Carros-bomba e uma explosão suicida atingiram bairros xiitas de Bagdá e ao sul
da capital iraquiana nesta terça-feira, 19, matando pelo menos 50 pessoas, na
véspera do 10º aniversário da invasão que derrubou Saddam Hussein.
Insurgentes islâmicos sunitas ligados à Al-Qaeda intensificaram ataques a
alvos xiitas desde o começo do ano, em uma campanha para alimentar a tensão
sectária e minar o governo do primeiro-ministro Nuri al-Maliki.
Carros-bomba explodiram nesta terça-feira perto de um movimentado mercado de
Bagdá, próximo da altamente fortificada Zona Verde, e em outros bairros da
capital. Um homem-bomba dirigindo um caminhão atacou uma base da polícia em uma
cidade xiita ao sul da capital, informaram fontes policiais e em hospitais.
"Estava dirigindo o meu táxi e de repente senti meu carro balançar. Fumaça
estava por todo o lado. Eu vi dois corpos no chão. As pessoas estavam correndo e
gritando em todo lugar", disse o taxista Al Radi, que foi pego em uma das
explosões em Sadr City, em Bagdá. Outras 160 pessoas ficaram feridas nos
ataques, segundo autoridades hospitalares.
Nenhum grupo assumiu a responsabilidade pelas explosões desta terça, porém o
braço iraquiano ligado à Al-Qaeda, Estado Islâmico do Iraque, jurou recuperar o
território perdido em sua longa guerra contra tropas norte-americanas. Desde o
início do ano, o grupo realizou uma série de grandes ataques. Uma década
depois de os EUA e tropas ocidentais invadirem o Iraque e removerem Saddam do
poder, o Iraque ainda enfrenta dificuldades com uma insistente insurgência,
fricções sectárias e instabilidade política entre facções xiitas, sunitas e
curdas.
Após 10 anos da invasão, Iraque vive ódio sectário
A invasão americana ao Iraque, em março de 2003, e a consequente queda de
Saddam Hussein causaram um aumento na violência sectária - entre sunitas, xiitas
e curdos - no país do Oriente Médio. Em 2006, 34 mil civis morreram em ataques
do tipo. Depois de uma diminuição e uma relativa estabilidade nesse índice,
porém, que coincidiu com os últimos anos da presença dos EUA, as mortes em
atentados voltaram a aumentar.
De acordo com registros do Iraq Body Count (IBC), entidade que reúne dados a
respeito de mortes violentas ocorridas no território iraquiano após a ocupação
americana, que na quarta-feira completa dez anos, 4.571 pessoas foram mortas no
país em 2012, em 2.059 ataques a bomba ou tiroteios. O último contingente
militar dos EUA deixou o Iraque em 18 de dezembro de 2011, quase dois anos e
meio após o início da retirada.
O IBC afirma que, desde 2009, os números da violência sectária vinham caindo.
Em 2010 e 2011, segundo a organização, esse índice ficou "quase idêntico" -
pouco mais de 4,1 mil pessoas foram mortas em ações do tipo. Alvo principalmente
de insurgentes sunitas contrários ao governo - dirigido atualmente por uma
coalizão entre xiitas, que representam a maior parte da população, e curdos -,
integrantes das forças de segurança do país estão entre as principais vítimas
dos ataques.
Segundo o IBC, houve uma elevação de 20,5% nas mortes de policiais iraquianos
em 2012 em relação a 2011. No ano passado, 939 agentes foram mortos - e 724
morreram no período anterior, quando 17,5% de aumento nesse tipo de ocorrência
havia sido registrado.
Em 2012, 43% das ações violentas no Iraque foram registradas nas províncias
de Bagdá, onde a divisão sectária se dá principalmente entre sunitas e xiitas -
e 1.098 mortes ocorreram no ano passado -, e Nineveh, no norte do país, cujo
controle da capital, Mossul, é disputado ainda por pelos curdos.
Na Província de Diyala, porém, o índice relativo de mortes causadas por
violência foi o maior do país: 38,8 a cada 100 mil habitantes - 560 pessoas
foram mortas na região em 2012.
Ódio. A maioria dos atentados ocorridos no Iraque desde a retirada dos EUA é
atribuída a insurgentes sunitas em busca de desestabilizar o governo do premiê
xiita, Nuri al-Maliki. Analistas políticos afirmam que, nos últimos meses, os
militantes sunitas - cujo principal líder a participar do governo, o
vice-presidente Tariq al-Hashemi fugiu do país após ser acusado, no fim de 2011,
de comandar esquadrões assassinos - têm se articulado mais nesse sentido.
