A ausência de várias gigantes do setor petrolífero no leilão do
campo de Libra abriu um debate sobre o modelo adotado pelo Brasil em 2010 para
explorar o pré-sal.
O leilão, previsto para 21 de outubro, será o primeiro realizado sob vigência
do novo modelo, que substituiu o regime de concessões pelo regime de produção
partilhada e muitas análises atribuíram seu esvaziamento a
um suposto "excesso de regras e de participação estatal" nesse novo sistema.
Se as estimativas oficiais estiverem corretas, Libra é a maior reserva de
petróleo já descoberta no Brasil e, segundo a Agência Nacional de Petróleo, Gás
e Biocombustíveis (ANP), poderia produzir em dez anos até um milhão de barris
diários - metade de toda a atual produção brasileira.
As britânicas British Petroleum e British Gas e as americanas ExxonMobil e
Chevron, porém, decidiram não se inscrever para participar do leilão.
Além disso, apenas 11 empresas ou consórcios se mostraram interessados em
fazer ofertas pelo direito de explorar a área, enquanto a ANP esperava até 40
interessados.
Afinal, o novo modelo de exploração do pré-sal é bom para o Brasil? Até que
ponto ele foi mesmo responsável pelo esvaziamento do leilão?
A BBC ouviu dois especialistas com pontos de vista opostos sobre esse tema:
Francisco Lopreato, professor do departamento de economia da
Universidade de Campinas (Unicamp)
Para Lopreato, o novo regime permite que os recursos do pré-sal tenham um
papel central no desenvolvimento do país no futuro.
Ele foi adotado em 2010 com o objetivo de direcionar uma fatia maior de tais
recursos para os cofres públicos.
"Esses são recursos que poderão ser aplicados em educação e saúde. Assegurar
que eles estarão a disposição dos brasileiros era uma oportunidade ímpar que não
poderíamos perder", diz Lopreato.
Segundo o economista, o que justificaria a mudança do regime de concessão
para o regime de produção partilhada é o fato de o pré-sal ser uma área de
exploração de baixo risco.
"Faz sentido adotar um regime de concessão em uma área em que, apesar de
terem sido feitos estudos geológicos, ainda há algum grau de dúvida sobre o
potencial das reservas", afirma o professor.
"No caso do pré-sal, porém, todas as áreas parecem estar mapeadas e
atividades de exploração preliminar têm mostrado que o risco é muito baixo: a
única dúvida é se a vazão do petróleo será boa ou ótima."
Para Lopreato, é difícil estabelecer se o desinteresse da BP, da British Gas,
da Chevron e da ExxonMobil pelo leilão de Libra teve mesmo como causa uma
resistência ao modelo de produção partilhada ou mesmo a percepção de que há um
"excesso de intervencionismo estatal" no novo regime.
Ele ressalta que outras empresas - como a francesa Total e a Shell - não
parecem ter visto grandes problemas no novo modelo e nenhuma das "desistentes"
se pronunciou oficialmente sobre o tema.
"Muitos fatores podem ter influenciado a decisão dessas petrolíferas em não
participar do leilão. Investir no campo de Libra pressupõe um esforço financeiro
gigantesco e pode ser que elas já estivessem com seus recursos muito
comprometidos com outros projetos, por exemplo."
Apesar de defender o novo modelo, o professor faz a ressalva de que também há
riscos importantes a serem evitados durante sua implementação.
Ele lembra que a obrigatoriedade de a Petrobras estar presente em todos os
projetos, com uma participação de 30%, exigirá da empresa a mobilização de
muitos recursos: "Nesse contexto, comprometer os recursos da empresa com uma
política para segurar os preços da gasolina pode ser complicado."
Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura
(CBIE)
Para Pires, Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, as novas regras
tendem a afastar grandes empresas privadas, com larga experiência no setor, e
atrair petrolíferas estatais.
Elas teriam sido ao menos parcialmente responsáveis pelo esvaziamento do
leilão de Libra - que criaria um cenário de menos competição pela área.
De fato, das 11 empresas que se registraram para o leilão, seis são
controladas pelo Estado, com destaque para as chinesas (a CNOOC e a China
National Petroleum vão concorrer sozinhas, e a Sinopec concorrerá em associação
com a espanhola Repsol).
Além disso, entre as cinco privadas, apenas duas estão entre as maiores do
setor: a francesa Total e a anglo-holandesa Shell.
Segundo Pires, o interesse das empresas privadas tende a ser menor dentro do
novo modelo porque, para elas, o lucro seria um fator de suma importância e há
incertezas sobre as condições para se obter retorno do projeto. Já as estatais -
como as chinesas - também estariam interessadas em garantir acesso às reservas
de petróleo.
Para o especialista, o novo modelo de exploração do pré-sal pecaria pelo
excesso de intervencionismo e participação do governo e entes estatais.
"A Petrobras é monopolista na operação do campo, e a exigência de que o
projeto tenha uma determinada porcentagem de conteúdo nacional (que use bens e
serviços produzidos no país) também pode afastar investidores", diz.
Além disso, Pires acredita que o modelo é contraproducente pela mensagem que
passa ao mercado.
"A impressão que se tem é que o governo está estendendo a mão para o capital
privado não por convicção, mas por pura necessidade, já que não pode explorar
essas reservas sozinho e precisa dos investimentos das empresas para reativar a
economia", afirma. "Os investidores não estão seguros de que não poderá haver
uma mudança de regras no futuro, por exemplo."
Produção partilhada vs concessões
Uma diferença básica entre o regime de concessões e o de produção partilhada
é que, no primeiro, as petrolíferas são donas do petróleo produzido, remunerando
o Estado por meio de royalties e de um bônus de assinatura (pagamento feito ao
assinar o contrato). Já no segundo, além de o Estado receber os royalties e
bônus de assinatura, também é dono da produção.
No modelo adotado pelo Brasil em 2010, a Petrobras tem uma parcela de 30% em
todos os projetos do pré-sal e só os outros 70% é que vão a leilão. Além disso,
a petrolífera brasileira também é a "operadora" dos campos, o que lhe dá mais
controle sobre o ritmo de produção.
As empresas entregam a produção ao Estado depois de descontar os custos e
recebem em troca parte de seu excedente de produção. Essa parcela pode variar e,
no leilão, a petrolífera vencedora será a que oferecer uma maior fatia ao Estado.
No novo modelo também foram incluídos requerimentos sobre o conteúdo nacional
dos projetos. O percentual mínimo de componentes brasileiros usados na operação
tem de ser de 37% na fase de exploração, 55% na fase de desenvolvimento até 2021 e 59% depois desse ano.
Fonte: BBC Brasil
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