sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Síria: o risco da ONU ser marginalizada

 
Por alguns dias na semana passada, as lentes da mídia internacional se voltavam para um comboio de veículos todo terreno brancos, que se moviam por ruas bombardeadas em Damasco. As letras da sigla estampada em suas latarias eram "UN", as iniciais para Nações Unidas em inglês.

Quando membros do time de inspetores de armas químicas fizeram sua primeira tentativa de chegar aos subúrbios da capital síria, onde centenas foram mortos nas primeiras horas do dia 21 de agosto, franco-atiradores abriram fogo contra eles.
 
Mais tarde, depois de substituir um de seus veículos, eles retornaram para começar a coletar amostras e entrevistar testemunhas.
Com repórteres baseados em Damasco seguindo-os o tempo todo, a ONU ficou pouco tempo no centro de onde ocorreu a crise.

Pressão pelo relatório

Agora, essas amostras biomédicas e ambientais estão em laboratórios na Europa sendo submetidas a testes que vão determinar se armas químicas realmente foram usadas. Ake Sellstrom, o cientista sueco que lidera o time, queria ter entre três e quatro semanas para preparar os resultados.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, o pressionou a terminar o trabalho em um prazo de entre duas ou três semanas. Isso significa que eles podem não ser divulgados antes da semana que começa no dia 15 de setembro — possivelmente até mais tarde.
Nesse momento, os Estados Unidos já terão lançado sua ofensiva militar contra a Síria e não pela primeira vez nesse conflito de dois anos, a ONU se verá à margem dos acontecimentos.
Nos últimos dias o foco das atenções internacionais tem sido o Congresso americano em Washington — mais do que o quartel-general da ONU em Nova York.
Agora ele se voltou para São Petersburgo, na Rússia, onde os líderes mundiais se reuniram para o G20.
Certamente, o trabalho em andamento dos inspetores da ONU não é a maior prioridade do governo Obama. Nem tampouco o Conselho de Segurança, onde o assunto da Síria foi travado desde o início do conflito.

Impasse

Logo após o ataque químico ter ocorrido, os Estados Unidos tentaram aprovar uma declaração condenando a ação e solicitando "total e irrestrito" acesso para os inspetores de armamentos — movimento que foi bloqueado pelos russos.
Poucos dias depois, a Casa Branca descreveu o trabalho dos inspetores como "redundante", porque a inteligência americana já havia culpado o regime de Assad pela ação.
Em um telefonema para Ban, o secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, fez pressão para que o time de inspetores saísse imediatamente de Damasco, terminando abruptamente sua missão de duas semanas. O secretário-geral da ONU resistiu ao pedido.
Para aqueles que buscam estabelecer os fatos sobre o ocorrido, o mandato do time de inspetores da ONU é curto e causa frustração. Eles devem determinar se armas químicas foram ou não usadas, mas não quem as usou. Seu trabalho é fazer uma análise técnica e não uma investigação criminal.
Dito isso, a ONU prometeu uma "narrativa baseada em evidências" que irá "chegar ao fundo do que aconteceu", segundo um porta-voz do secretário-geral.
Sem apontar diretamente para um culpado, o relatório pode incluir informação incriminadora, como de onde os projéteis foram disparados ou que tipo de armamento foi usado para dispará-los, o que pode implicar em culpar alguém. "Isso pode ser o óbvio ululante", disse um experiente diplomata da ONU.
Diplomatas ocidentais também pensam que Ban poderia ter mais atitude ao atribuir culpa ao instruir o Conselho de Segurança sobre as descobertas dos inspetores. O secretário-geral não precisa necessariamente ser engessado pelo mandato limitado dos inspetores.
Com o Conselho de Segurança tão dividido sobre a Síria — a Rússia e a China votaram três vezes contra resoluções prevendo medidas punitivas contra o regime de Assad — Ban Ki-moon está trilhando um caminho difícil.
Sua linha de ação é que a Síria requer uma solução diplomática, pois não há uma via militar. Antes de viajar a São Petersburgo, ele alertou que uma ação punitiva tomada pelos Estados Unidos poderia levar a mais derramamento de sangue.
Embora quase tenha descrito uma possível ação americana como "ilegal", ele reiterou o capítulo da carta da ONU que permite o uso da força apenas em defesa própria ou se autorizada por uma votação no Conselho de Segurança.

Cronograma adiado

Aqui novamente, a Casa Branca considera a ONU como irrelevante.
O governo americano afirmou que o ataque químico que teria ocorrido nos arredores de Damasco violaria o que chama de "normas internacionais" em vez do direito internacional e defendeu a legitimidade de uma resposta militar e não sua legalidade, uma sutil mas crucial diferença.
A posição do governo britânico, que argumentou na semana passada que ataques militares eram legais, mesmo fora do quadro da ONU, difere da de seus aliados franceses e americanos, cuja interpretação da lei internacional é mais tradicional e menos expansiva.
Além disso, a posição da Casa Branca é clara. A de não acreditar que o presidente russo Vladimir Putin não deve ser o último árbitro da lei internacional, e se o Conselho de Segurança não age, os Estados Unidos o farão por conta própria.
Mas os membros da ONU refutam a ideia de que estão na periferia.
Eles apontam para o fato de que mais de 1.000 funcionários das Nações Unidas continuam baseados na Síria, trabalhado para diversas agências, tais como o Unicef, a Organização Mundial da Saúde e a Ocha.
Há ainda o massivo socorro humanitário sendo coordenado em países vizinhos. O campo de refugiados Zaatari na Jordânia, lar agora para mais de 120 mil sírios que fugiram da guerra civil, é administrado pela agência de refugiados da ONU.

Diplomaticamente parada

Operacionalmente, a ONU está em alta velocidade. Diplomaticamente, porém, está parada.
Quando a agenda provisória para setembro das reuniões do Conselho de Segurança foi publicada na quarta-feira, a Síria nem estava nela.
Não há motivo em agendar a discussão, de acordo com Gary Quinlan, o embaixador australiano que recentemente assumiu a Presidência rotativa do conselho, porque isso não leva a lugar algum.
Lakhdar Brahimi, o enviado especial da ONU e da Liga Árabe para a Síria, é uma figura cada vez mais marginal.
Os esforços dele eram focados na convocação de uma conferência de paz apoiada pela ONU em Genebra — "Genebra Dois", como começa a ser conhecida no meio diplomático. O objetivo é reunir os lados beligerantes em algum momento em outubro.
Mas esse cronograma tem continuamente sido postergado, e Genebra Dois está começando a viver a sensação de uma ilusão diplomática: uma miragem no horizonte que nunca se materializa. O mundo espera para ver quando surgirá algo mais completo.
 
Fonte: BBC Brasil
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