Para muitos na Síria, os combates se tornaram parte da rotina diária, trazendo morte e privação. Outros mantêm uma vida relativamente tranquila. Distância que separa a guerra da normalidade pode ser de meros 50 metros.
"Aqui não há problema", afirma Nelly Najar ao telefone, de Damasco."Cheguei do trabalho agora e já vamos sair para fumar um narguilé", referindo-se ao cachimbo de água que, em muitos países árabes, é expressão de relaxamento total. Ou seja: a vida corre normalmente em Damasco, sem guerra ou tiroteios nem violência nas ruas. Portanto, nada daquilo que a mídia ocidental noticia diariamente a respeito da capital síria.
De fato, isso é possível, confirma Ahmad Hissou, redator da DW para a Síria. Quando as linhas de comunicação estão funcionando, ele telefona e envia e-mails diariamente para o país. Porém, sobretudo nos subúrbios da capital e nas regiões controladas pelos rebeldes, as ligações são constantemente interrompidas e muitas vezes as redes de telefonia estão fora do ar. O maior atingido é o abastecimento de energia, que falha por horas, às vezes dias a fio.
50 metros separando dois mundos
Hissou conta ter ouvido muitas histórias vindas de Damasco que relatam uma realidade diferente daquela descrita por Najar: bombardeios, atiradores, mercados esvaziados, longas filas diante das padarias. "São mundos completamente diferentes, muitas vezes separados por apenas 50 metros de distância."
Martin Glasenapp, que atravessou recentemente a Síria para a organização humanitária Medico International, ratifica: "Quem mora nas áreas onde a maioria é leal ao governo pode ter uma vida relativamente pacífica".
Nesses bairros sob forte vigilância das tropas do governo, as escolas, repartições públicas e hospitais funcionam quase como se tudo estivesse normal. "Aqui, pode-se comprar de tudo", relata Najar, "só que tudo está mais caro, os preços são o triplo de antes".
Em busca de um lugar seguro
Mas mesmo os distritos mais abastados e protegidos de Damasco não estão inteiramente a salvo da guerra. Refugiados afluem para essas áreas, vindos de todas as partes do país.
"Os hotéis estão superlotados", explica Glasenapp. De uma população total de 23 milhões, 6 milhões de sírios migraram em busca de segurança. Destes, apenas um terço escapou para o exterior: os demais procuram relativa proteção dentro do próprio país, como no bairro onde mora Najar.
Há poucos dias, muitos temiam que a proximidade com o governo pudesse se tornar fatídica para eles. Foi quando tudo indicava que os Estados Unidos fossem bombardear os edifícios do governo na capital, a qualquer momento. Súbito, cidadãos abastados se encontravam no mesmo barco que os refugiados.
Quem tinha meios, escapou com a família para os países vizinhos – como os 30 mil que, segundo se estima, foram para a Jordânia. Najar também chegou a considerar brevemente essa possibilidade, como revela à DW. No entanto, "desde que os ataques foram adiados, estamos de novo melhor".
Medo constante
Contudo, a apenas algumas ruas de distância, a situação é bem diferente, observa Glasenapp. "Quem mora nos subúrbios, especialmente nas disputadas zonas sunitas – onde, de fato, reina a guerra civil –, vive sob a permanente ameaça de ser bombardeado ou de se tornar vítima de franco-atiradores."
Isso não é um fenômeno exclusivo de Damasco. O país inteiro está permeado por zonas sob fogo ou dos rebeldes ou das tropas de Assad. Há também outras regiões onde a situação é relativamente calma, como o litoral do país. Lá, a guerra é sentida principalmente em suas drásticas consequências econômicas, como o desemprego e o mau abastecimento.
"As rotas de abastecimento estão bloqueadas, como por exemplo, a da produção de petróleo, que ocorre no nordeste curdo", analisa Glasenapp. "As fontes de petróleo estão nas mãos das milícias curdas, mas elas não podem produzir gasolina, porque as refinarias estão no litoral."
Solidariedade sobrevive
Surpreendente para o funcionário da Medico Internacional é que até agora não haja uma crise de alimentos. Sua explicação é o senso comunitário, que se mantém intacto. "As pessoas tentam, juntas, manter as padarias em funcionamento e organizar todo o necessário para a vida diária." Entretanto, a situação fica cada vez mais difícil. "Ocorrem os primeiros casos de fome, mas essa sociedade continua se esforçando para se manter solidária."
Quanto mais durarem os combates, mais difícil será para a população síria. Não apenas devido ao enfraquecimento progressivo da economia, mas também porque os rebeldes que avançam, caem cada vez mais na influência de grupos religiosos radicais. Estima-se que em torno de 40% dos 100 mil rebeldes armados sejam agora fundamentalistas islâmicos.
Para ilustrar os efeitos disso sobre a população, Glasenapp cita uma pequena cidade na fronteira com a Turquia. Embora só conte 50 mil habitantes, nela estão presentes mais de 150 diferentes tropas armadas de rebeldes. "Nem mesmo os grupos locais de cidadãos conseguem formar unidades policiais próprias, porque os grupos fundamentalistas querem ter a sua polícia religiosa."
Fonte: Deutsche Welle
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