segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Após dez anos, o acordo entre Brasil e Ucrânia na área espacial avança.


As vésperas de completar dez anos, o acordo entre o Brasil e a Ucrânia para desenvolver, construir e lançar foguetes entrou na reta final. Com a injeção extra de 420 milhões de dólares na Alcântara Cyclone Space, os dois países esperam que a empresa binacional, enfim, termine sua missão e conclua, depois de muito atraso, o foguete lançador na base de Alcântara, no Maranhão. Diante das revelações da intensa espionagem cibernética dos Estados Unidos, parece salutar qualquer passo em áreas relacionadas à soberania e à defesa nacionais.
 
A ACS nunca foi, porém, uma ideia bem recebida por pesquisadores e pela Aeronáutica, e o recente impulso financeiro dado pelo governo ao projeto reacendeu a polemica. A atual onda de queixas repisa uma visão antiga existente entre entidades participantes do programa espacial brasileiro. O governo investiria demais em uma iniciativa sem resultados e que só alimentaria o conhecimento e os negócios no exterior, pois o foguete é fabricado na Ucrânia com tecnologia daquele país. Esse caminho prejudicaria as pesquisas empreendidas por brasileiros com o apoio de empresas locais. Entre 2006, quando a ACS saiu do papel, e 2012, o Brasil gastou 1,2 bilhão de reais no programa espacial. O empreendimento binacional recebeu cerca de 450 milhões de reais, quase um terço do total.
 
"O projeto ACS está vagarosíssimo e não tem nada a ver com defesa nacional ou desenvolvimento da indústria, ele é puramente comercial. E, mesmo quanto à sua rentabilidade, somos céticos", diz o presidente da Associação Aeroespacial Brasileira (AAB), Aydano Barreto Carleial. "A ACS divide esforços e recursos. Por isso, o programa espacial brasileiro não decola", afirma o vice-presidente do Sindicato dos Servidores Públicos de Ciência e Tecnologia, Fernando Morais.
 
Sem a ACS no páreo por fatias do orçamento federal, o plano de um foguete 100% nacional poderia estar mais avançado ou até finalizado, apesar da necessidade de submeter o projeto a uma "revisão profunda" na avaliação de Carleial. O chamado VLS é um protótipo em desenvolvimento pela Aeronáutica desde a década de 80. Já passou por três testes, todos fracassados. A última tentativa completou dez anos em agosto e terminou em tragédia, com a morte de 21 trabalhadores. A próxima está programada para 2015.
 
Um funcionário civil embrenhado no dia a dia do projeto VLS conta nunca ter visto os militares da Força Aérea tão irritados quanto agora. Enquanto o governo reitera sua prioridade à ACS com a injeção de capital, o Instituto Aeronáutico e Espacial, condutor do VLS, sofre com um déficit de pessoal estimado em 600 funcionários. E o tipo de reclamação que os militares fazem apenas nos bastidores e de forma anônima.
 
A própria AAB teve momentos de timidez. Em 2010, elaborou um documento sobre o programa espacial de cuja versão final foram excluídas referências contundentes à ACS. A época, o setor alimentava a expectativa de que, na passagem do governo Lula, responsável por selar a sociedade com a Ucrânia, para a administração Dilma, pudesse haver alteração das prioridades. O grupo político à frente do Ministério da Ciência e Tecnologia e de seus órgãos vinculados realmente mudou em 2011. Saiu o PSB, entrou o PT. Mas a postura perante a ACS, não.
 
À reafirmação do compromisso do governo com o projeto ocorreu depois de uma viagem do então presidente da Agência Espacial Brasileira, Marco Antonio Raupp, à Ucrânia em julho de 2011. Historicamente crítico da ACS, Raupp foi conferir a construção do foguete Cyclone 4. Ficou satisfeito com o que viu e com as possibilidades de absorção de conhecimento por técnicos brasileiros. Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) desde janeiro de 2012, virou um defensor do projeto entre os países.
 
Se no Brasil a troca de poder não interferiu nos rumos da empreitada, não se pode dizer o mesmo em relação às mudanças ocorridas na Ucrânia. De 2005 a 2010, o país teve um governo de oposição àquele que assinara anteriormente o acordo com Brasília em outubro de 2003. Esse fato e uma crise econômica interna levaram a modificações nos rumos e no orçamento do projeto. Os repasses à ACS minguaram e o desenvolvimento do foguete foi afetado.
 
No cargo desde fevereiro de 2010, o atual presidente ucraniano, Viktor Yanukovych, pertence ao mesmo grupo político responsável pelo acordo com o Brasil. Dias depois da posse da presidenta Dilma Rousseff, ele telefonou e disse que se empenharia para retomar os investimentos. E reiterou o compromisso, desta vez publicamente, em uma visita oficial a Brasília em outubro de 2011.
 
