O Brasil é o único membro dos BRICs que jamais
construiu um artefato nuclear. Essa escolha tem mais consequências para a
trajetória internacional do país do que geralmente se reconhece.
Antes mesmo de a primeira bomba atômica cair sobre
o Japão, o Brasil estava atrelado a uma economia política na qual o urânio
virou commodity global. Estava também vinculado a redes transnacionais de
tecnologia nuclear que moldaram a evolução da ciência no país. No processo, o
Brasil recebeu apoio de governos e empresas da Europa e dos Estados Unidos.
Quando o regime militar fez do átomo um elemento
importante de seu projeto modernizador, sabia contar com anuência internacional
para ir adiante, mesmo que o programa nuclear contribuísse para uma cultura de
segredo e arbítrio.
Tudo mudou em 1974, quando a Índia detonou sua
bomba e o mundo reagiu criando regras muito mais intrusivas de não
proliferação. Assim como ocorrera no passado escravocrata, o Brasil
nuclear virou pária internacional, amargando sanções e pressão externa. Na defensiva, o regime em Brasília fincou o pé,
levando parte do programa para a clandestinidade.
Documentos agora disponíveis para a pesquisa
mostram o trabalho brasileiro para obter peças e conhecimento, urânio
enriquecido e recursos para custear a empreitada, numa narrativa de iniciativas
diplomáticas que vai da Europa à Ásia, passando pelo Oriente Médio.
A política nuclear da época, marcada pela
opacidade, teve resultados mistos. Por um lado, a burocracia e a competição
por recursos escassos entre diversos órgãos geraram enorme desperdício e
incompetência, além de contribuir para horríveis acidentes com materiais
radioativos. Por outro lado, contudo, as ilhas de excelência no seio do
programa conseguiram enriquecer urânio com um mix de tecnologias integradas por
cientistas e técnicos brasileiros.
Também houve um desenvolvimento inesperado: em sua
resistência conjunta diante do regime global de não proliferação, Brasil e
Argentina criaram um sistema capaz de gerenciar desconfianças mútuas.
Não surpreende, portanto, que a adesão brasileira
às regras internacionais de não proliferação na década de 1990 gerasse
divisões. Para uns, foi capitulação; para outros, bom senso.
Esse embate não acabou. Há um novo reator
ficando pronto em Angra, uma indústria incipiente de enriquecimento de urânio
em Resende e contratos polpudos que poderão levar um dia a um submarino de
propulsão nuclear.
Isso ocorre em um contexto no qual as regras globais de não proliferação são reescritas a cada dia.
A princípio, o Brasil deveria estar tranquilo. Sua
mensagem simples é que o mundo não se divide apenas entre os que possuem armas
atômicas e os que não as tem. Divide-se também entre os que poderiam tê-las,
mas escolheram outra coisa.
Contudo, nem sempre esse comportamento é premiado.
Nem sempre essa mensagem é entendida. A animada história do relacionamento
brasileiro com a ordem nuclear global ainda está em seus capítulos iniciais.
Fonte: Folha via Defesa e Gestão Estratégica UFRJ
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