segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Recuo estratégico


Ao cancelar a visita oficial aos EUA, a presidenta Dilma mantém em compasso de espera negociações importantes. A decisão evita a contaminação da agenda com os ruídos sobre o escândalo da espionagem


A decisão já havia sido tomada na semana anterior, mas, antes de torná-la oficial, a presidenta Dilma Rousseff achou melhor esperar o telefonema do presidente americano, Barack Obama, na segunda-feira 16. Na ligação, acompanhada pelo ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, os dois mandatários combinaram adiar, por tempo indeterminado, a viagem que Dilma faria a Washington no dia 23 de outubro. No dia seguinte, tanto o Palácio do Planalto quanto a Casa Branca divulgaram comunicados ressaltando que a medida havia sido tomada “em conjunto”. O cancelamento da visita no mês que vem – embora a presidenta tenha mantido uma viagem a Nova York, nesta semana, para a abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas – mostra que as denúncias de espionagem dos órgãos de segurança dos Estados Unidos contra o governo brasileiro e a Petrobras tiveram de fato um impacto importante nas relações entre as duas nações.
 
O recuo, porém, também tem seu lado positivo. Se o encontro fosse mantido, num momento em que o governo brasileiro ainda teme ser surpreendido por novas revelações de espionagem e os Estados Unidos não podem dar garantias de que esses expedientes acabaram, a agenda positiva ficaria ofuscada pelo escândalo. “Os dois presidentes decidiram adiar a visita de Estado, pois os resultados não deveriam ficar condicionados a um tema cuja solução satisfatória para o Brasil ainda não foi alcançada”, diz a nota do Planalto, lavrada em termos semelhantes aos do comunicado de Washington. Na prática, o comércio entre os dois países deve manter-se no mesmo patamar, num momento em que havia a expectativa de que haveria uma aproximação para incrementar os negócios.

Hoje o Brasil e os EUA têm uma pauta de 11 mil itens e exportações com forte presença de manufaturados. A venda de produtos brasileiros para o país vem se recuperando depois da crise, mas as importações aumentaram ainda mais, transformando em déficit um comércio que até 2008 era superavitário ao Brasil. No ano passado, o saldo negativo ficou em US$ 5,6 bilhões, e neste ano pode chegar a US$ 10 bilhões, com a queda nos embarques de petróleo. Os Estados Unidos são o terceiro maior destino dos produtos nacionais, atrás da China e da União Europeia, recebendo 12,7% de tudo o que é vendido pelas empresas brasileiras no Exterior.

“Não haverá nenhum impacto negativo nas relações bilaterais do ponto de vista econômico-comercial”, diz o embaixador Rubens Barbosa. O que se perde, sem o encontro dos presidentes, é a chance de aprofundar convênios que já estão em negociação, progridem lentamente e poderiam ganhar um novo impulso. “Os negócios continuarão sendo feitos pelas empresas, mas é uma oportunidade perdida de avançarmos nos acordos”, diz Gabriel Rico, CEO da Amcham. O principal desses acordos, uma reivindicação antiga dos empresários brasileiros, pode evitar a dupla tributação em remessas de lucros das empresas com matriz em um país e filial em outro.

“Esses acordos dão mais segurança ao investimento, além de reduzir a carga de impostos das empresas”, diz Rico. A Embraer, instalada em solo americano desde 1979, é uma das companhias que poderiam se beneficiar da mudança. Com um escritório em Fort Lauderdale e uma fábrica em Melbourne, de aviação executiva, a companhia está instalando outra em Jacksonville, no Estado da Flórida, para produzir o Super Tucano. Em parceria com a Sierra Nevada Corporation, a empresa de São José dos Campos fechou um contrato de US$ 427 milhões para fornecer 20 unidades do Super Tucano à Força Aérea americana. Pelos interesses em jogo, a exemplo desse contrato da Embraer, é aconselhável não estender os ruídos sobre a espionagem americana, avalia João Augusto de Castro Neves, analista de América Latina da consultoria Eurasia, baseado em Nova York.
“É preciso evitar retaliações que poderiam levar a uma guerra comercial, com consequências muito negativas.” A arapongagem americana, entretanto, coloca em banho-maria a concorrência para o reaparelhamento da frota de caças da Força Aérea brasileira, no valor superior a US$ 5 bilhões, disputado pela sueca Saab, pela francesa Dassault e pela americana Boeing, cuja proposta ultimamente estava crescendo na bolsa de apostas. Com a saia justa diplomática, o processo pode não ser concluído neste ano. A viagem cancelada posterga, ainda, outros acordos que deveriam ser anunciados pelos dois presidentes (leia quadro ao final da reportagem).

Apesar do prestígio demonstrado por um convite para um jantar de gala na Casa Branca – apenas seis países tiveram esse privilégio no governo Obama –, ações concretas mostram que o Brasil perdeu importância relativa na agenda diplomática americana. O sinal mais evidente é a transferência do embaixador Thomas Shannon, um dos melhores quadros do Departamento de Estado, para a Turquia. Em seu lugar, desembarcou em Brasília na segunda-feira 16, a embaixadora Liliana Ayalde, que fala português e já foi embaixadora no Paraguai. Ela não deu entrevistas e, mesmo em nota oficial, evitou polêmica.

“Estou certa de que podemos expandir e aprofundar os muitos laços que existem entre nossas grandes nações”, afirmou. Embora respeitada, Liliana não tem a mesma influência que Shannon, avalia Peter Hakim, presidente emérito do Interamerican Dialogue, grupo de estudos das relações hemisféricas baseado em Washington. “A nova embaixadora não traz para o cargo o prestígio que indique o Brasil como um país importante para os Estados Unidos”, diz Hakim. Ele não acredita, no entanto, que as relações vão piorar. “A temperatura já está morna há uns dez ou 12 anos”, afirma. Desse ponto de vista, o adiamento pode dar a pausa necessária para que os ânimos esfriem e o Brasil fortaleça uma pauta positiva que represente ganhos para os dois lados.
 
Fonte: Isto é Dinheiro
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