Os planos do primeiro-ministro David Cameron de se unir a um ataque militar iminente contra a Síria estavam em desordem nesta quinta-feira (29), depois de uma revolta de parlamentares que o advertiram a prestar atenção "às lições do Iraque".
Depois de implorar ao mundo para não ficar de braços cruzados diante do suposto uso de armas químicas da Síria, Cameron foi forçado a um recuo constrangedor na quarta-feira quando o partido Trabalhista, da oposição, assim como parlamentares de seu próprio partido Conservador disseram que queriam mais provas antes de votarem em uma ação militar.
Na quinta-feira (29) o governo Cameron publicou um parecer jurídico que mostrava que era legalmente autorizado a agir militarmente contra a Síria mesmo se o Conselho de Segurança das Nações Unidas não aprovasse tal ação.
Também publicou material de inteligência sobre o ataque com armas químicas de 21 de agosto na guerra civil da Síria, dizendo que não havia dúvidas de que ele tinha ocorrido e que era "altamente provável" que as forças do governo sírio eram responsáveis. O ataque com gás que afeta o sistema nervoso matou centenas de civis em um subúrbio de Damasco.
Impacto
Não estava claro como o fracasso de Cameron em dominar a política interna britânica poderia afetar os planos norte-americanos e franceses de um ataque rápido com mísseis cruzados contra a Síria - cujo governo negou ter usado armas químicas contra seus cidadãos - ou qual seria o impacto na posição de Cameron em Washington.
Assessores disseram que ele não falou com o presidente norte-americano, Barack Obama, depois de sofrer o revés parlamentar, mas que houve contatos regulares em outros níveis. Atrapalhando as ações de Cameron está a memória de eventos ocorridos há uma década, quando a Grã-Bretanha ajudou os Estados Unidos a invadir o Iraque depois de garantias - erradas, como se viu mais tarde - de que o presidente Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa.
"Estou profundamente consciente das lições dos conflitos anteriores, e em particular das profundas preocupações no país provocadas pelo que saiu errado com o conflito no Iraque em 2003", disse Cameron ao Parlamento na quinta-feira, durante um debate sobre a Síria.
"Uma coisa é indiscutível: o bem da opinião pública foi verdadeiramente enevenenado pelo episódio do Iraque e precisamos entender o ceticismo público".
Já envolvida no Afeganistão, a Grã-Bretanha foi então sugada para um segundo atoleiro no Iraque, perdendo 179 soldados em oito anos de ataques militantes e conflito sectário que se seguiram à invasão anglo-americana de 2003 que derrubou Saddam Hussein.
Os EUA devem liderar a intervenção internacional na Síria, que pode ter início nesta semana, segundo autoridades envolvidas na discussão. A França também mobilizou seu Exército para o caso de um ataque.
Dois anos e 100 mil mortos
A guerra na Síria já dura mais de dois anos e deixou milhares de mortos - mais de 100 mil, segundo a ONU. Começou na esteira da Primavera Árabe, onda de levantes populares que pediu mudanças no governo em países como Tunísia, Líbia e Egito.
Como em outros países, a reação do governo sírio foi reprimir com violência os protestos por democracia. Desde o início, a postura do regime do presidente vitalício Bashar Assad foi desqualificar os opositores como meros terroristas e culpá-los pelas mortes ocorridas nos confrontos.
No dia 21 de agosto, a guerra síria ganhou outra dimensão quando gás tóxico foi usado para bombardear uma área de Damasco, causando a morte de pelo menos 355 pessoas, segundo a ONG Médicos Sem Fronteiras. A ONG estima ter realizado mais de 3.600 atendimentos de pessoas que inalaram gás. A oposição fala em mais de mil mortos no ataque e acusa o regime Assad pela matança; o governo sírio culpa os rebeldes pelo massacre e afirma que achou um depósito com produtos químicos usado pela oposição.
Há tempos, a comunidade internacional condena o confronto na Síria e pede seu fim. Só após o ataque com gás, o Ocidente decidiu intervir independentemente da ONU. Devido à pressão internacional, um time de inspetores da ONU foi enviado ao país para investigar o local do suposto ataque. A equipe, porém, não conseguiu chegar à região: um comboio da organização teve de recuar porque foi recebido a tiros quando se aproximava da área.
Fim da linha
Há um ano, o presidente dos EUA, Barack Obama, afirmou que o uso de armas químicas na guerra da Síria seria cruzar uma "linha vermelha". Já houve relatos de uso de armas químicas no conflito antes - em maio deste ano, o jornal francês "Le Monde" relatou o uso de armas químicas no país.
Foi só após o ataque de Damasco, porém, que os EUA passaram a afirmar que a Síria passou do limite. O secretário de Estado americano, John Kerry, diz que os EUA não têm dúvidas de que o governo sírio atacou com gás seus cidadãos e destruiu as evidências.
França e Reino Unido também condenaram o ataque e prometeram apoio - militar, no caso francês - aos rebeldes que lutam contra Assad.
O país mais frontalmente contrário à intervenção é a Rússia, que acusa o Ocidente de não ter provas do envolvimento do governo sírio no ataque de Damasco. Desde antes, porém, Moscou, que interga o Conselho de Segurança da ONU, votou contra intervir na guerra síria. A Rússia sempre defendeu uma solução diplomática para o conflito. China e Irã, em menor escala, também são contra.
Uma conferência internacional sobre a crise na Síria foi cogitada, inclusive com a possibilidade de o Brasil participar. O ataque de Damasco, porém, fez o mundo mudar os planos.
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