Recentemente, sunitas têm protestado contra o governo em várias cidades. Na
sexta-feira, manifestantes e a polícia - cujos integrantes sunitas são
considerados traidores pelos mais radicais da própria facção - entraram em
confronto em Bagdá. As autoridades restringiam o acesso dos sunitas a uma
mesquita dessa vertente do Islã na capital.
As opiniões os atores da violência sectária no Iraque, porém, divergem.
Alguns analistas, dizem que os xiitas, interessados em mostrar a importância de
seu governo central, buscariam trazer caos ao país.
'Depois de tudo, nenhuma desculpa nos foi oferecida'
Nasci no Iraque e em 2003 vivia em Bagdá. Minha família e eu passamos as
primeiras semanas de março nos preparando para a invasão liderada pelos Estados
Unidos. Minha tarefa era armazenar gás para o gerador, colocar fitas nas janelas
e contratar uma pessoa para cavar um poço no quintal. Como temíamos, o
presidente George W. Bush deu início à guerra em 20 de março. Nós sobrevivemos,
mas estamos entre os afortunados.
Milhões de iraquianos foram mortos, feridos, desalojados. Um dos países mais
desenvolvidos da região à época da invasão, o Iraque hoje está entre os piores
em termos de infraestrutura e serviços públicos. Bagdá está na mais baixa
colocação no ranking de qualidade de vida, de acordo com recente levantamento
global da consultoria Mercer.
Sou metade sunita, metade xiita, ou "sushi" como os iraquianos chamam
jocosamente filhos de casamentos mistos. Nunca questionei minha seita antes de
2003. Nem sabia quem, entre meus amigos, era sunita ou xiita. Mas hoje as
divisões sectárias tornaram-se componente essencial da nova identidade do Iraque
e constituem uma ameaça à sua integridade territorial e unidade nacional.
A invasão e a ocupação do Iraque tiveram um impacto bastante negativo sobre
os Estados Unidos também. Cerca de 4,5 mil jovens americanos foram mortos, 32
mil feridos e centenas de milhares voltaram ao seu país com traumas
psicológicos. De acordo com o Prêmio Nobel Joseph Stiglitz e a professora de
Harvard Linda Bilmes, os contribuintes americanos acabaram injetando US$ 3
trilhões na invasão e ocupação do Iraque e assistência aos soldados de retorno
ao país.
O fiasco do Iraque também afetou a credibilidade e a reputação dos EUA no
mundo inteiro. Bush e seus assessores, apoiados por especialistas, enganaram a
população americana. O que lhes foi dito é que o Iraque possuía armas de
destruição em massa e a invasão do país protegeria o mundo de um perigo
iminente. E a eles também foi prometida uma operação rápida e transparente que
libertaria o Iraque e era do agrado dos iraquianos. Nada disso ocorreu.
Depois de tudo, nenhuma desculpa foi oferecida aos iraquianos, nenhum
político foi processado, nenhum especialista foi responsabilizado e nenhuma
indenização foi paga ao Iraque. Se você não apoia a ideia de indenizar o Iraque,
reflita sobre isso: o Kuwait vem sendo indenizado por um país que ilegal e
imoralmente o invadiu em 1990. Esse país, acredite ou não, é o Iraque.
Dez anos depois de Bush travar essa guerra sem sentido, hoje sou cidadão
americano e resido em Washington. Mais do que nunca, estou ansioso para virar
uma nova página nas relações entre Estados Unidos e Iraque. Mas diante do que
ocorreu, não posso simplesmente varrer essa guerra para baixo do tapete.
Os EUA devem desculpas ao Iraque, têm de pagar pelo que destruíram e precisam
responsabilizar os indivíduos que estavam por trás daquela guerra.
RAED JARRAR , THE NEW YORK TIMES , É BLOGUEIRO ÁRABE-AMERICANO, ARQUITETO.
ESCREVEU ESTE ARTIGO PARA O PROGRESSIVE MEDIA PROJECT, SOBRE ASSUNTOS
DOMÉSTICOS, INTERNACIONAIS
Fonte: Estadão
Nota GBN: A invasão do Iraque foi um grande erro americano, pois ao invés de levar estabilidade e a tão propagada "liberdade", criou-se na verdade um vácuo político e de coesão no país árabe, abrindo brecha para que surgisse a disputa entre etnias, se era ruim com Sadam o Iraque hoje posso afirmar que esta pior sem ele.
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