nebuloso dos "comos" e "porquês" da espionagem contra o Brasil motivou a presidente Dilma Rousseff a cancelar uma visita de Estado a Washington, marcada para outubro. A decisão esfriou as relações Brasil-EUA a níveis inéditos desde a tensão bilateral em torno do programa nuclear iraniano em 2010.
 
Enquanto isso, o Congresso americano discute legislação para elevar a transparência e a prestação de contas da NSA.
 
O presidente Barack Obama prometeu que a revisão buscará acalmar "aliados", como o Brasil, assegurando que cada peça de informação seja coletada pela NSA somente quando possa contribuir para completar o quebra-cabeças de segurança nacional, que é sua missão completar.
 
O processo provavelmente incluirá tentativas de incrementar o controle das agências de inteligência e sobre o conteúdo que coletam.
 
A multiplicação do sistema, com a contratação de milhares de funcionários terceirizados como Edward Snowden, abre brechas para que informações críticas sobre indivíduos, empresas e nações caiam em mãos de mal-intencionados.
 
Essa foi uma preocupação manifestada pela presidente Dilma Rousseff, que notou que Snowden "estava havia só três meses na empresa que prestava serviços à NSA" e dizia ter acesso aos dados de indivíduos, autoridades estrangeiras, como ela, entidades e empresas.
 
"Trabalhei no governo Obama tentando melhorar as salvaguardas dos nossos sistemas classificados. Francamente, não acho que chegamos nem perto do que deveríamos", disse Timothy Edgar.
 
"Não acho que as lideranças e a comunidade de inteligência estejam conscientes da facilidade para uma pessoa com um pouco de conhecimento de informática, que tenha acesso a redes classificadas, obter mais informações do que precisam para fazer o seu trabalho."
 
Fonte: BBC Brasil
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