Enquanto o líder sunita Rafe al-Essawi acelerava para o sul em uma estrada deserta na semana passada para assistir ao funeral de um aliado político que foi assassinado, seu celular tocou com um aviso: à frente, soldados iraquianos apoiados por dois helicópteros que sobrevoavam a área planejavam prendê-lo.
Essawi e sua comitiva voltaram e aceleraram de volta para Ramadi, encontrando-se com membros tribais sunitas que prometeram protegê-lo.
"Os xeiques me disseram que estavam prontos para nos defender", disse Essawi.
Essawi foi até recentemente o ministro das finanças do Iraque e o político sunita mais alto na hierarquia. O fato de ele agora estar fugindo de seu próprio governo na província de Anbar, alegando perseguição generalizada dos sunitas, é o mais recente sinal de que as persistentes tensões sectárias estão minando as esperanças ainda existentes de estabilidade política e unidade nacional.
A medida que o Iraque completa 10 anos da invasão norte-americana nesta semana, a província de Anbar – o local das batalhas mais sangrentas dos EUA e um de seus maiores sucessos – emergiu como o ponto central da resistência sunita contra o governo central do Iraque controlado pelos xiitas e o regime sírio do presidente Bashar Assad do outro lado da fronteira.
Com a influência dos EUA severamente diminuída, as contracorrentes que lutam em Anbar agravaram as divisões deixadas quanto os EUA se retiraram. "É perigoso ter uma população minoritária infeliz na fronteira com a Síria", disse um diplomata dos EUA, falando sob condição de anonimato, de acordo com o protocolo. "Existe o potencial para o que está acontecendo na Síria chegue a essas províncias ocidentais."
Essawi parece uma figura improvável no papel de um dos focos do conflito entre sunitas e xiitas. Ele é geralmente considerado uma voz moderada num país onde o sentido da luta sunita está crescendo sob um governo dominado por xiitas. Ele rapidamente observa que desempenhou um papel fundamental na cooperação com as forças dos EUA para derrotar a Al Qaeda no país, como um contraponto à tendência do primeiro-ministro Nouri al-Maliki de igualar a expressão das queixas sunitas ao terrorismo.
"Ninguém vai aceitar a Al Qaeda volte a Anbar", disse ele, numa entrevista em seu esconderijo em Ramadi. Mas descreveu o cerne da indignação sunita desta forma: "Eles veem Maliki como apenas um líder xiita, não como um líder iraquiano."
De fato, a crescente sensação de privação de direitos civis dos sunitas se estende além dos pomares de tamareiras e fazendas de Anbar até as cidades de Mosul e Samara que, como Ramadi, tem sido palco de protestos semanais, e chegando a bairros de Bagdá.
O medo de que al-Maliki estava se esforçando para afastar e punir os sunitas veio à tona ainda quando as tropas dos EUA deixavam o país no final de 2011. Naquela época, o governo tentou prender o vice-presidente sunita, Tariq al-Hashemi, sob acusações de operar um esquadrão da morte. Desde então, ele fugiu para a Turquia e foi condenado à morte por um tribunal iraquiano. Hashemi nunca foi um favorito do povo sunita, e seu destino não se sustentou como um motivo de protesto.
Outros líderes sunitas também estão na clandestinidade, mas são os problemas de Essawi que parecem ser um ponto central para os sunitas. Ele buscou refúgio no complexo do xeique Ahmed Abu Risha, um líder tribal que liderou o Despertar Sunita, movimento em que ex-insurgentes foram pagos pelos americanos para mudar de lado e lutar contra a Al Qaeda no Iraque.
O próprio Abu Risha enfrenta agora um mandado de prisão por financiamento do terrorismo, e se considera mais um alvo sunita do governo de al-Maliki, que desde que as forças dos EUA saíram do país está usando as leis de terrorismo do país contra líderes sunitas, numa campanha que autoridades norte-americanas e analistas acreditam ter motivos políticos e ser baseada em provas frágeis.
"Fomos nós que derrotamos a Al-Qaeda", disse Abu Risha. "Nós somos os moderados contra o sectarismo".
E agora, os homens aqui dizem que estão novamente pegando em armas, se preparando para uma luta com o governo central, e falando a língua da insurreição. "Estamos numa emergência e temos medo e eu estou defendendo o povo", disse o xeique al-Teheen Assawi. Assawi, um homem pequeno de seus 70 anos, chegou ao complexo Abu Risha na manhã de sábado vestindo um colete com munição. Pendurado no ombro tinha um rifle de assalto quase tão alto quanto ele.
Num movimento significativo, al-Maliki respondeu à chamada às armas entre os xeiques de Anbar – muitos que anteriormente trabalharam lado a lado com os norte-americanos no auge do Despertar, quando a insurgência sunita foi domada – também convocando para a luta.
Outro líder tribal, o xeique Hamid al-Hayes, denunciou o movimento de protesto e se juntou a al-Maliki para formar uma nova milícia sunita em
Anbar para proteger os interesses do governo central. Depois de várias reuniões com al-Maliki, Hayes disse que havia recrutado 3.500 combatentes que forneceriam informações para o exército local e a polícia e protegeriam os bairros. "Quanto aos xeiques que não concordam com isso, eles devem reconsiderar o que dizem, uma vez que isso será muito perigoso no futuro", disse ele.
Em uma mesa próxima a Abu Risha havia uma caixa de madeira contendo uma medalha, envolta em veludo vermelho, conferida a ele pelo ex-comandante geral dos EUA no Iraque, o general Ray Odierno, que escreveu uma carta de próprio punho a al-Maliki dizendo que não havia base para as alegações de que Essawi tinha ligações com o terrorismo. Abu Risha enumerou suas perdas da guerra: seis irmãos e seu pai foram mortos, além de cerca de 50 membros de sua família. O 10 º aniversário da invasão, disse ele, "é um dia negro".
"Os norte-americanos, eles não fazem aliados duradouros", disse. "Eles eventualmente os traem." O movimento de protesto sunita em todo o país começou em dezembro, depois que o governo prendeu vários dos guarda-costas de Essawi em sua casa, na fortificada Zona Verde de Bagdá. O embaixador dos EUA, Robert Stephen Beecroft, estava em visita no momento do ataque, observando impotente à medida que um evento que ele sabia que poderia ter repercussões duradouras se desdobrava. "Ele ficou muito chateado", disse Essawi.
Essawi prometeu ficar no Iraque, e nega que estava tentando fugir para a Jordânia – como algumas autoridades acreditavam – quando as forças de segurança tentaram prendê-lo recentemente. "Eu já disse muitas vezes que não vou deixar o Iraque, mesmo que seja arriscado para mim", disse ele.
Mas até mesmo Essawi, que normalmente é uma voz moderada no país, agora parece ter adotado a linguagem da militância. Ele se refere ao exército iraquiano como uma "milícia", e fala com o tom agressivo pelo qual esta região é conhecida.
"Isso é Anbar", disse ele. "Nós derrotamos a Al Qaeda. Nós vamos nos defender das milícias."
Fonte: The New York Times
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