Com a normalização do financiamento ucraniano, em 2013 os dois países praticamente igualaram suas cotas na empreitada, cerca de 250 milhões de dólares cada um. Por isso, e diante da necessidade de reforçar o caixa para finalizar o projeto, os sócios decidiram em maio fazer uma capitalização de 420 milhões de dólares na empresa. Cada lado entra com metade. No fim de agosto, um decreto do governo federal liberou uma primeira parcela brasileira, de 33 milhões de reais. Dias depois, o Parlamento ucraniano incluiu o foguete no seu programa espacial 2013-2017 e abriu o orçamento para transferir recursos à empresa.
 
Com o fôlego financeiro proporcionado pela capitalização, a construção do centro de lançamento em Alcântara será retomada. A obra começou em 2010, mas está parada desde março, por falta de pagamentos à empreiteira. A paralisação custou o emprego de 2 mil operários. A expectativa oficial é de que a obra fique pronta em 2015. E quando o presidente da AEB, José Raimundo Braga Coelho, estima que o foguete vá decolar. "O Cylone 4 está muito avançado. E não prejudica outros programas em curso", diz, em referência ao VLS.
 
O foguete permitirá à ACS colocar em órbita satélites de médio porte do Brasil, da Ucrânia ou de estrangeiros dispostos a pagar pelo serviço, a ser prestado a partir da base com a melhor localização do planeta. Com mais e maiores satélites, um país pode, entre outras estratégias, refinar a previsão do tempo e o controle do desmatamento, com ganhos para a agricultura e o meio ambiente. Ou aprimorar suas comunicações e a vigilância de suas fronteiras, tornando-se um pouco mais preparado para encarar a espionagem planetária dos EUA.
 
Responsável pela assinatura brasileira no tratado firmado com a Ucrânia e primeiro presidente da ACS, Roberto Amaral, ex-ministro da Ciência e Tecnologia, não vê a hora de o foguete decolar. A empresa, diz ele, levou o Brasil a "pular etapas" no programa espacial.
 
O País teria conseguido, com rapidez, uma tecnologia disponível, de eficácia comprovada e capaz de atender às necessidades brasileiras. Segundo Amaral, o VLS da Aeronáutica pode até ser 100% nacional, mas não gerou resultados em 30 anos e está apto a carregar somente satélites pequenos. "O programa espacial brasileiro só tem uma alternativa, a ACS. O VLS não é viável."
 
Essa "alternativa" única tem ido adiante, apesar do boicote dos Estados Unidos. Washington é contra a ideia de o Brasil manter um programa espacial, foguetes e tecnologia fornecida pela Ucrânia, herdeira de conhecimento da antiga União Soviética, Documentos divulgados pelo WikiLeaks em 2011 mostram que os americanos enviaram telegramas à embaixada do país no Brasil para tentar forçar o fim da parceria.
 
A revelação não surpreendeu as autoridades brasileiras. Antes do WikiLeaks, Brasília tinha recebido do governo ucraniano a cópia de uma carta escrita por Washington com o mesmo teor. A sabotagem americana remonta às primeiras negociações para se criar uma parceria na área, nos anos 90. A Itália, que também seria sócia na empresa, desistiu. Motivo: ameaças dos EUA, que invocaram um tratado internacional de controle de tecnologia de mísseis do qual os italianos eram signatários.
 
Por causa da resistência dos EUA à conquista de conhecimento espacial pelo Brasil, o tratado de 2003 com a Ucrânia não cita a transferência de tecnologia para brasileiros, uma omissão frequentemente apontada por críticas do acordo. Essa transferência ocorre, porém, de uma forma até certo ponto clandestina, por meio do contato entre técnicos dos dois países e pelo envio à Ucrânia de estudantes brasileiros de cursos de mestrado.
 
O mesmo tipo de solução deverá ser usado em uma parceria com a França na área de satélites. Até o fim de setembro, o governo vai assinar um contrato de 650 milhões de dólares com os franceses. O satélite ficará encarregado das comunicações das Forças Armadas e das principais redes federais, e também da expansão da internet de banda larga. Entrará em órbita entre 2015 e 2016. O Brasil deixará assim de se expor à bisbilhotice alheia, pois hoje aluga equipamento de terceiros. "Nossas comunicações passarão a ser totalmente controladas pelo governo e serão invioláveis" diz o presidente da Telebrás, Caio Cezar Bonilha.
 
O contrato principal será acompanhado de um segundo. O objetivo do documento adicional será permitir ao Brasil absorver a tecnologia francesa e, depois do um tempo, produzir um equipamento do mesmo porte no País. O documento terá de ser redigido de um modo que contorne as restrições que os EUA, a partir de tratados internacionais, certamente tentarão impor.
 
Fonte: Carta Capital
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1 comentários:

  1. o VLS é um ensaio, para uso civil e militar, realmente pode ser que com o Cyclone possa ter sucesso comercialmente, mas nada impede que o VLS continuei a ser modernizado, com ajuda do Russos quem sabe?

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