Os
VANT são veículos aéreos não tripulados controlados a distância que,
desde os anos 1990, são utilizados cada vez mais em conflitos armados. A
princípio, foram usados somente para fins de vigilância, mas a partir
de 11 de setembro de 2011, também passaram a ser usados como armas para
matar os membros da Al Qaeda. Desde o seu primeiro uso como arma durante
o governo de George W. Bush, em outubro de 2001, no Afeganistão, os EUA
aumentaram o seu arsenal de 167 para mais de 7 mil desses aparelhos. Ao
final do mandato de Bush, em janeiro de 2009, os EUA. haviam realizado
entre 45 e 52 ataques com VANT. Nos três anos e meio de governo do
presidente Obama, eles foram empregados cinco vezes mais, chegando a ser
utilizados 292 vezes. Durante o governo de Obama, também se mudou o
centro de ataque: passou-se dos chamados ataques “personality” para os
de “signature”. Nos primeiros, os alvos são os presumidos líderes de
grupos armados não estatais; nos segundos, os objetivos são, em sua
maior parte, grupos presumidamente terroristas, ainda que não esteja
claro com que critérios são determinados esses grupos, com precisão Caso
se dê crédito à narrativa oficial do governo dos EUA, os VANT são armas
de precisão cirúrgica que nunca erram o alvo.
Um
estudo divulgado recentemente pelas Universidades de Stanford e Nova
York, (setembro 2012) sobre a prática e consequências do uso de VANT em
Waziristán, uma região de montanha no noroeste do Paquistão, na
fronteira com o Afeganistão, zona de fuga da Al Qaeda e lugar principal
de execução do programa VANT norte-americano, contradiz a versão do
governo dos EUA. Os autores mostram, com base em uma pesquisa de nove
meses, que o emprego de VANT não apenas causa numerosas vítimas civis,
como também não serve, de nenhum modo, a uma luta eficiente contra o
terrorismo. Comparando os dados disponíveis de fontes independentes
sobre o número de vítimas, o estudo conclui que, entre junho de 2004 e a
metade de setembro de 2012, entre 2.562 e 3.325 pessoas foram
assassinadas por VANT. Segundo o estudo, os VANT sobrevoam a região 24
horas por dia e atacam, sem prévia advertência, habitações, veículos ou
lugares públicos. Eles aterrorizam a população, disseminam o medo e
causam traumas psicológicos. A eficiência dos ataques com VANT tem sido
colocada em dúvida, dado que somente 2% dos mortos pertenciam à cúpula
da Al Qaeda e seu uso teria facilitado o recrutamento de novos
combatentes. Por último, essa prática minaria a vigência do direito e
poderia constituir um perigoso precedente para o uso de VANT por parte
de outros governos com menor controle democrático que os EUA.
O
estudo refuta o argumento da precisão cirúrgica dos VANT, mostrando que
tanto na seleção do objetivo por parte dos serviços secretos como em
sua execução por parte dos militares podem ocorrer graves erros que
conduzem à morte de inocentes, entre as quais crianças. A propensão ao
erro é reforçada pela indeterminação dos alvos “signature“ e a tendência
à inversão da carga probatória. Finalmente, em relação às consequências
sobre a população local, o uso de VANT se mostra não só eticamente
contestável, como também estrategicamente contraproducente, porque
reforça o ressentimento contra os E.U.A, facilitando assim o
recrutamento de novos combatentes.
Sob
o ponto de vista jurídico, o estudo confirma a opinião daqueles que
consideram o emprego dos VANT, na forma praticada pelos EUA, contrário
ao direito internacional. Em tempos de paz, a execução seletiva por meio
de VANT (ou por outros meios) representa uma execução extrajudicial que
é, evidentemente, contrária aos direitos humanos. Em tempos de guerra —
caso se aceite a existência de um conflito armado entre os EUA e Al
Qaeda —, segundo o direito internacional humanitário aplicável, somente é
admissível o homicídio seletivo de combatentes (de fato), devendo-se
diferenciar com precisão entre estes e os civis (princípio da
diferenciação). Sem embargo, ser “combatente“ pressupõe mais que a mera
militância em uma organização terrorista, a saber a participação ativa
nas hostilidades. Ademais, o emprego dos VANT deveria ser proporcional, o
que, tendo em vista o alto número de vítimas civis, é mais do que
duvidoso. Os danos colaterais civis são, em principio, somente
admissíveis, se prometerem uma vantagem militar — principio da
necessidade militar — e estiverem em uma adequada relação com os
objetivos militares perseguidos. Sem embargo, quando, como demonstra o
estudo, só uma pequena parte dos líderes “terroristas“ é considerada
como alvo, não pode ser considerada uma vantagem militar sob uma análise
geral. A proximidade (humana) entre quem dirige o VANT e a vítima reduz
ao mínimo os freios inibitórios de matar. Isso vale com maior razão
para os VANT “com autonomia letal“ de geração futura.
Fonte: Correio Braziliense
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